Tal foi a ideia do Bridadeiro João Paulo Burnier em 1968, que planejou que a Para-Sar realizasse o ato de terrorismo. Houve alguém que, como em Brecht, disse não: o capitão da Aeronáutica Sergio Ribeiro Miranda de Carvalho, conhecido como Sérgio Macaco. A ordem era manifestamente ilegal, mesmo para os padrões jurídicos infames da ditadura militar.
Como o então capitão evitou um massacre que levaria à morte de milhares, opondo-se, portanto, ao espírito do regime, foi preso e, em seguida, reformado pelo AI 5.
Ainda no governo Geisel, em 20 de maio de 1974, o Brigadeiro Eduardo Gomes (que havia sido uma alternativa da direita à presidência da república, quando ela ainda estava disposta a concorrer a eleições diretas) escreveu ao presidente solicitando a reparação da injustiça:
O Capitão Sérgio tem o mérito de haver-se oposto ao plano diabólico hediondo do Brigadeiro João Paulo Burnier que, em síntese, se consumaria através da execução de atos de terrorismo, usando das qualificações técnicas possuídas pelos integrantes do Para-Sar. A explosão de gasômetros, a destruição de instalações de força e de luz, posteriormente atribuidas aos comunistas, propiciariam um clima de pânico e de histeria coletiva, permitindo, segundo a opinião do Brigadeiro Burnier, uma caçada a elementos já cadastrados, o que viria "a salvar o Brasil do comunismo". Ao mesmo tempo, executar-se-ia, sumariamente, a eliminação física de personalidades político-militares que, no seu entender possibilitariam uma renovação nas lideranas nacionais.
[...]
Creio que não se me pode negar autoridade moral para reclamar, em nome da própria Revolução, o deferimento do Recurso que o Cap. Sérgio ora lhe dirige.
Meu caro General Geisel, a reparação da clamorosa injustiça que sofre o Cap. Sérgio será um grande serviço que o digno Presidente da República prestará à Aeronáutica e ao país.
Para mim, pessoalmente, valerá como um alento. Não posso mais arrastar comigo o peso dessa injustiça que me oprime o cansado coração, pois que o Capitão Sérgio, sempre por mim apoiado e estimulado, curte o seu cruel castigo em silêncio e em resignação, com consciência do dever cumprido.
Se a justiça dos homens é incerta, a Justiça de Deus é infalível. Seja General Geisel, o nobre instrumento dessa justiça.
Cito-a da decisão do STF. Ela é interessante por demonstrar como, no âmbito dos padrões institucionais do período, não era possível reparar a injustiça feita ao militar, senão voltando às teorias medievais da política para ver o chefe político na qualidade de representante da vontade divina. Por algum motivo que me escapa, essa vontade não encontrou um instrumento na pessoa de Geisel.
Na justiça militar, ele foi absolvido da acusação de crime militar. Em dezembro de 1970, o Superior Tribunal Militar confirmou a absolvição. No entanto, a reforma não poderia ser desfeita nem pelo STM, pois os atos praticados com base nos atos institucionais não poderiam ser anulados pelo Judiciário.
Seu caso chegou ao Supremo Tribunal Federal: as Forças Armadas mantinham o curioso entendimento de que dar choques elétricos em órgãos genitais era um crime político a ser anistiado, mas que um militar como Sérgio Macaco não poderia ter sido promovido a Brigadeiro - de fato, se Burnier era digno do cargo, o ex-capitão não o poderia ser.
A Procuradoria-Geral da República, em mais um dos casos em que apoiou lealmente o legado autoritário da ditadura militar, opinou pela improcedência da ação, defendendo a legalidade dos atos praticados com base no AI 5.
Na época, soube do caso nos jornais por Millôr Fernandes (ele chegou a desenhar os desígnios burnierianos, com Dom Helder Câmara sendo jogado de um avião para o mar), que, infelizmente, não recolheu esses textos em livro. Para uma leitura rápida, vejam o texto de Luiz Cláudio Cunha.
A ação no Supremo Tribunal Federal ficou conhecida como Caso Parasar ou Caso Sérgio "Macaco". Ela foi julgada em 28 de outubro de 1992.
Curiosamente, a posição que predominou foi a do Ministro Marco Aurélio, e não a do relator, Celso de Mello, que entendia que o artigo 9o. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição de 1988 não era aplicável:
Art. 9º. Os que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então Presidente da República, poderão requerer ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem terem sido estes eivados de vício grave.
Parágrafo único. O Supremo Tribunal Federal proferirá a decisão no prazo de cento e vinte dias, a contar do pedido do interessado.
Ora, tratava-se, manifestamente, do caso do ex-capitão, como bem fez ver Marco Aurélio. Como a reforma foi pronunciada pelo triunvirato militar que tomou o poder, impedindo Pedro Aleixo, vice de Costa e Silva, de assumir o cargo de presidente da república, a Procuradora-Geral da República argumentou que o requisto previsto no artigo 9o., "ato do então Presidente da República", não estava contemplado... Nesse caso, temos ou um exemplo curioso de ignorância histórica (um manual destinado ao ensino médio explicaria que, entre a doença de Costa e Silva e a posse de Médici, um triunvirato exerceu a presidência da república) ou uma tentativa de fazer com que o Estado se beneficiasse de sua própria torpeza.
Já Celso de Mello não tinha visto "vício grave" na reforma do ex-capitão, então coronel, por ato complementar ao AI 5... Marco Aurélio corretamente argumentou, e foi vencedor, que o vício jurídico não poderia ser visto apenas como uma questão de forma, e sim também de fundo - dessa forma, ele era evidente. Lembrando-se da posição que tomaria na ADPF 153, não é estranho entender por que Celso de Mello não enxergava vícios nas punições fundamentadas nos atos institucionais!
Celso de Mello acabou por mudar o próprio voto nesse aspecto, mas continuou vencido por não julgar que o militar tivesse o direito de ocupar o posto de Brigadeiro. Ilmar Galvão, que votou inicialmente pela improcedência da ação (Celso de Mello foi pela procedência parcial) e depois reconsiderou seu voto, acabou também vencido.
No andamento da ação, vemos que o Ministro da Aeronáutica, Lélio Lobo, simplesmente ignorou o ofício do STF para que cumprisse o acórdão.
Itamar Franco se omitiu. Aparentando estar sob tutela das autoridades militares, simplesmente ignorou a decisão. Cumpriu-a apenas depois da morte de Sérgio Macaco, já gravemente doente na época da ação.
A falta de coragem cívica desse novo presidente acidental da república (o primeiro havia sido José Sarney) bem mostra que, após o fim da tutela direta dos militares, as virtudes cívicas foram mesmo acidentais nos altos escalões e o autoritarismo participou fortemente da própria substância política.
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