O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

terça-feira, 17 de julho de 2012

O Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais e Desarquivando o Brasil XXXVII


Foi criada, em 9 de julho de 2012, a seção do Rio de Janeiro do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais, consequência do II Seminário Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais, que ocorreu em abril deste ano na Universidade Federal de Goiás.
O Instituto tem uma proposta de abertura tanto teórica quanto social. Leiam na ligação indicada o propósito teórico, reafirmado no Rio de Janeiro, de não isolar a questão dos movimentos sociais na sociologia. No tocante à abertura social, destacam-se as alianças entre os pesquisadores, os advogados e os próprios movimentos desde a gênese do Instituto.
A estrutura da organização reflete o propósito metodológico de não tomar os movimentos como um objeto passivo da academia, postura geralmente reproduzida no ensino jurídico, quando não ocorre algo pior: o silêncio total sobre o assunto. Essa tradição do ensino nada mais faz do que reproduzir o status quo e colaborar metodologicamente na repressão da autonomia popular, mesmo que o discurso acadêmico (reduzido a simples discurso) afirme propósitos libertários. Esses propósitos cairão no vazio laureado das cátedras se não lograrem criar parcerias com o restante da sociedade.
A próxima reunião da seção no Rio de Janeiro será em Vigário Geral no dia 21 de julho, com uma atividade que rememora o massacre lá ocorrido em 1993.

 

Faço recordar que, diversas vezes na história brasileira, o poder público soube perceber o potencial emancipatório dos movimentos (potencial, repito; a emancipação não é um destino nem uma consequência necessária da atuação desses sujeitos coletivos)  e os reprimiu.
Entre milhares de exemplos possíveis, recordo rapidamente, recorrendo a documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, o movimento contra a carestia.
Com o milagre econômico fazendo água no governo Geisel, o aumento da inflação, a fraude nos índices macroeconômicos realizada na gestão Médici/Delfim Neto e seu impacto sobre a concentração de renda crescente, a carestia fazia-se uma realidade cada vez mais severa, afetando a legitimidade que a ditadura buscava no campo da eficiência econômica.
Os agentes de segurança passaram a vigiar o movimento contra a carestia, percebido como perigoso para o regime. Ao lado, pode-se ler panfleto apreendido, que traz conclamações a partir do I Congresso Nacional da Luta contra a Carestia, que ocorreu em Belo Horizonte em 6 e 7 de novembro de 1980.
Diversas bandeiras juntaram-se nesse movimento. Vemos, no outro documento, que as entidades (entre aspas), já eram vistas como "contestatórias" ao regime antes do Congresso Nacional em 1980. Neste informe de 1978 do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (DEOPS/SP), o "Movimento Feminino pela Anistia, Comunidades da Igreja Católica (Setor da Vila Brasilândia) e Frente Nacional do Trabalho". As Comunidades de Base da Igreja Católica foram muito importantes nessa  articulação.

O problema da segurança alimentar continua não resolvido no Brasil. E, como lembra João Bosco Bezerra Bonfim, desde a República Velha temos movimentos contra a carestia.
A contestação naquele momento, todavia, permitiu (na verdade, exigiu) esse discurso de articulação dos direitos civis e políticos com os direitos sociais, como lemos no primeiro documento: "Denunciamos que a carestia de vida que atinge a milhões de brasileiro, é o resultado do arrocho salarial, dos grandes lucros dos patrões nacionais e estrangeiros, da concentração de terra nas mãos dos capitalistas e latifundiários, e da falta de liberdade, para o povo defender e conquistar seus direitos."
Na tarefa difícil dessa articulação, penso que os profissionais do direito poderão (como já o fazem; vejam o blogue da Assessoria Jurídica Popular) trabalhar com os movimentos.

6 comentários:

  1. Tomara que a configuração da organização seja essa mesma, Pádua. Torcendo demais para que todas essas iniciativas mudem o cenário da memória e investigação dos crimes da ditadura e que sirvam para iniciar os processos de responsabilização dos responsáveis. Já passou da hora.

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  2. De fato, Niara, as impunidade de ontem e de hoje continuam sendo um problema para os movimentos sociais. Ainda tenho que escrever mais sobre isso!
    Abraços, Pádua

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  3. Analisando as atas do conselho da época da ditadura militar, realmente é vergonhoso para o nosso País ler tudo isso. Ou seja,há 30anos não existia Direitos humanos neste país. Quando as pessoas me diziam que não podiam comentar ou fazer nada para obter algum direito, eu não conseguia entender a complexidade da política que ali viviam; ou até mesmo entender o que de fato se falavam sobre marginados. Me diziam que todos que faziam algum protesto, eram considerados bandidos, não é a toa que hoje eu escuto a ridicula frase de que os direitos humanos são os direitos dos bandidos. Ou seja, procurar o melhor para a sociedade era ser um marginado, analisando as atas, fico pasma em ver que um ser humano era preso por protestar contra aquilo que não era bom para a sociedade. Realmente hoje eu vejo que infelizmente a maioria das pessoas preferem ser Hobbesianas do que serem Lockianas. Eu estudo e passo tudo o que tenho de bom para os meus amigos,familiares para que a nossa sociedade comece a ver que nós tenhamos de virarmos na verdade seres Kantianos. " e assim caminha a humanidade"

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  4. Frase a ser repetida ad nauseam: "Esses propósitos cairão no vazio laureado das cátedras se não lograrem criar parcerias com o restante da sociedade.". O discurso libertário das OABs nossas e dos professores dos cursos de Direito não têm o correspondente na realidade brasileira -- tortura nas delegacias, execuções nas ruas, propriedade glorificada e direitos sociais minimizados. Eis o que o Direito fornece ao Brasil, fora dos livros. Já é hora do Direito ganhar as ruas, e as ruas ganharem direitos! p.s. muito bom saber da existência da Assessoria Jurídica Popular. Adriana de Oliveira

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  5. ... bem, nem tão libertário assim, pensando bem, mas juridicamente correto, diria. E corrigindo: "o discurso xxx não tem correspondente". abr, Adriana de Oliveira

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  6. De fato, nem tão libertário, ou nada libertário, como se vê nas brigas da OAB com as Defensorias Públicas...

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