O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Desarquivando o Brasil XLII: Intelectuais perseguidos e Comissões da Verdade na UnB e na USP

A Comissão da Verdade da Universidade de Brasília vai realizar sua primeira audiência pública com a Comissão Nacional da Verdade no dia 6 de novembro de 2012. O tema será o caso do ex-reitor Anísio Teixeira, cassado já em 1964, "que morreu em circunstâncias suspeitas no Rio de Janeiro, em 1971":
http://www.cnv.gov.br/noticias/01-11-2012-2013-comissao-nacional-da-verdade-e-comissao-da-verdade-da-unb-realizam-audiencia-tematica-sobre-o-caso-anisio-teixeira/
Também será assinado um termo de cooperação entre as duas Comissões.
Enquanto isso, administrada por outras forças políticas, a Universidade de São Paulo ainda não logrou criar sua própria.
Por essa razão, Renan Quinalha (sugiro que se ouça esta sua fala em maio último, na faculdade de direito da USP: http://www.youtube.com/watch?v=LLnHzgv55fs), um pesquisador e ativista da justiça de transição no Brasil, solicitou divulgação do próximo ato pela criação da Comissão da Verdade nessa Universidade. Ele ocorrerá no dia 7 de novembro, no auditório do Instituto de Oceanografia.


Este foi o texto da mensagem que recebi:

Grande ato marca a entrega do abaixo-assinado Por Uma Comissão da Verdade da USP
No dia 7 de novembro (quarta-feira), às 17h30, o Fórum Aberto Pela Democratização da USP realizará um ato para a entrega das assinaturas que recolheu ao longo do tempo em que promoveu a campanha Por Uma Comissão da Verdade da USP, a fim de cobrar da instituição que reconheça a iniciativa e instaure oficialmente uma comissão da verdade na universidade.
É esperada a presença de todas/os aquelas/es funcionárias/os, alunas/os e professoras/es que apoiaram a campanha desde seu início, para construir um ato à altura da mobilização atingida nos últimos meses em toda a universidade. Foram também convidados o Reitor e todos os membros do Conselho Universitário.
A entrega acontecerá no Auditório do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP), localizado na Praça do Oceanográfico, 191, Cidade Universitária, São Paulo/SP, CEP 05508-120.
O Fórum Aberto pela Democratização da USP reúne Adusp, Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp), Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre da USP), Associação de Pós-Graduandos do campus da capital (APG-USP), Centro Acadêmico de Filosofia (CAF), Centro Universitário de Pesquisas e Estudos Sociais – Centro Acadêmico das Ciências Sociais (CeUPES), Centro Acadêmico de História (CAHIS), Centro Acadêmico de Relações Internacionais (GUIMA), Centro Acadêmico da FEA (CAVC), Centro Acadêmico da Engenharia de Produção (CAEP), Centro Acadêmico de Engenharia Elétrica (CEE), Centro Acadêmico de Engenharia Civil (CEC), Grêmio da Poli (Gpoli), Centro Acadêmico do Instituto de Química (CEQHR), Centro Acadêmico Lupe Cotrim, da ECA (CALC), Centro Acadêmico Ruy Barbosa (Educação Física), Centro Acadêmico da Mecânica (CAM), Centro Moraes Rego (CMR), Associação dos Engenheiros Químicos (AEQ), Levante Popular, Juventude às Ruas, Grupo de Trabalho pela Estatuinte da USP (GT Estatuinte), Coletivo Político Quem, Coletivo Merlino, Coletivo Manifesto pela Democratização da USP, Liga Estratégia Revolucionária, Frente de Esculacho Popular, Fórum da Esquerda, Campo Rompendo Amarras.

Dito isso, gostaria de lembrar que uma das contribuições que essa Comissão poderia dar estaria certamente no campo da perseguição aos intelectuais.
A primeira gase da chamada "guerra revolucionária", segundo a doutrina de segurança nacional, dava-se no campo ideológico, com a propaganda adversa. O "Movimento Comunista Internacional" agiria primeiro no plano ideológico, para perverter os costumes e questionar o capitalismo. Dessa forma, para a ditadura eram muito importantes a censura da esfera pública, bem como a reforma e o controle da educação.

Na USP, havia ocorrido um primeiro "expurgo" em 1964, capitaneado pelo então reitor Gama e Silva, que se tornaria ministro da justiça de Costa e Silva. Mais adiante, com o AI-5, diversos professores foram aposentados compulsoriamente. Sobre esse período, é interessante ler o Livro Negro da USP (apesar de hoje se saber bem mais sobre o período), que foi republicado na internet:
http://www.adusp.org.br/files/cadernos/livronegro.pdf
Emília Viotti estava entre os professores afastados pelo AI-5, e conta, nestes depoimento, como foi presa por alguns dias em 1969, bem como outros intelectuais, como Octavio Ianni:
http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com.br/2008/04/depoimento-de-emlia-viotti-da-costa.html
Ela deixou o Brasil e foi continuar sua carreira docente nos EUA. Ela, com outros intelectuais e pesquisadores, continuava na mira do regime, o que é comprovado pelos documentos da Operação Tarrafa. Este é um dos documentos, que encontrei no Arquivo Público do Estado de São Paulo, com os nomes considerados perigosos: 


Havia metas quantitativas de prisões, o que provavelmente foi estipulado para surtir um efeito atemorizador. A produtividade da repressão política fazia manter em aberto a lista de alvos, como se vê abaixo: "Outros nomes, a critériodos respectivos Comandos e Direção, poderão se rrelacionados para serem presos, em prioridades sucessivas e em grupos, de acordo com as conveniências próprias de cada executor." Essas "conveniências" significam a arbitrariedade dessas prisões que, como de regra nesse período, eram ilegais mesmo para os padrões do regime vigente.

Essa Operação não é mais um segredo, tampouco estes documentos, e já recebeu algumas reportagens na Folha de S.Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1506200321.htm). 
José Eduardo Ferraz Clemente, em dissertação sobre o impacto da ditadura militar na comunidade científica brasileira (Ciência e política durante a ditadura militar: o caso da comunidade brasileira de físicos (1964 -1979)), também tratou dela, embora não com base nos documentos veiculados pela rede oficial de informações:
Tendo em vista esses dados, e o caráter "adverso" com que eram vistos os intelectuais da esquerda, não seria estranho que Anísio Teixeira tivesse sido assassinado, como supõe, entre outros, o professor João Augusto de Lima Rocha: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=6935
Outra questão que justifica a importância da criação de uma comissão da verdade é a colaboração de intelectuais com a ditadura militar, que ocorreu, ao que parece, muitas vezes de forma clandestina e ilegal, seguindo a hipocrisia do regime, que desejava parecer "democrático". O Livro Negro da USP, que mencionei acima, oferece-nos um exemplo. Para a escolha dos nomes que seriam expurgados, o reitor Gama e Silva, que talvez tivesse algumas noções de direito administrativo, criou em 1964 uma comissão clandestina que serviu para afastar da Universidade nomes da esquerda:

Com efeito, o reitor Gama e Silva nomeou uma comissão especial para investigar atividades “subversivas” na USP, formada pelos professores: Moacyr Amaral dos Santos, da Faculdade de Direito, Jerônimo Geraldo de Campos Freire, da Faculdade de Medicina e Theodureto I. de Arruda Souto, da Escola Politécnica. Esses representantes das “grandes escolas” eram todos elementos de confiança do Reitor.
De tal modo repugnante foi a constituição dessa comissão, e contrária à tradição universitária, que sua existência foi mantida em segredo e dela não foi informado o Conselho Universitário. [p. 18]

Esse Livro, devo lembrar, nasceu dos trabalhos de uma comissão especial da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (ADUSP), no âmbito de uma campanha para reintegração dos docentes atingidos pela repressão política. Uma Comissão da Verdade na USP poderia avançar no que já se sabe do período.

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