Miguel Reale, se vivo fora, teria feito cem anos. Não sou um especialista em nada, muito menos em integralismo, por isso não pude escrever sobre o pensamento desse grande jurista brasileiro nos anos 1930 e 1940.
Outros também não puderam fazê-lo. Enviaram-me notícia de evento universitário a propósito da efeméride: julgaram relevante tratar dele como pai - Sérgio Buarque de Holanda teria adorado ver isso - mas não acharam ninguém para tratar da contribuição de Reale para o integralismo, tampouco para a ditadura militar (tempo em que o jurista e professor do Largo de São Francisco chegou a ser reitor da USP).
Sei, no entanto, que aqueles anos de formação foram determinantes para o Reale maduro: em 1969, na paródia de constituinte encenada às portas fechadas (esfera pública versão burocrático-militar) por Costa e Silva (que desejava substituir a Carta de 1967) com Pedro Aleixo, Gama e Silva e outros "notáveis", Reale propôs a criação da representação corporativa, típica do fascismo. Costa e Silva não aceitou, achando que a proposta era ousada demais.
Aludi a esse episódio no Sopro número 9: http://culturaebarbarie.org/sopro/n9.pdf
Sobre Reale, escrevi há uns anos este pequeno artigo, "A cultura jurídica brasileira e a chibata: Miguel Reale e a história como fonte do Direito": http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=93400515 ou http://www4.uninove.br/ojs/index.php/prisma/article/view/613
Nele, podem-se ler coisas mais ou menos conhecidas e bastante silenciadas, como alguns dos ataques de Pontes de Miranda à democracia, os elogios de Levi Carneiro a Hitler, e a caracterização que Reale fez de Médici como o criador/pensador da "democracia social" no Brasil.
Refiro-me aos ataques que o grande jurista fez à soberania popular e à possibilidade de instauração de uma assembleia constituinte no Brasil em dois momentos, nos anos 1960, no início da ditadura militar, e nos anos 1980, crepúsculo da ditadura (mas não do poder militar no Brasil, como Jorge Zaverucha bem analisa).
É inolvidável ler a análise realiana de que Médici teria feito o Brasil superar as liberdades dos EUA e os direitos sociais da URSS. Cito a original análise jurídico-política no artigo.
A identidade de pensamento do jurista com o general-estadista-pensador é tamanha que passou um pequeno erro na revisão, e acho que ninguém o notou até hoje: na página 246, a última citação é de Médici, não de Reale. São indiscerníveis em sua análise da democracia.
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
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Reale, quem sabe pela carolice ou pelo nacionalismo, delirou o integralismo - excentricidade entre excentricidades, fruto daquela época e, ao mesmo tempo, coisa tão brasileira. O Reale pós-integralismo é um hegeliano de direita vulgar, confuso, que se alinhou com a Ditadura Militar - junto com o velho Chico Ciência e os Buzaids da vida, que assim puderam dar vazão ao que reprimiram por décadas -, o que lhe gabaritou como colaborador perpétuo de la derecha. O fato desse sujeito ainda ser lembrado pelos nossos cursos de Direito é das coisas mais sintomáticas entre sintomas tão óbvios, mas tão óbvios, que acabam ignorados.
ResponderExcluirPrezado Hugo Albuquerque,
ResponderExcluirdiscordo do que escreveu: pelo contrário, é preciso falar dele, e também nos cursos de Direito, para que se saiba a marca que deixou na cultura jurídica nacional.
O problema é o oposto do que você imagina: ele não é, de fato, lembrado, pois é muito pouco lido (exceto pelo manual das Lições preliminares de Direito). Com isso, o papel dele como intelectual da direita é providencialmente ignorado. Abraços, Pádua.