O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Eleições no Brasil e entreouvidos no Rio de Janeiro
No domingo do segundo turno da eleição presidencial, 31 de outubro de 2010, estava em pé em um ônibus indo para a Barra da Tijuca, onde iria votar. Várias pessoas, tomadas pelo clima eleitoral, falavam alto, talvez na esperança de conseguir alguns últimos adeptos.
Sei que vários escritores usam esse tipo de material linguístico. Meus amigos Eduardo Sterzi e Veronica Stigger fazem-no. Alberto Pucheu tem um poema feito de falas ouvidas em ônibus. Quanto a mim, detesto ouvir conversas alheias, mas é muito difícil evitar a indiscrição, principalmente nesta era do telefone celular, em que a evasão de intimidade virou um padrão normativo.
Uma moça de saia longa e com cabelos longos descoloridos, sentada ao lado do motorista, explicou que não tinha votado em Dilma Rousseff: "Ela disse que se ela ganhasse era uma prova que Deus não existia, e eu não gostei disso." e "No primeiro turno votei na Marina." Não entendi quem havia inventado essa besteira e contado para ela. Só ouvi depois que ela havia feito algo com o PSDB cinco anos, o que deve ter surtido algum efeito em suas faculdades cognitivas.
Na minha frente, uma jovem, de cabelo curto e jeans, ainda mais nova, falava ao celular: "Já votou, mãe? Serra, né? Deus te ilumine."
O projeto teocrático para o país tinha ganhado um fôlego com o engajamento de Ratzinger na semana final da campanha, em ligeiro desrespeito ao princípio da não intervenção previsto na Carta da ONU. O Vaticano não integra a ONU, mas esse princípio tem a natureza de direito internacional geral...
Mais atrás, uma senhora falava de um hospital público e do diretor que desviava equipamentos: "Rico honesto, pode até existir." Também se tratava de uma questão de fé.
Votei. Mais tarde, minha cunhada, que havia assistido a missa em uma igreja perto de um condomínio da Barra, contou que o padre, no fim do ofício, deu a notícia de que o PT havia ganho a eleição. Poderia haver dúvida: é de lembrar que, no sábado, Índio da Costa tuitou que pesquisas "internas" haviam dado empate técnico. Uma pessoa muito solitária aplaudiu, e o restante dos fiéis ficou consternado.
Eu estava em um bairro tucano. O mapa da votação no Rio mostra que Serra, no Município do Rio, só ganhou na Zona Sul, no Alto da Boa Vista (a região mais fria) e na região da Barra (em São Conrado, onde está a Rocinha, ele perdeu). Por sinal, a vantagem de Rousseff sobre Serra no Estado do Rio de Janeiro foi suficiente para anular a que ele teve no Estado de São Paulo, o que torna ainda mais ridículo o papo de certo comentarista da tevê/jornal/internet/rádio da Globo (que continua a gozar de seu oligopólio dos meios de comunicação) de que temos um país "dividido".
E se houvesse divisão, e o PT houvesse vencido por apenas cem mil votos, e não mais por mais de doze milhões? Problema nenhum, é a regra do jogo. Entende-se facilmente o inconformismo do comentarista de poucas luzes e muitos flashes: somente os democratas aceitam as divisões e a pluralidade.
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Olá, Pádua, é como sempre digo: Se a derrota de Serra é tragédia dele, sua vitória seria tragédia nossa (dele, inclusive). Foi uma eleição que eu esperava ser dura e desleal, mas não desse jeito, as coisas saíram mesmo do lugar. O discurso de admissão da derrota, para variar, mostrou que nem o banho das urnas foi suficiente para ele acordar do surto. Há quem diga que foi ruim para o Brasil a diminuição da oposição, mas eu sou obrigado a retrucar: Dessa oposição? Eu creio que não.
ResponderExcluirabraços
Houve diminuição da oposição? Em termos. O PSDB e o DEM retrocederam no plano federal, mas o PSDB manteve-se firme nos governos estaduais: na verdade, fortaleceu-se nesse âmbito. O DEM é que parece estar em processo de extinção. E não se deve desconsiderar o fogo, não amigo, mas aliado, vindo do PMDB - e até do PT.
ResponderExcluirAbraços, Pádua.