Ele, na postura típica de negação do direito à memória e à verdade, afirmou que era necessário seguir em frente e que tal questão não era motivo nem para se envergonhar nem para se vangloriar.
A presidenta Dilma Rousseff desautorizou-o depois. No entanto, ele ainda está no governo, bem como Nelson Jobim, que é parte da herança do PSDB que os governos petistas insistem firmemente em conservar.
O texto de Eric Nepomuceno, Ley discutible, palabras que avergüenzan, foi publicado no jornal argentino Página 12. Pode ser lido em português nesta ligação: http://www.cartacapital.com.br/politica/o-direito-a-memoria-uma-lei-discutivel-palavras-que-envergonham
Podem-se ler nele considerações sobre a questão vergonhosa e sobre a mais recente condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso relativo aos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, sobre que escrevi aqui.
Eric Nepomuceno chama de insólito (em espanhol, esdrúxulo na versão da Carta Capital) o argumento do ex-Ministro da Justiça de Lula, Tarso Genro, de que os agentes da repressão durante a ditadura militar teriam violado o próprio direito vigente à época.
O argumento não só é consequente como verdadeiro. Já falei sobre isso algumas vezes, neste Seminário na UFSC, por exemplo, e também em um seminário de pesquisa em que falei para poucas pessoas, em 2009, entre elas um único aluno graduando em Direito (eu tinha centenas de alunos nesse semestre, mas quase nenhum estudante).
Por sinal, esse desrespeito à própria legislação de exceção criada pela ditadura é um dos fatores que torna absurdo sustentar que tínhamos um "estado de direito" nessa época.
No trabalho de 2009, escrevi isto:
[...] boa parte das medidas repressivas não se coadunava nem mesmo com a própria legislação da ditadura, a começar pela Carta de 1969 e o próprio Ato Institucional n° 5, o qual suspendia os direitos políticos e o habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular, mas não autorizava os desaparecimentos forçados, as medidas de tortura e as execuções extra-judiciais, que eram inconstitucionais mesmo para os padrões da ordem jurídica ditatorial. Indubitavelmente, tais medidas contribuíram para alimentar a “cultura quase cínica em relação às leis” no Brasil. Como afirmava Seabra Fagundes, a própria ordem jurídica ditatorial, “ainda no seu mais drástico documento” (o AI-5), “desautoriza exorbitar da noção de segurança nacional para ferir, em nome desta, os direitos humanos” (1975, p. 12). Vivia-se, pois, segundo Goffredo da Silva Telles Jr., em um “regime de ilegalidade institucionalizada” (TELLES JR., 1983, p. 243).
Todavia, o papel do direito na institucionalização do regime não pode ser negado, porquanto o governo federal queria manter uma aparência democrática, seja sob o manto de uma “democracia forte”, ou “autoritária”, ou, na expressão de Miguel Reale sobre o governo Médici, uma “democracia social” (FERNANDES, 2006, p. 246). A formalização jurídica era necessária para tanto; ademais, havia entre os militares brasileiros o que pode ser chamado, na expressão de José Murilo de Carvalho, de “legalismo inercial das Forças Armadas” (CARVALHO, 2005, p. 121).
O trabalho inteiro, que faz referência a alguns documentos da polícia política, consultados no acervo do DEOPS/SP, pode ser lido aqui.
A presidenta Dilma Rousseff terá várias tarefas a cumprir no tocante aos desaparecidos: cumprir a sentença da Corte Interamericana é uma delas. Afinar o governo no tocante à questão é outra. Ainda é de esperar que ela não governe como Lula, que, com seu gênio político peculiar, usou as divisões do próprio governo para administrar a manutenção da impunidade.
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