A abertura do seminário está nesta ligação, bem como as primeiras palestras. As outras podem ser vistas nesta página.
Já me referi à palestra que dei no Seminário, organizado pelo PET do Direito da UFSC.
Acompanhei pouco o evento, pois tive que voltar a São Paulo. Assisti à longa fala de Vladimir Safatle, que apresentou o capítulo que escreveu no livro organizado com Edson Telles, O que resta da ditaura (no evento, repetiu a estranha afirmação do livro de que a ditadura militar aderiu a tratados contra a tortura). Os comentários do jurista Alexandre Morais da Rosa foram interessantes, bem como as questões do público.
Por sinal, achei muito bons os alunos da UFSC. Lembro agora das reações e das perguntas feitas a uma professora que explicou que os torturadores são velhinhos de pijama e que há mais de uma teoria da justiça (de fato, sobre qualquer coisa no mundo, há mais de uma teoria), razão pela qual não se poderia puni-los: deve-se apenas cobrar a verdade (e a verdade do Brasil é a impunidade? Um pensamento essencialista, pois).
Eu iria começar a minha palestra com o Zé Celso - um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos, e um dos poucos que, hoje, pensa o país - tratando do canhão fálico em O Rei da Vela (bélica invenção do diretor, não de Oswald de Andrade) e sua esdrúxula relação com a segurança nacional. O ensaio de Airton Seelaender sobre o apoio de Goffredo da Silva Telles Jr. ao golpe de 1964, apresentado logo antes de minha fala, fez-me iniciar de outra maneira, no entanto.
Retomei o Zé Celso depois de uma disgressão sobre outro autor, menos importante. E o diretor-dramaturgo-ator, curiosamente, era um tema também de Alexandre Nodari (com o mesmo canhão) e de Flávia Cera, que é uma original pesquisadora do tropicalismo. Falou depois deles Murilo. A mesa desses três amigos meus, com suas afinidades teóricas, foi bem montada. Alegra-me pensar que eles ainda não terminaram o doutorado e já são mais originais do que vários pesquisadores renomados...
Estive na mesa de um depoimento de um importante advogado nos anos de chumbo, Modesto da Silveira (sua vida profissional é impressionante: ele ajudou, por exemplo, Gabriela Silva Leite a criar a associação nacional de prostitutas, que mencionei aqui).
Ver Modesto da Silveira significa presenciar uma parte desta história do Brasil. Note-se também o discurso que Marcel Soares proferiu para introduzi-lo: ele recorda, para quem esqueceu, que a história continua a ser feita.
Há muito a fazer no campo da história. Por isso, é muito oportuna a publicação de Habeas Corpus: que se apresente o corpo, disponível nesta ligação. Trata-se de livro lançado em dezembro de 2010 pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Paulo Vannuchi, na introdução, aborda as desavenças dentro do Executivo e com o Executivo no tocante à criação de uma Comissão Nacional de Verdade e afirma o objetivo desta publicação:
O livro Habeas Corpus sistematiza e resume todas as informações que foi possível colher ao longo de décadas a respeito da possível localização dos restos mortais, muitas vezes com datas e dados contraditórios entre si. Se existir algum grande mérito nessa compilação, ele cabe inteiramente ao esforço heróico dos familiares das vítimas, ex-presos políticos e ativistas que resistiram a décadas de portas fechadas, descaso, omissões, ameaças e até morte, como foi o caso de Zuzu Angel. A esses lutadores e a essas lutadoras, mães, irmãs, filhas, parentes de todo tipo, que nunca desistiram dessa busca, esse livro deve ser dedicado.
Ele se oferece como um primeiro guia para leitura e discussão entre os parlamentares que decidirão sobre aprovar ou não a criação da Comissão Nacional da Verdade. E, mais ainda, como um roteiro inicial para os próprios integrantes dessa Comissão, caso o Legislativo brasileiro assim o decidir. (p. 5)
Seria um efeito político profícuo. Fábio Konder Comparato é citado nas páginas 23 e 24 por conta da inadmissibilidade da extensão dos efeitos da lei de anistia de 1979 aos "carrascos do regime militar". Anthony Pereira, na análise da permanência no Judiciário dos juízes que aderiram ao golpe militar, e no caráter "profundamente autoritário" da cultura judicial (p. 25).
A Operação Condor, este exemplo de cooperação sul-americana no Terror de Estado, recebe destaque. Falta o Brasil democrático aderir à cooperação na punição desse Terror. O livro explica as iniciativas, após a democratização, da Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai para realizar a justiça de transição.
Os casos de desaparecidos começam na página 57; ao longo do texto, desmontam-se farsas encenadas pelas autoridades da época, como Alfredo Buzaid (como a da página 78) e Romeu Tuma, recentemente canonizado pela imprensa brasileira após sua morte em outubro de 2010 (ver, por exemplo, a página 279). E recuperam-se histórias como a de Antônio Raymundo de Lucena (p. 307), ex-militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), que foi morto diante da esposa, Damaris Oliveira Lucena, e dos filhos. Ela e seu filho Ariston foram presos; ela acabou deixando o Brasil, exilando-se com os filhos no México e, depois, em Cuba.
Foi deferida a Damaris indenização segundo a lei 10559 de 2002. Os filhos foram anistiados em 2010. Porém, o corpo de Antônio nunca foi devolvido.
Esse corpo que se faz presente por meio de sua ausência é uma imagem exata da democracia brasileira.
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