O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sábado, 2 de abril de 2011

Desarquivando o Brasil III: Segurança nacional e batatinhas


Eu exibi e expliquei este documento (entre outros) do início da ditadura militar no Seminário Direito e Ditadura, organizado pelo PET da faculdade de Direito da UFSC, e em mais duas universidades que depois não me concederam certificado pela palestra (não sei se ofendi sensibilidades).
Ele está no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Trata-se do Pedido de Busca n. 554, de 4 de maio de 1964, do Conselho de Segurança Nacional. O Secretário-Geral do Conselho era Orlando Geisel. O Serviço Nacional de Informações e Contra-Informações, subordinado ao Conselho, informou que tinha “conhecimento” de que “Há perigo para o abastecimento face a redução das safras em São Paulo, ocasionadas pelas sêcas e geadas, especialmente de café, algodão, milho, feijão, amendoim, batatinhas, mandioca, cana de açucar, cebola, laranja e abacaxi.”; apesar desse conhecimento, indagou às autoridades estaduais se o fato era verdadeiro e poderia influir sobre a economia do Estado e do país.
O Pedido foi diretamente endereçado ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, General Aldévio Barbosa Lemos (hoje, em tempos mais democráticos, ele seria dirigido ao Governador do Estado), que o enviou ao DEOPS/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social). O Delegado Titular de Ordem Política de São Paulo respondeu ao Diretor do DEOPS/SP que não tinha dados sobre a safra de cereais.
Não se tratava de linguagem cifrada (a safra não era de subversivos), e sim de uma questão agrícola. Dessa forma, pediram-se informações à Secretaria de Agricultura, a que tinha mais subsídios para a questão.
Ressalte-se que não a preocupação do Conselho de Segurança Nacional não era com os direitos sociais e a fome, e sim com a segurança do novo governo federal.
Como um problema desse tipo poderia ter-se tornado objeto de segurança nacional? A data do ofício, 26 de maio de 1964, explicava: tratava-se do início da ditadura militar no Brasil que, ideologicamente, fundamentava-se na doutrina da segurança nacional.
Essa doutrina, de inspiração francesa e estadunidense, caracterizou-se teoricamente por seu caráter antiteórico, pois a segurança nacional era um conceito sem delimitação. Qualquer tema poderia dizer-lhe respeito. Ela assumia a forma de um conceito jurídico indeterminado e servia de instrumento supraconstitucional para a ditadura.
Gabriel Périès, em artigo "La doctrina militar contrainsurgente como fuente normativa de un poder de facto exterminador basado sobre la excepcionalidad", publicado no livro Terrorismo de Estado y genocidio en América Latina (Buenos Aires: Prometeo Libros; PNUD, 2009), organizado por Daniel Feierstein, refere-se a uma "dimensão hermenêutica da doutrina militar" na Argentina, que

Por un lado integra totalmente el funcionamiento del aparatus coercitivo normativo y práctico del "quehacer" operativo; pero fundamentalmente legitima las prácticas "vedadas", es decir, ilegales, por la experiencia profissional anterior, abriendo campo a una toma del poder socio-político de facto.

No Brasil, houve algo semelhante. Nesse quadro institucional, é curioso que alguns quisessem e queiram falar de democracia. Os cidadãos possuíam tantas garantias quanto as batatinhas.

4 comentários:

  1. Olá!

    Caramba! Daria até uma peça de teatro!Já imaginou, o delegado tendo de responder ao seu superior sobre... commodities? Orlando não seria o irmão do futuro presidente Geisel?Ele não chamava Ernesto, que nem o samba? (Mas não tinha tanta graça!)

    Quanto aos certificados, ele lhe foi negado? Não será desorganização, mesmo? Enviei um trabalho para um grupo de trabalho num Congresso, e ganhei certificado de participação sem nem ter posto o pé fora de casa!!!Hilário.

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  2. Olá, Cybelle; obrigado, já corrigi: eu estava muito entretido com a declaração do Médici sobre os irmãos Geisel terem se preparado a vida toda para a presidência - em razão dos vários cargos que eles tinham ocupado.
    Quanto aos certificados, creio que não foi desorganização, pois os responsáveis simplesmente ignoraram as minhas mensagens posteriores.

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  3. Hola Pádua, muito prazer, encontrei teu blog através das andanças online no blog da minha conterranea Niara, quem recentemente também achei na rede. Sou pesquisador de temas de Memoria Historica em Brasil e El Salvador e quero te parabenizar pela qualidade de informaçao que se encontra aqui no teu blog. Mantemos contato! grande abraço

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  4. Muito obrigado, vou visitar seus Dêiticos, que agora descubro (http://deiticos.blogspot.com/).

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