Vou falar neste dia trinta, em Porto Alegre, sobre alguns documentos que eram reservados ou secretos, guardados no acervo do DEOPS/SP, hoje no Arquivo Público do Estado de São Paulo, e no Arquivo Nacional. Eles retratam o isolacionismo contra o direito internacional dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil.
Um dos tópicos do meu trabalho refere-se ao Pacote de Abril de 1977, medida tomada durante o governo Geisel: como o Congresso Nacional rejeitou a reforma do Judiciário, que foi proposta sem restaurar o habeas corpus para os crimes políticos, o governo fechou-o (sei, porém, que há juristas do olvido que afirmam que o Poder legislativo podia negociar livremente com o Executivo nessa época) e impôs o Pacote de Abril. Aproveitou o ensejo para alterar casuisticamente o direito eleitoral de forma a distorcer a vontade popular (sei que há nostálgicos armados que propugnam que o período era democrático) que a ARENA mantivesse a maioria no Congresso.
O Ministro das Relações Exteriores, Antônio Azeredo da Silveira, na reunião do Conselho de Segurança Nacional em que o "Pacote" foi decidido, preocupou-se com a imagem internacional do Brasil:
Eu tenho impressão que o importante, para a opinião pública brasileira e também para a opinião pública internacional, é que se enfatize, justamente, a constitucionalidade dessas medidas. Eu creio que se deve também ter em conta a necessidade de neutralizar as ações externas. E, portanto, a ênfase na constitucionalidade e na legalidade é importante. Do mesmo modo, será importante, se possível, indicar que a fase de exceção, é uma fase transitória. Isso também tem sua importância no terreno internacional. [...] Nós não temos que explicar aos outros países aquilo que fazemos no âmbito interno. Mas aquilo que fizermos, evidentemente, no mundo em que vivemos, onde o Brasil já tem um peso muito específico, logicamente, terá reflexos no exterior.
Eu comento no trabalho:
A significativa e contraditória declaração mostra a frágil atitude defensiva do governo brasileiro: o assunto seria de “âmbito interno”, mas tem “reflexos no exterior”; as medidas são de “exceção”, porém seriam constitucionais e legais. A estratégia deceptiva a ser empregada na sociedade internacional seria de fazer crer que o fechamento do Congresso era medida própria de um Estado de Direito.A conjuntura política não é mais a mesma, porém isso não impede a verificação de continuidades. Esse isolacionismo permanece, como se viu na histérica reação do governo federal, da base aliada e da oposição (todos unidos contra o sistema interamericano e irmanados no desenvolvimentismo predatório) contra a medida cautelar tomada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para a suspensão do licenciamento de Belo Monte. No caso, além de normas da OEA e da ONU, o Estado brasileiro logrou violar também uma convenção da Organização Internacional do Trabalho. Eis a vigorosa inserção internacional do Brasil!
Geisel preocupou-se com a opinião internacional e afirmou que o recesso não deveria ser longo para que o Congresso não se sentisse punido, “[...] como também para evitar maiores repercussões, inclusive em outras áreas e nas áreas externas.”
Sérgio Danese elenca a má imagem externa do governo ditatorial brasileiro como um dos fatores negativos para a diplomacia presidencial de Castello Branco até Médici. Pode-se verificar a permanência dessa imagem durante o mandato de Geisel. Em março de 1977, a leitura, no Congresso dos EUA, de relatório sobre as violações dos direitos humanos no Brasil levou Geisel a denunciar o acordo militar com os EUA.
A preocupação com a opinião internacional foi uma das razões pelas quais não baixou um novo Ato Institucional, o que teria sido ilegal, mesmo segundo o Presidente: “Ora, se eu tenho um processo legal para resolver a questão, porque vou apelar para um processo ilegal.” A adesão cínica à legalidade é patente nessa reunião do Conselho, que aprovou unanimemente o fechamento do Congresso.
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