O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

quinta-feira, 14 de março de 2013

Desarquivando o Brasil LII: 40 anos após a morte de Alexandre Vannucchi Leme





Escrevo para dar notica das homenagens a Alexandre Vannucchi Leme, estudante de geologia da USP e militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), preso por agentes do DOI-CODI/SP em 16 de março de 1973 e assassinado, após torturas, no dia seguinte.
Como era usual, autoridades alegaram que o jovem de 22 anos se suicidara: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/pessoa.php?id=46&m=3 Decidiu-se, no entanto, pela versão de um suposto atropelamento, atestada pelos legistas Isaac Abramovitc e Orlando Brandão.
O inquérito para apurar a morte do estudante foi arquivado. Sob todos esses aspectos, o caso de Alexandre Vannucchi Leme é exemplar dos procedimentos da repressão política dessa época: a prisão ilegal, a tortura,  o assassinato encoberto por meio da certidão com razão falsa de óbito e do inquérito inconcluso. No Superior Tribunal Militar, apenas o general Rodrigo Octávio Jordão Ramos votou, em 1978, para que as apurações prosseguissem e foi vencido - o que era habitual na Justiça Militar.
O impacto público da morte, no entanto, foi notável: a faculdade de Geologia reagiu e outras unidades da USP também o fizeram. Dom Paulo Evaristo Arns celebrou a missa de sétimo dia na Catedral da Sé, a que aproximadamente três mil pessoas conseguiram ir, apesar das barreiras policiais - ir a uma missa poderia ser uma atividade subversiva...
Sergio Ricardo se apresentou na ocasião, e volta a fazê-lo hoje, no Centro Cultural São Paulo. Amanhã, ocorrerá a 68ª Caravana da Anistia, organizada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, para o reconhecimento oficial pelo Estado Brasileiro de Alexandre Vannucchi Leme como anistiado político, às 12 horas, no Instituto de Geociências da USP. Às 18 horas, D. Angélico Sândalo Bernardino celebrará missa na Catedral da Sé em memória de Vannucchi Leme.
Em 1976, quando o DCE da USP se reconstitiu, assumiu o nome do estudante: http://www.dceusp.org.br/dce/alexandre-vannucchi-leme/. Mais recentemente, no fim de 2012, a USP fez uma homenagem envergonhada a seus mortos pela repressão, o Monumento em Homenagem à Vítimas da Repressão Política Promovida pela Ditadura Militar (1964-1985), concluído durante as férias, sem inauguração ou discurso: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518287-apos-polemica-obra-e-entregue-sem-alarde. Aparentemente, a Reitoria continua sem muito entusiasmo pelo assunto.

Apesar de um certo mal-estar que os assuntos de justiça de transição e direito à memória e à verdade causam em boa parte dessa Universidade (e em outras instituições brasileiras), e também em razão desse mesmo sentimento, creio que a Comissão da Verdade da USP, em suas futuras atividades, deverá investigar documentos como o citado na informação secreta do DOPS/SP, de 18 de outubro de 1973, que pode ser lida ao lado. Ela se refere, inicialmente, à morte do comerciante Manoel Henrique de Oliveira por integrantes da ALN e, no contexto da investigação sobre essa organização, revela que Alexandre Vannucchi Leme "coordenava a elaboração de textos subversivos para publicação nos diversos jornais estudantís" [sic].




O documento encontra-se no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Nele, relata-se também que foram fechados, pela repressão policial, os periódicos Venceremos e Ação. No entanto, continuavam existindo publicações estudantis que "passaram a  divulgar mais fartamente, e de forma provocadora, assuntos estranhos à vida universitária", no que se incluíam os murais nas faculdades. Comenta-se, por fim, que a "subversão" buscava recuperar-se dos "reveses que sofreu com a perda de suas gráficas" por meio da "área estudantil, especificamente nos jornais", e que "sempre foi nesse meio que conseguiu alguma penetração e simpatia".
O que é de notar que uma das fontes de informação da polícia política foi o Gabinete do Reitor, com o encaminhamento n. 037/AESI/USP/73.
No desentranhamento e no exame da correspondência da Reitoria da USP com os órgãos da repressão política, está uma das principais tarefas da Comissão da Verdade da USP.



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