Com o que Carlos Fico chamou de "comunicado patético" (https://twitter.com/brasilrecente/status/317394150507044864), os presidentes dos Clubes Naval, Militar e de Aeronáutica divulgaram um manifesto, em 28 de março de 2013, com a data de 31 de março (certamente em alusão ao golpe de
1º
de abril de 1964), para criticar a Comissão Nacional da Verdade, cujos membros seriam "totalitários".
Ele
pode ser lido nesta ligação: http://www.defesanet.com.br/dita/noticia/10237/31-de-Marco----Nota-dos-Clubes-Militares
Qual é
a preocupação aparente desses militares da reserva? Que haja uma nova versão
dos fatos ocorridos durante a ditadura. Por essa razão, preocupado com a
investigação sobre os crimes cometidos pelos agentes do Estado, seus
colaboradores e financiadores, em fevereiro último, o presidente do clube de
Aeronáutica, o brigadeiro Ivan Frota, havia entregue a Cláudio Fontelles, da
CNV, documentos, principalmente o ORVIL, livro sobre as organizações
clandestinas de esquerda elaborado a partir das informações obtidas por meio da
tortura: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,militares-criticam-comissao-da-verdade-e-homenageiam-golpe-de-64,1014395,0.htm
O
próprio documento entregue, pois, depõe contra aqueles que o entregaram...
Esse
tipo de reação negacionista contra mecanismos de justiça de transição também ocorreu em outros lugares. No
Chile, o General Manuel Contreras Sepúlveda entregou documentos à Justiça, com um manifesto,
de 12 de maio de 2005, "Introducción a la entrega de documentos que
demuestran las verdaderas responsabilidades de las instituciones de la defensa
nacional en la lucha contra el terrorismo en Chile", que li na Biblioteca
de Nanterre (e pode ser baixado aqui: http://www.latinamericanstudies.org/chile/contreras-2005.pdf). Ele dirigiu a DINA (Direção da Inteligência
Nacional), uma das peças fundamentais da repressão política e do terror de
Estado durante a ditadura de Pinochet.
Contreras já havia sido condenado pelo assassinato do oposicionista Orlando Letelier nos EUA, e sofreria nova pena neste processo: http://www.latinamericanstudies.org/operation-condor.htm
O
curioso documento admite o desaparecimento de vários oposicionistas (e deixa clara a resposabilidade de Pinochet, que tentava jogar toda a culpa sobre seu subordinado), mas quer demonstrar que a esquerda inventava acusações contra a
DINA, Contreras e o ditador Em seu insistente negacionismo, chega a afirmar que o Chile havia sido o "único país no mundo" a derrotar o "terrorismo" com um "mínimo de baixas humanas":
[...] nuestra Patria ha sido el único País en el mundo que ha derrotado al terrorismo con un minimo de bajas humanas, en relación a la criminalidad y violencia con la cual esta especie violentista ha demonstrado producir a lo largo de su accionar en tantos lugares del planeta.
A afirmação
negacionista, que minimiza a violência da repressão chilena, é acompanhada da
defesa da negação dos direitos humanos pela repressão política: "vincular
a luta contra o terrorismo aos direitos humanos" seria um "grave erro
de incalculáveis consequências".
Nesse ponto, como também ocorreu no Brasil (o script da doutrina de segurança nacional apresentava semelhanças nos dois paises), a direita armada associa os direitos humanos ao marxismo, pois permitiria que os marxistas fossem considerados "vítimas":
Vincular la lucha contra el terrorismo com los DD.HH. es un grave error de incalculables consecuencias. Este peligroso error queda palmariamente demostrado por cuanto los DD.HH., como concepto universal, fue apropriado por los marxistas y tuvo como principal escenario de aplicación y desarollo a nuestro País, traduciéndose em que los terroristas fueran considerados “las víctimas” y, los Militares que derrotaron al terrorismo en Chile fueran catalogados como “victimarios”.
Nesse ponto, Contreras acaba por admitir o caráter criminoso do regime de Pinochet na violação institucionalizada dos direitos humanos pelos órgãos de repressão. Entende-se, portanto, que Contreras lamente a democratização; com ela, "Queda
la impresión que la Historia, en este caso, ha variado trágicamente su rumbo". Felizmente, o curso da história virou... É o mesmo lamento daqueles militares da reserva brasileiros, com a significativa diferença de que estes não foram condenados nem processados.
Já que
esses militares estão preocupados com a CNV (julgando-a mais efetiva do que boa parte dos militantes de esquerda), poderiam, quem sabe, colaborar com
ela procurando, por exemplo, descobrir o que o tenente-coronel Sergio Arredondo,
encarregado da DINA no Brasil, oficialmente adido militar, fazia neste país. Ele participou da Caravana da Morte em 1973 (http://epoca.globo.com/edic/20010129/mundo1a.htm).
Teria ele entrado em contato com os
torturadores brasileiros que estiveram presentes no Chile desde o início da
ditadura de Pinochet? Qual foi seu papel na cooperação entre as duas ditaduras
no âmbito da Operação Condor? Ele teria participado do possível assassinato de Juscelino Kubitscheck, como já se suspeitou: http://www2.uol.com.br/JC/_2001/2703/po2703_11.htm?
P.S.: Esta nota integra a VII Blogagem Coletiva #DesarquivandoBR, cuja chamada pode ser lida nesta ligação: http://desarquivandobr.wordpress.com/2013/03/24/vii-blogagem-coletiva-desarquivandobr/
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