O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

quinta-feira, 7 de março de 2013

Uma nota sobre Vitor Silva Tavares e prêmios literários

Em Portugal, a Revista LER e os consultores editoriais Booktailors conferem um prêmio ao mundo da edição, com algumas categorias. No fim do mês passado, um dos galardoados foi Vitor Silva Tavares por sua "Especial Carreira".
Esse editor é visceralmente oposto a esse tipo de celebrações e autocelebrações do mercado. É possível que muitos dos brasileiros que leem este blogue não o saibam. Vejam nesta entrevista, que fiz com Fabio Weintraub, o seu caráter indomado e sua fama de pertencer a uma "família devassa" na cultura portuguesa:  http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/oxigenios-anarquicos-entrevista-com.html Nesta ligação, pode-se ouvi-lo com sua verve peculiar: http://editoraetc.blogspot.com.br/p/videos-e-outras-coisas.html
É comum ler sobre premiações que são esdrúxulas em razão da falta de qualidade do homenageado, ou porque foram concedidas antes de todos os originais chegarem, foram escolhidos pelo orientando ou pelo cônjuge do vencedor e um longo etc. Tais resultados, e não propriamente acidentes, do sistema literário ocorrem também na Academia Brasileira de Letras, como lembra Denise Bottmann (http://naogostodeplagio.blogspot.com.br/2010/07/premio-abl-de-traducao-2010.html), que chamou a atenção para o caso do autor do verso inesquecível "se tirar nota zero, eu furo o céu": http://naogostodeplagio.blogspot.com.br/2011/06/ainda-as-famigeradas-traducoes-de.html.
Hipótese bem diferente é a que decorre do caráter antioficializante do premiado. Não apenas o artista rejeita o prêmio, mas sua obra também o faz. Lembro da crítica que Satie fez a Ravel, segundo conta o recentemente falecido J. Jota de Moraes, em Música da modernidade: Origens da música do nosso tempo: "Ravel recusa a Legião de Honra, mas toda sua obra aceita-a."
Palavras até simpáticas, considerando que se trata de um compositor falando de outro... Em favor de Ravel, um músico maior do que Satie, lembremos que ele tentou ganhar o Prêmio de Roma e fracassou todas as vezes, ao contrário de Debussy. Mas não moralizemos a questão: o prêmio pode não ser um fracasso da arte, e sim uma capitulação do establishment.
Os prêmios têm antiga origem: lembremos dos que eram concedidos, em Atenas, às melhores peças, escolhidas por um júri de cidadãos; Sófocles foi distinguido mais de vinte vezes, a primeira com 28 anos, competindo com o já consagrado Ésquilo.
Uma vez que muitos teóricos sofrem do fetiche da origem, devemos lembrar que, apesar disso, os prêmios não estão umbilicalmente ligados à democracia ou à cidadania. Historicamente, eles foram sendo recriados e apropriados de formas muito diferentes, inclusive para cooptar artistas. O prêmio dado pelo governo do Estado de São Paulo a obras de ficção, de somas consideráveis, parece-me um exemplo disso. Seria interessante que um governo que age abertamente contra a educação fosse boicotado por escritores. A última novidade oficial desse Estado, a supressão de matérias, deve servir para "resolver" a crescente escassez de professores: http://revistaforum.com.br/spressosp/2013/02/governo-estadual-altera-curriculo-do-ensino-fundamental/).
Seria didático que os escritores, em geral, percebessem que o aniquilamento da educação, no Brasil já realizado em grande escala, prejudica não só a cidadania (e o direito à literatura), como os interesses específicos deles mesmos, pois normalmente gostam de ser lidos, e isso é inviável (exceto para os best-sellers que somente são tragáveis por quem não entende o que lê) em uma população cuja ampla maioria é de iletrados ou de analfabetos funcionais.
Sobre boicote a prêmios: há, decerto, artistas com um caráter tão anti-institucional que são esquecidos ou subestimados pelos júris (Portugal preferiu a lira católica à poesia de Fernando Pessoa) ou que, se premiados, rejeitam a distinção. Sartre foi um exemplo famoso por ter recusado o Nobel de Literatura em 1964 - o escritor, ele afirmou, deve recusar institucionalizar-se. O filósofo, porém, fez a ressalva de que o teria aceito, caso tivesse sido concedido à época da luta da Argélia pela independência, para "honrar a liberdade pela qual lutávamos": http://www.live2times.com/1964-sartre-refuse-le-prix-nobel-e--10588/
Enfim, tudo depende do contexto. No tocante a Vitor Silva Tavares, o editor apropriadamente escreveu uma nota zombeteira no blogue da & etc, ressaltando que foi escolhido "à revelia": http://editoraetc.blogspot.com.br/2013/03/premios.html
Há prêmios e prêmios. Creio, porém, que, a longo prazo, são sempre os artistas que os honram, e não o oposto. Ou alguém dirá que Thomas Mann é superior a Kafka e Proust porque estes não ganharam o Nobel?
Entendo, no entanto, que aqueles que se consideram escritores porque prezam a "política" (politicagem é mais apropriado) literária, e não a literatura, prefiram os prêmios ao livro que jamais escreverão. Sabem qual é o valor a que podem chegar.

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