O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O assassinato de Hamlet e a poesia contemporânea argentina


Em julho deste ano, comprei a antologia 200 Años de Poesía Argentina, que ainda não acabei de ler. Em outubro, recebi outra, muito diversa em seu escopo, Si Hamlet duda le daremos morte: Antología de poesía selvaje (City Bell: De la talita dorada, 2010). Esta se volta apenas para o contemporâneos que nasceram a partir do fim dos anos 1960, geração que não está presente no outro livro.
Essa geração merece uma antologia? Não tenho dúvida que sim, ao lê-la. As antologias de jovens muitas vezes cumprem a função de manifesto, de intervenção, como foi, no Brasil, a 26 poetas hoje (mas não sua repetição dos anos 90, pela mesma antologista, que teve o gosto de farsa, apesar do mérito de alguns dos nomes escolhidos).
A introdução/panfleto dos organizadores, Julián Axat e Juan Aiub (que não foram oficialmente incluídos na antologia), insiste na “Potencia descanonizada del decir.” e na morte do pai subjugador político-poético-canônico-editorial. Porém, se Hamlet não deve duvidar, é para poder vingar o seu pai. Para esses autores que eram crianças na última ditadura militar argentina, trata-se de vingar a morte do pai pela repressão, o que leva tantos à poesia política. No prefácio, Emiliano Bustos (filho do poeta Miguel Ángel Bustos, um desaparecido pela ditadura), ele mesmo incluído entre os poetas do livro, bem escreve que “Para muchos de estos poetas la política, por ejemplo, ya no es un paisaje.”
Provavelmente a política nunca foi paisagem para muitos deles. Julio Greco, por exemplo, publica neste livro um panfletário “guerra”, mas também este, intitulado simplesmente “historia”: “el amasijo la duda la policía la carne la pasta el auto la democracia la guerra hacen de éste un hombre muerto y el pozo que habita es oscuro profundo el pozo suave que lo alimenta día a día com su piel húmeda de barro [...]” (p. 95). O poeta e pintor Leandro D. Barret escreve uma “Gelmaniana”: “no sabés/ cómo vende/ el permitido prohibido prohibir” (p. 102); Ramón D. Tarruella: “Un día hubo un ESTADO,/ un Estado tan grande,/ que ese mismo Estado/ financió las obras completas de Nietszche.” [sic] (p. 150); em Rodrigo Zubiría lê-se:“Caminando río abajo, recorre mi flauta fantasma de la nueva poesía latinoamericana pensada como la última ratio de los bien-pensantes.” (p. 233).
Temos poesia social na fina ironia de Alejandra Szir, uma crítica ao viés europeizante da sociedade argentina: “Nosotros que construimos Suecia/ usamos madera/ quizás de bosques./ […] veíamos Bergman desde los cinco años.” (p. 24). A ironia de Eliana Drajer: “Escuchar 17 veces a Vivaldi/ y abrir sigilosamente el gas.” (p. 45).
Os problemas de escrever poesia hoje na América Latina não são ignorados pelos autores. Lemos em Enrique Schmukler “El tormento de ser/ “escritor latinoamericano joven”/ tormento de ser uma repetida/ antología rogada por/ los chicos que se largaron a escribir/ en los noventa;” (p. 59); em Inés Aprea “y si la poesía no era/ otra cosa/ que el gesto adolescente/ de abandonarlo todo/ como Rimbaud/ como Bolaño/ lanzarse a los caminos” (p. 76); em Emiliano Bustos: “Los perros publicadores, mitad veraniegos, mitad 'yo leo en público como los cadáveres leen en privado'; publicaron tanto.” (p. 181)
O livro oferece também a densidade psicológica de Dafne Pidemunt: “El consuelo de escribir. Mi madre se emborracha. Una y otra vez la asesino. Muerta, resucitada, continúa suicidándose.” (p. 35); a desconstrução de gêneros de María Eugenia López: “Mi affair con Jessica Rabbit me enseñó a desear una muerte perfecta. Algún accidente de auto precipitado por la Mulholland Drive y dando de fauces en Sunset Boulevard, mi cara hacia atrás, como quien acaba de tener un orgasmo [...]” (p. 119).
Trata-se de uma geração que pode lembrar que “por lo demás poesía siempre amó con sus esfínteres” (Demetrio Iramain, p. 212).
Alguns poemas são panfletários, outros excessivamente decalcados de outros poetas (especialmente os de língua inglesa), e outros simplesmente não são poemas. No entanto, a antologia arde bravamente:

arder es comprender la ceniza

arde el río
y la casa del río

(Emmanuel Taub, “VI. incendio. p. 230)

Nenhum comentário:

Postar um comentário