O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Lançamento: "Cidadão do mundo" de Tucci Carneiro


Como é sabido, Maria Luiza Tucci Carneiro é um dos maiores historiadores brasileiros. Eu o sabia pelos livros, até que a conheci e pude verificar na prática a sua imensa capacidade de trabalho: atualmente coordena o PROIN (Projeto Integrado Universidade de São Paulo/ Arquivo Público do Estado de São Paulo) e continua com suas linhas de pesquisa e a orientação de diversos pesquisadores.
Ela é um dos principais nomes que estudam o antissemitismo no Brasil. Na sua tese O anti-semitismo na Era Vargas (na ortografia antiga), publicada pela Brasiliense, desmistificou a figura de Oswaldo Aranha, homenageado em Israel por seu empenho na criação do Estado israelense pela ONU. Durante o governo Vargas, no entanto, o Ministro impôs o cumprimento de circulares secretas que limitavam, entre outros grupos, a entrada de judeus no Brasil - e estávamos em época de guerra e genocídio na Europa.
Poucos diplomatas brasileiros reagiram às normas secretas - Souza Dantas foi uma exceção.
Em sua dissertação de mestrado, Preconceito racial em Portugal e Brasil Colônia, publicada pela Perspectiva, os tempos são outros: os do Império Português e do Brasil Colônia. Épocas de leis de pureza de sangue e de perseguições e discriminação contra os judeus e os cristãos-novos, bem como outras pessoas consideradas de "menos qualidade", como os mulatos.
Outra de suas obras dedicadas à memória política brasileira, que organizou com Boris Kossoy, A imprensa confiscada pelo DEOPS: 1924-1954 foi publicada pela Ateliê, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e pelo Arquivo Público do Estado. O livro dedica-se à imprensa política confiscada, censurada nesse período. Em geral, são jornais de combate, de várias ideologias: comunistas, anarquistas, judaicos, de imigrantes etc. Trata-se, pois da reconstituição de espaços de resistência que o Estado republicano buscou amordaçar.
O livro novo, Cidadão do mundo: O Brasil diante do Holocausto e do nazifascismo, que acabou de ser lançado no Brasil e o será proximamente em Portugal, conforme o convite reproduzido acima, trata da questão do antissemitismo no Brasil e sua continuidade após o fim do Estado Novo.
Esses livros foram baseados em pesquisa em fontes primárias no Brasil e em Portugal, como no Arquivo da Torre do Tombo. O que nos faz lembrar da necessidade de acesso aos documentos para que seja eficaz o direito á memória.
Tucci conta-nos na introdução de sua tese uma das restrições que sofreu à pesquisa. Ela já havia começado a consulta dos documentos no Arquivo Histórico do Itamarati quando, em 1984, nova direção impôs que somente a documentação ostensiva poderia ser liberada para consulta. O resultado?
[...]dois funcionários, sem qualquer formação acadêmica, selecionaram quais os documentos ostensivos e quais os confidenciais. Em seguida, as páginas proibidas foram cobertas por uma folha de papel almaço, onde um clipe prendia no seu interior o documento. E assim lacrou-se uma parte da história... (p. 22)
As autoridades sabiam o que faziam, naturalmente. E continuam a fazê-lo, como se viu recentemente no Arquivo Nacional. A articulação de memória e publicidade é necessária para uma resistência eficaz. Por esse motivo, o trabalho do historiador é essencialmente político, ele trabalha com a ressignificação do que é comum.

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