O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

quinta-feira, 8 de março de 2012

Desarquivando o Brasil XXV: Ruth Escobar e o Comitê Brasileiro pela Anistia


Ruth Escobar (Porto, 1936), além de todos os méritos artísticos, teve um papel importante na luta pela volta dos exilados durante a ditadura militar. Nesta nota, trato apenas desse momento, e não de seus mandatos na política partidária, que foram um pouco posteriores.
No seu teatro, na Rua dos Ingleses, faziam-se reuniões do Comitê Brasileiro pela Anistia. No acervo do DEOPS/SP, que hoje está aqui no Arquivo Público do Estado de São Paulo, há diversos relatórios de espiões que assistiam aos trabalhos. Em certo relatório de 29 de abril de 1979, o agente anota que os Comitês tinham como atribuições:

1 Divulgar toda prisão e quaisquer arbitrariedades que viessem a ocorrer nos diversos setores da população;
2 Divulgar o número e a condição dos presos políticos no Brasil;
3 Promover Assistência Jurídica às pessoas presas e familiares de presos políticos;
4 Promover amparo material e financeiro aos familiares dos presos políticos


Havia uma preocupação com a resistência contra o projeto do Executivo de lei de anistia, que acabou sendo imposto pelo governo. Nesse mesmo relatório, vejam, na página que escolhi, como Ruth Escobar é descrita como responsável pela criação do Comitê Brasileiro, depois de manter contatos com vários movimentos congêneres no estrangeiro e com a Anistia Internacional, bem como com exilados e banidos brasileiros (incluindo Prestes, Arraes e Brizola).

RUTH ESCOBAR, veio orientada pela Esquerda Internacional, a criar no Brasil um COMITÊ BRASILEIRO PELA ANISTIA, que perseguissem os objetivos das congêneres em outros países, exercendo crescente pressão sobre o Governo para forçá-lo a conceder "ABERTURAS POLÍTICAS", como primeira "deixa" para entrarem em cena, seguindo-se após, intensa mobilização, utilizando-se de todos os artifícios possíveis, tentando sempre colocar em "xeque" a autoridade do regime, e inevitavelmente, o primeiro passo a ser dado seria a libertação de todos os "presos políticos", a Anistia para os banidos e exilados a devolução dos direitos dos cassados, e da liberdade para, retornando ao país poderem atuar - como sempre o fizeram em outras épocas - mas agora sob a legalidade, abertamente, sem os temores da clandestinidade.

O uso da expressão "entrar em cena" pelo agente foi uma boa escolha, eis que se tratava de um teatro e de uma atriz a congregar familiares e advogados de presos políticos e exilados naquelas reuniões.
O uso das aspas pelos espiões merece um estudo à parte: como, oficialmente, o regime era democrático, a expressão presos políticos deveria vir entre aspas. A Anistia, tal como o movimento a reivindicava, era considerada como perigosa, pois abriria as portas para a legalização da contestação do regime, isto é, à subversão.
De fato, o projeto oficial do governo, como já escrevi, não previa uma anistia ampla, e bem representava a lentidão calculada da abertura política.
Ruth Escobar teve em 2000 diagnosticado o mal de Alzheimer. Ela não poderá ler esta nota, mas segue esta pequena homenagem no Dia Internacional da Mulher.

4 comentários:

  1. Olá:
    Ruth não poderá ler este documento,é verdade, mas lembro-me dela,num evento,no seu teatro,dicursando inflamada, e sendo interrompida por palmas quando disse algo sobre o Falcão(o então Ministro Armando Falcão,da Justiça) que ameaçava a liberdade,ou algo assim.
    Cybelle

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  2. Olá, Cybelle.
    De fato, Falcão ameaçava-nos, o que não o impediu de continuar a carreira política após a ditadura. Quanto a Escobar, ontem mesmo eu estava vendo a ficha dela, que era mais longa do que a de Gianfrancesco Guarnieri...
    Abraços, Pádua

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  3. Interessante que o texto diz que "...Ruth veio orientada pela Esquerda Internacional...", como se ela fosse um alienígena manipulado desde outro sistema solar.

    Cybelle

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  4. Sim, eles chamavam de MCI (Movimento Comunista Internacional), que, de fato, pregava outro sistema.
    Abraços, Pádua

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