O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

quarta-feira, 21 de março de 2012

Kelsen, crimes de guerra e justiça de transição


O seminário começou na segunda-feira, mas não consegui escrever antes. O professor Carlos Eduardo Boucault convidou o professor Matthias Jesteadt, que organizou a reedição da primeira edição da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, para dar um curso na Unesp. Paralelamente, organizou este evento sobre Kelsen, para tratar de outros aspectos da extensa obra desse jurista.
O seminário conta com os professores brasileiros Eduardo Saad Diniz, Andityas Soares de Moura Costa Matos e Plínio Toledo.
Falarei também, sobre os crimes de guerra na visão de Kelsen, que era, entre outras especialidades, um internacionalista. Uma questão jurídica muito importante nos anos 1940 foi a do julgamento dos crimes da II Guerra Mundial. Legalmente, esse julgamento teria fundamento, apesar da retroatividade de suas normas, que puniam condutas para as quais não haviam sido anteriormente estabelecidas as penas? Kelsen respondeu que a proibição da retroatividade das leis não se aplicava a esse caso. Cito artigo de 1943, "Collective and Individual Responsibility in International Law with Particular Regard to the Punishment of War Criminals":

O princípio proibindo a edição de normas com força retroativa não deixa de ter muitas exceções. Sua base é a ideia moral de que não é justo fazer um indivíduo responsável por um ato se ele, quando o praticava, não sabia e não poderia saber que seu ato constituía um erro. Se, no entanto, o ato era no momento de sua prática moralmente errado, embora não legalmente, uma lei atribuindo ex post facto uma sanção para o ato é retroativa apenas do ponto de vista legal, não do moral. Uma lei como essa não é contrária à ideia moral que está na base do princípio em questão. Isso é particularmente verdadeiro para um tratado internacional pelo qual os indivíduos foram responsabilizados por terem violado, na sua função de órgãos de um Estado, o direito internacional. Moralmente eles eram responsáveis pela violação do direito internacional no momento em que praticavam os atos que constituíam um erro não apenas de um ponto de vista moral, mas também do legal. O tratado apenas transforma sua responsabilidade moral em legal. O princípio proibindo ex post facto leis é - com toda razão - inaplicável a tal tratado.

Faço notar que o argumento é aplicável a objeções de retroatividade (quando não alegações de "revanchismo") sobre certos casos de responsabilização e punição, com base no direito internacional, de agentes da repressão política, no âmbito da justiça de transição.
Por sinal, falta realizar essa justiça no Brasil.

2 comentários:

  1. Vinícius Reis Barbosa23 de março de 2012 às 20:01

    Prof. Pádua, sua fala sobre Kelsen e os crimes de guerra foi brilhante, parabéns. Um forte abraço desde a UNESP/Franca.

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  2. Muito obrigado. Pena que não pude ouvir as conferências dos professores Eduardo Saad Diniz (que foi incansável no evento) e Plínio Toledo, tampouco a abertura feita pelo professor Boucault.

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