O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Desarquivando o Brasil XXIII: Wilson Silva, Ana Rosa Kucinski e o negacionismo

Este blogue participa da Quarta Blogagem Coletiva do #desarquivandoBR, organizada pela jornalista Niara de Oliveira. Vi que o jurista e professor Murilo Duarte Costa Corrêa também aderiu.
Já escrevi sobre o problema do negacionismo no tocante à ditadura militar (que começa em não a considerar uma "ditadura", e sim um simples "regime", ou, quem sabe, para os que seguem Miguel Reale, uma "democracia social"...). Esse negacionismo perpassa os três Poderes e a sociedade civil. Preciso escrever muito mais ainda, em nome do direito à memória e à verdade.
Nesta nota, vou-me limitar a lembrar da morte do casal Wilson Silva e Ana Rosa Kucinski Silva (irmã de Bernardo Kucinski), ambos militantes da Aliança Libertadora Nacional (ALN), desaparecidos em 22 de abril de 1974, quando iriam almoçar juntos perto da Praça da República em São Paulo.

Aconselho a ler sobre o caso no livro Direito à verdade e à memória, disponível gratuitamente na internet e organizado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. A morte do casal é contada a partir da página 380. Provavelmente, foram mortos em Petrópolis e esquartejados, segundo contou o ex-sargento Marival Dias Chaves de Castro à revista Veja de 18 de novembro de 1992.
No documento ao lado, temos uma Informação do Ministério do Exército que descobri no Arquivo Público do Estado de São Paulo, pode-se ler como o governo procurava negar esses assassinatos. Tendo constatado que o Voz Operária, do PCB, havia denunciado o caso, entre outros, o Ministério do Exército difundiu na comunidade de informações que denúncias que tais bem podiam ser uma estratégia da subversão. Segundo a fantasia oficial, os desaparecidos estariam simplesmente escondendo-se em outras paragens:

Este fato vem mostrar que há subversivos cujos desaparecimentos são imputados aos Órgãos de Segurança, os quais permanecem vivos, na clandestinidade. Pode-se supor que seja um despistamento para motivar o registro do desaparecimento e assim diminuir ou cessar a busca dos citados.
Sugere-se ao CIE, que difunda aos demais Órgãos de Informações que as constantes acusações de desaparecimento de pessoas, pode bem ser encarado como manobra do inimigo, visando não só a diminuição das buscas como também a acusação aos Órgãos de Segurança como responsáveis pelos "desaparecimentos" de pessoas procuradas.

Os erros de concordância e de pontuação estão no original. CIE era o Centro de Informações do Exército, que compunha o sistema de informaçoes.
O deboche é impressionante. A Informação é um exemplo de como é necessário ler criticamente todos os documentos históricos - eles tentam docuemntar uma versão, neste caso, a versão que interessava à propaganda de que não havia tortura nem execuções extrajudiciais no Brasil.
Lembro que o governo brasileiro negou à OEA, durante o governo de Geisel, que tivesse alguma responsabilidade no desaparecimento do casal. Os ingênuos não pensem que é somente desde Dilma Rousseff e Belo Monte que o governo brasileiro viola e mente para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O atual governo federal apenas dá continuidade a essa tradição...
Para terminar, sugiro que leiam a homenagem a Ana Rosa Kucinski na página da Associação Atlética Acadêmica que leva seu nome, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, onde ela estudou.

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