Recebi e divulgo o cartaz da campanha Cumpra-se. Aconselho a visita ao sítio eletrônico deste movimento "Pelo cumprimento integral da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil". Trata-se de uma iniciativa da sociedade civil que conta, entre outras adesões, com a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e o CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional).
Não é inútil recordar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que o Judiciário brasileiro, com sua tradicional incompatibilidade com a realidade social, já chegou a negar que tivesse sido prolatada.
O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em razão dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia; a sentença, de 24 de novembro de 2010, previu, entre outros elementos, o fim da impunidade dos responsáveis pelos desaparecimentos forçados (cito sem as notas de rodapé):
256. No Capítulo VIII da presente Sentença, a Corte declarou a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em virtude da falta de investigação, julgamento e eventual sanção dos responsáveis pelos fatos do presente caso. Tomando em consideração o anteriormente exposto, bem como sua jurisprudência, este Tribunal dispõe que o Estado deve conduzir eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei disponha. Essa obrigação deve ser cumprida em um prazo razoável, considerando os critérios determinados para investigações nesse tipo de caso, inter alia:
a) iniciar as investigações pertinentes com relação aos fatos do presente caso, levando em conta o padrão de violações de direitos humanos existente na época, a fim de que o processo e as investigações pertinentes sejam conduzidos de acordo com a complexidade desses fatos e com o contexto em que ocorreram, evitando omissões no recolhimento da prova e no seguimento de linhas lógicas de investigação;
b) determinar os autores materiais e intelectuais do desaparecimento forçado das vítimas e da execução extrajudicial. Ademais, por se tratar de violações graves de direitos humanos, e considerando a natureza dos fatos e o caráter continuado ou permanente do desaparecimento forçado, o Estado não poderá aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores, bem como nenhuma outra disposição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se dessa obrigação, nos termos dos parágrafos 171 a 179 desta Sentencia, e
c) garantir que: i) as autoridades competentes realizem, ex officio, as investigações correspondentes, e que, para esse efeito, tenham a seu alcance e utilizem todos os recursos logísticos e científicos necessários para recolher e processar as provas e, em particular, estejam facultadas para o acesso à documentação e informação pertinentes, para investigar os fatos denunciados e conduzir, com presteza, as ações e investigações essenciais para esclarecer o que ocorreu à pessoa morta e aos desaparecidos do presente caso; ii) as pessoas que participem da investigação, entre elas, os familiares das vítimas, as testemunhas e os operadores de justiça, disponham das devidas garantias de segurança, e iii) as autoridades se abstenham de realizar atos que impliquem obstrução do andamento do processo investigativo.
257. Especificamente, o Estado deve garantir que as causas penais que tenham origem nos fatos do presente caso, contra supostos responsáveis que sejam ou tenham sido funcionários militares, sejam examinadas na jurisdição ordinária, e não no foro militar. Finalmente, a Corte considera que, com base em sua jurisprudência, o Estado deve assegurar o pleno acesso e capacidade de ação dos familiares das vítimas em todas as etapas da investigação e do julgamento dos responsáveis, de acordo com a lei interna e as normas da Convenção Americana. Além disso, os resultados dos respectivos processos deverão ser publicamente divulgados, para que a sociedade brasileira conheça os fatos objeto do presente caso, bem como aqueles que por eles são responsáveis.
A previsão da criação da Comissão da Verdade pela lei federal n. 12528 (bem como da lei de acesso a informações) deu-se, em parte, para o cumprimento dessa sentença, que coerentemente combina as exigências do direito à memória e à verdade com o fim da impunidade (como se sabe, o Supremo Tribunal Federal e alguns professores de direito querem que o direito à memória seja algo apenas lírico e não leve a sanção alguma). O inconsistente e seletivo compromisso do governo de Dilma Rousseff com os direitos humanos já se manifesta na tentativa de estrangulamento financeiro da OEA pelo governo brasileiro, o qual continua em violação aberta a seus compromissos internacionais.
Já escrevi que "Lula, que, com seu gênio político peculiar, usou as divisões do próprio governo para administrar a manutenção da impunidade" no tocante aos crimes da ditadura militar. Rousseff parece ser diferente por não ter o excepcional gênio político de seu antecessor e padrinho político. A negação do direito internacional, até agora, parece mais óbvia e declarada.
Abaixo, transcrevo o panfleto da campanha Cumpra-se.
CUMPRA-SE
Cumpra-se o quê? Cumpra-se a lei.
Todo cidadão brasileiro é obrigado a cumprir a lei.
E o Estado brasileiro, é obrigado a cumprir a lei ou pode ficar fora da lei?
Pois é esse escândalo que está acontecendo agora. Em 1982 – faz portanto 29 anos – 22 duas famílias de presos políticos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia entraram com uma ação na área civil simplesmente para saber o paradeiro de seus filhos e, caso estivessem mortos, onde estavam seus restos mortais e explicações do Estado brasileiro sobre como morreram.
Em 2003 a Justiça brasileira expediu uma sentença final na qual condenava o Estado a abrir os arquivos das Forças Armadas para informar, em 120 dias, o local do sepultamento desses militantes. Porém o governo do Presidente Lula recorreu contra a Justiça, visando não cumprir a lei, apresentando todos os recursos possíveis. Em 2007 esgotaram-se os recursos legais, houve a condenação e desde então o Estado brasileiro está fora da lei.
Por causa da demora que hoje já chega a 29 anos, os familiares dos militantes desaparecidos recorreram, desde 1995, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que avaliando que o processo não andava no Brasil, encaminhou o caso para a Corte Interamericana. A Corte condenou o Brasil , em 24 de novembro do ano passado, a cumprir a sentença brasileira de 2003 e a abrir os arquivos militares de modo a que seja possível localizar os restos mortais desses desaparecidos.
Além disso, a sentença da Corte do ano passado diz claramente que a Lei de Anistia de 1979, quando impede que os torturadores e assassinos da ditadura sejam julgados, está em contradição com a jurisdição internacional de direitos humanos.
E o Estado brasileiro continua a não cumprir a lei. Nem a sentença de 2007, transitada em julgado, isto é, sentença final da Justiça brasileira, nem a sentença do ano passado da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Alegam que esta sentença é uma intromissão na soberania do Estado brasileiro. Mas esquecem que foi o próprio Estado brasileiro que assinou a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 1992, que foi sancionada pelo Congresso Nacional em 1998, reconhecendo “como obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos”.
Se o Estado brasileiro não cumpre a lei, que autoridade moral tem para pedir aos brasileiros que a cumpram?
Campanha CUMPRA-SE
14 de dezembro de 2011
P.S.: Niara de Oliveira está coordenando, para o próximo dia 14 de dezembro, uma blogagem coletiva pela revisão da lei de anistia.
Esse negócio é inacreditável. E triste lembrar que Lula recorreu. Triste lembrar que Dilma, que conhece essa história tão de perto, não faz nada sobre isso.
ResponderExcluirMas ela faz, porém contra. A não ser que a Comissão da Verdade apure, de fato, o que ocorreu.
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