Retomando a campanha Desarquivando o Brasil, que Niara de Oliveira está a coordenar, faço mais uma nota sobre o assunto.
Escrevi sobre o projeto de lei para abertura dos arquivos e o acesso à informação. Agora, dedico-me a um documento do Arquivo Público do Estado de São Paulo, que guarda o acervo DEOPS/SP (Departamento Estadual de Orientação Política e Social que, em algumas épocas, foi chamado de DOPS - Delegacia de Ordem Política e Social).
No acervo, encontram-se vários relatórios dos agentes do DEOPS/SP, que acompanhavam as organizações e movimentos da sociedade civil (e também órgãos públicos). Quase nenhum foi assinado, para proteger o sigilo dos agentes.
A OAB era uma dessas instituições que interessavam à ditadura. Em 31 de outubro de 1970, foi aprontado este relatório sobre a IV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados (Documento 50-Z-0-12504), que ocorreu em São Paulo de 26 a 30 de outubro de 1970.
Era o governo Médici. A OAB não havia ainda se engajado na oposição ao regime autoritário. Na abertura da Conferência, além do prefeito Paulo Maluf, apareceram juristas "militantes" do regime: Alfredo Buzaid, Ministro da Justiça, Hely Lopes Meirelles, Secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Miguel Reale.
O agente anota sobre os discursos da abertura: "eram despidos de qualquer interesse político, a não ser na sua acepção pura." Sim, a oposição é que é impura...
Porém, no dia 29, quando houve "concessão da palavra aos oradores inscritos", ocorreu o dissenso:
Nesse ponto, observou-se a manifestação de elementos, particularmente liderados pelo advogado Heleno Fragoso (criminalista conhecido e renomado), do Estado da Guanabara, que vinha pressionando o plenário no sentido de se manifestar a favor do envio de moção ao Presidente da República e ao Congresso, para que houvesse o retorno ao estado de direito no país, com a restauração ampla e plena do instituto do "Habeas Corpus". O referido advogado se dizia portador de manifesto com assinaturas de advogados de outros Estados. Após alguma polêmica, foi aprovada Moção nesse sentido. Entretanto, aquele advogado retira-se, viajando para seu Estado de origem, alegando alguns, que por motivos particulares, outros, que em sinal de protesto.
O peculiar jargão policial revela-se no uso da palavra "elemento". A manifestação de Fragoso fazia todo sentido, e pasma hoje que tenha causado polêmica. O AI 5 havia acabado com o habeas corpus para crimes políticos, cerceando duramente o direito de defesa.
Não por acaso, Heleno Fragoso foi preso no mês seguinte à Conferência, novembro de 1970. Também o foram outros advogados comprometidos com a resistência à ditadura, George Tavares e Augusto Sussekind de Moraes Rego. Fragoso ainda foi afastado da docência de direito penal na Faculdade Nacional de Direito (hoje, uma das unidades da UFRJ).
Sobre o tema, aconselho este livro, Os advogados e a Ditadura de 1964, organizado por Fernando Sá, Oswaldo Munteal e Paulo Emílio Matos Martins, publicado pela Vozes e pela PUC-Rio. O capítulo sobre Fragoso, porém, não usa como fontes os documentos dos órgãos da repressão (na verdade, nenhuma parte do livro o faz), e não menciona como a atuação do advogado vinha sendo acompanhada pela ditadura.
Ainda resta muito a pesquisar, e faltam muitos documentos para serem revelados - esse é o sentido desta Campanha.
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