O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

sábado, 26 de março de 2011

Pimenta, poços e ONU: "Reality Show ou a Alegoria das Cavernas"

A realidade, com sua inventividade definitivamente esgotada, volta a imitar Alberto Pimenta? Muitos devem lembrar que, além de Paul Virilio, no parecer que produziu para Nova Iorque sobre o World Trade Center, Alberto Pimenta também previu os atentados que os EUA sofreram em 2001.
A ignorância em literatura portuguesa, comum naquele país (quem não lembra da reação apatetada no New York Times com o Nobel dado a Saramago?), foi um dos fatores da vulnerabilidade estadunidense:

sonhei
que um fogo vindo do céu
devastava a América.

o homem sonha.
se deus quiser
a obra nasce.


Esse poema pós-sebastianista e anti-imperialista, publicado originalmente em As moscas de pégaso (Lisboa: &etc, 1998), escolhi-o (com outros momentos geniais de presciência poética) para a antologia A encomenda do silêncio, por enquanto a única lançada no Brasil, organizada para a Odradek Editorial.
Os poetas possuem antenas ou são os legisladores ocultos da realidade? Não sei. Teria que perguntar a algum deles, e esperar que não fingissem. Mas fingirão o que deveras são.

Eis que chega às minhas mãos, de Portugal, novo livro de Alberto Pimenta, Reality show ou a alegoria das cavernas, que veio com o disco Degrau, em que poemas de Pimenta foram musicados por Alexandre Augusto, Pedro Soares e João Alves. Canta Ana Deus. Aqui, pode-se ouvir Diz nada.
A realidade, dessa vez, resolveu logo imitar Alberto Pimenta; tão logo ele escreveu e publicou poema sobre a guerra pelo "poço" autorizada pela ONU, o Conselho de Segurança, para não ser ultrapassado tão descaradamente pelo poeta português, aprovou a intervenção na Líbia.
Apenas alguns trechos desta realidade-mais-do-que-a-realidade:

irromperam no local
fazendo-se desta vez acompanhar
da autorização das nações-unidas
e por isso se calhar tinham demorado tanto
e vinham
com grande número de cães
treinados no achamento de
poços de petróleo
pois era isso
que o seu comando supôs
poder haver ali
esquecendo-se de que a água
está invisivelmente presente
em todo lado

[...]

havia cada vez mais inimigos
sem rosto
o solo semeado de braços e pernas
ou dizendo com mais exactidão
juncado
porque ainda não
tinham sido enterrados
não havia tempo para tudo
primeiro tratar dos vivos
com dois disparos certeiros
na cabeça
esta manobra de tantos corpos
em movimento de confronto total

[...]

e então fui eu
com o meu comando
quem fez surgir do chão
no lugar do poço
uma torre
o início de uma nova civilização
lembrando que
ao longo da história da humanidade
cavernas tocas grutas
depois os aglomerados
começam e acabam
pelo que os une a todos
o esgoto
e é à sua volta
que a urbanização cresce e prospera

[...]

depois tive de proceder
à desinfecção dos parasitas
que velozmente se instalaram
e propagaram e ameaçavam dizimar
tudo o que fosse vida humana
o meu método foi radical
adiantei-me a eles
e matei eu a raiz do mal
a própria população

há quem ache que isto
foi mero desperdício de estruturas de base
a tarefa poderia perfeitamente ficar
a cargo dos parasitas

E mais maldades contra Platão e o imperialismo. A editora tem um blogue ainda sem mensagem alguma: http://mia-soave.blogspot.com/. O e-mail é miasoave@gmail.com.

Um comentário:

  1. Ao conhecer seu espaço e gostei muito! bastante educativo, seleto e diversificado. Parabéns. A educação é a base do ser humano para sua vida em sociedade e para uma vida feliz. Também sou educador e vejo que nossa base holística é o caminho mais ameno a seguir, repleto de aprendizados diários em rumo a uma qualidade de vida equilibrada.
    Obs: Me tornei seu seguidor.
    Prof. José Carlos
    http://projetosead.blogspot.com/

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