Depois de mais de dez anos dando aula, em geral a única ignorância que me surpreende é a minha; a dos alunos é, em geral, muito mais previsível (o inverso também vale: surpreendo-me muito mais com achados interessantes deles do que os meus, até porque os meus são poucos). Porém, na semana passada, levantei as sobrancelhas quando, depois que me referi a livro de Bruno Amaro Lacerda e Mônica Sette Lopes, Imagens da Justiça, que resenhei, um aluno ficou muito intrigado com a ideia de que problemas de direito poderiam ser tema de composições musicais!
Sem levar em consideração a ignorância musical do aluno (problema generalizado para quem só ouve música industrializada), pensei (eu, que gosto de levar música para a sala de aula) que o problema era mais profundo, o de não perceber que o direito faz parte dos elementos de uma cultura e, portanto, não se manifesta apenas nos autos. Trata-se da questão antropológica das sensibilidades jurídicas. É muito constrangedor para um aluno de direito não ter consciência disso - e, no entanto, essa grave deficiência é comum. Enfim, eu é que estava ignorante dessa quase "mutilação" cognitiva.
O ensino pseudotecnicista do direito, generalizado no Brasil (afinal, os bacharéis, em sua esmagadora maioria, formam-se incapazes de exercer a advocacia), gera uma cegueira grave também nesse aspecto. E a cegueira antropológica tolhe as inovações na técnica jurídica, evidentemente, pois a imaginação jurídica exige uma sensibilidade cultural aguçada. Não acredito em criação no direito desvinculada da sociedade e da cultura. Não se cria norma jurídica em tubo de ensaio.
Outra questão é a da criação artística - não defendo que se pise na garganta do canto (usando a expressão de Maiakóvski) em nome de uma ideologia. Prefiro algo mais complexo, como o que faz o jurista e poeta Julián Axat, membro da HIJOS, que já entrevistei aqui e alhures; ele não instrumentaliza a literatura em prol de determinado ideal político, e sim gera tensões e interfaces entre arte e política extremamente criativas.
O Ministério Público Federal brasileiro está a fazer a aposta certa neste Ciclo. E tem o mérito de não incluir apenas filmes brasileiros: assim como a onda de ditaduras foi continental, e os governos militares condoreiramente colaboraram entre si, é preciso ver os esforços para a justiça de transição no âmbito da América Latina - e também colaborar com essas redes internacionais.
25/08/11 – MPF exibe em São Paulo e Brasília filmes sobre ditaduras latinoamericanas
Ciclo de filmes Cine Memória e Verdade será exibido simultaneamente nas duas unidades do MPF na Capital e na PGR em 2 de setembro
Durante o próximo dia 2 de setembro, na Procuradoria Geral da República, em Brasília, e nas duas unidades do MPF na Capital de São Paulo (Procuradoria da República e Procuradoria Regional da República) será exibido o ciclo de filmes Cine Memória e Verdade, projeto desenvolvido pelo Grupo de Trabalho Direito à Memória e Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.
O objetivo do evento é, por meio de um dia de mobilização nacional, sensibilizar servidores e membros do MPF e todos os demais interessados para o tema da Memória e Verdade. Outras unidades do MPF pelo país também devem exibir os filmes*. O MPF está engajado em fazer a sua parte para que o Estado brasileiro cumpra a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes/Lund (Guerrilha do Araguaia), de novembro de 2010.
A sentença condena o Brasil a uma série de ações com caráter imediato, visando à localização dos corpos ainda desaparecidos, à abertura de arquivos, assim como reparações às famílias das vítimas. Também exige do Estado tanto medidas judiciais efetivas para a responsabilização individual pelos crimes cometidos, como outras de caráter mais geral objetivando o resgate da Verdade Histórica sobre os fatos ocorridos.
O ciclo de filmes antecede uma iniciativa da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, que realizarão, em conjunto com o Ministério da Justiça e o Centro Internacional para a Justiça de Transição (ICTJ), o I Workshop Internacional sobre Justiça de Transição, voltado para Procuradores da República, nos próximos dias 12 e 13 de setembro, em Brasília.
Antes de cada filme (a programação será idêntica em todas as unidades que exibirem o ciclo) será exibido o curta “Anistia 30 Anos” produzido pela Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça.
Segundo a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Carvalho, a exibição de filmes que retratam situações vivenciadas nesse momento histórico da República brasileira tem por objetivo chamar à reflexão os agentes públicos para que episódios como esses jamais voltem a ocorrer. O Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Aparecido Dias, ressaltou que “é extremamente importante que busquemos incansavelmente a verdade sobre o nosso passado para que, no futuro, não sejam cometidos os mesmos erros".
O Cine Memória e Verdade é uma iniciativa do Grupo de Trabalho Memória e Verdade da PFDC e é uma realização conjunta da PFDC e unidades do MPF. O evento tem apoio da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP).
* Além da PGR, PR-SP e PRR-3, já confirmaram que exibirão os filmes as Procuradorias Regionais da República da 1ª Região (Brasília), 2ª Região (Rio de Janeiro) e 5ª Região (Recife) e as Procuradorias da República nos estados do AP, CE, ES, GO, PA, PR, RJ, SC e SE.
PROGRAMAÇÃO - CINE MEMÓRIA E VERDADE
Programação - Procuradoria da República em São Paulo:
2 de setembro de 2011
11h - Sônia Morta e Viva
Documentário. Brasil. 1985. Direção: Sérgio Waisman. Duração: 45 min.
Trajetória da militante revolucionária Sônia Moraes Angel Jones.
13h - A História Oficial (La Historia Oficial)
Drama. Argentina. 1985. Direção:Luis Puenzo.
Elenco: Norma Aleandro, Héctor Alterio, Chunchuna Villafañe, Hugo Arana e Guillermo Battaglia
A História Oficial foi um dos dois filmes produzidos na América Latina a receber o Oscar de melhor filme estrangeiro (o outro foi O Segredo de Seus Olhos, em 2010). O filme conta a história de uma professora da classe média argentina que descobre que a criança que adotou pode ser filha de presos políticos da ditadura militar (1976-1983).
15h - Vala Comum
Brasil, 1994. Direção: João Godoy. Documentário. 30 minutos.
A partir de uma vala comum clandestina encontrada no Cemitério de Perus na cidade de São Paulo, um passado mantido oculto emerge para exumar uma parte da história recente do país.
17h - Que Bom te Ver Viva
Brasil, 1989. Direção: Lucia Murat. Parte documentário, parte ficção. 100 minutos.
Mistura os delírios e fantasias de uma personagem anônima, interpretada pela atriz Irene Ravache, alinhavando os depoimentos verídicos de oito ex-presas políticas brasileiras que viveram situações de tortura.
INGRESSOS GRÁTIS - Na Procuradoria da República em São Paulo (rua Peixoto Gomide, 768), os ingressos destinados ao público externo serão distribuídos uma hora antes de cada sessão, na recepção da unidade, ao lado do auditório, onde será exibido o filme.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Estado de S. Paulo
Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira
11-3269-5068
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