A Associação Paulista de Magistrados havia publicado nota em defesa da juíza Loureiro, defendida no dia 22 também pelo desembargador Capez (irmão do deputado federal Capez do PSDB). A nota é curiosa:
O cuidado, a estratégia e o zelo da ação visavam mitigar a possibilidade de violência e prejuízos às pessoas e foram coordenados pela magistrada estadual Márcia Loureiro Faria Mathey Loureiro, que inclusive se encontra sob proteção especial em razão das diversas ameaças recebidas por sua atuação destemida nesse caso. Infelizmente, todo o esforço foi desperdiçado com a decisão açodada e de competência no mínimo duvidosa da Magistrada Federal, que trouxe a reboque enormes prejuízos materiais. O pior, no entanto, foram os danos de difícil mensuração, como a perda da credibilidade nas instituições e o recrudescimento da violência na região.
Trata-se da liminar dada pela Justiça Federal, que acabou sendo ignorada pela Justiça estadual. Os magistrados paulistas, parece-me, realizaram nessa nota uma avaliação completamente equivocada da situação. A violência não só não foi mitigada removendo os moradores (o oposto, que eles permanecessem ao menos durante as negociações com os governos estadual e federal, é que faria sentido!), como ela partiu da polícia, e não da população, ao contrário do que parecia supor tal Associação de Magistrados. Ainda não sei quantos mortos foram vítimas dessa última operação da polícia militar de São Paulo.
Li, no twitter de Ophir Cavalcante, que Ministro Ari Parglender, exemplo da vocação republicana do Judiciário brasileiro, decidiu neste domingo monocraticamente pela competência da Justiça estadual, mas ainda não li em que termos. De qualquer forma, quando se lembra que o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a condenação do Ubiratan do Carandiru, sabemos que é essa Corte a quem tem mais experiência no Brasil com violência policial e extermínio.
Sugiro que se leia sobre a situação no blogue Solidariedade à Ocupação Pinheirinho.
A União poderia intervir no assunto? Decerto, tendo em vista que é competência comum dela, dos Estados, Municípios e Distrito Federal, segundo o artigo 23 da Constituição da República:
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de margnizalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
Mas ela não agiu no domingo em que a comunidade foi invadida. Eduardo Sterzi (nas fotos, com o cartaz: São Paulo é uma ditadura. Nós somos a resistência; Veronica Stigger também lá estava com Resiste, Pinheirinho) soltou no twitter a sugestão, depois da notícia de que a Polícia Militar de São Paulo tinha invadido dia 22, de madrugada, a comunidade de Pinheirinho em São José dos Campos, de que se fizesse, ainda nesse dia, um ato de solidariedade no MASP às 17 horas. Solicitou que alguém que tivesse facebook fizesse uma página para o evento, e Fabio Weintraub (Estado terrorista, tragédia à vista) a criou: http://t.co/30jRTFb5 Já passava das 14 horas.
Felizmente, partidos de esquerda viram uma chance de capitalizar o evento e ajudaram a organizá-lo. Nas fotos que tirei, podem-se ver bandeiras do PSTU, do PSOL, até o PCdoB estava lá (se se tratasse de manifestação em prol dos índios ou das florestas, é claro que esse partido não estaria). Identifiquei dois políticos do PT, o deputado estadual Adriano Diogo e o senador Eduardo Suplicy, que fotografei. Além de membros dos partidos, havia pessoas da Conlutas, do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, da academia.
Nos discursos, ouvi acusações aos governos tucanos de São José dos Campos (o prefeito Eduardo Cury) e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Mas a omissão do governo federal pareceu-me gritante.
Seguindo o previsto, a concentração ocorreu no MASP. Depois das 18 horas, sob leve chuva, começou uma passeata até o prédio do Tribunal Regional Federal, que é próximo. Todas as pistas da Paulista no sentido Consolação foram fechadas pelo movimento - uma das fotos mostra a avenida vazia, efeito da caminhada. Depois das 19:40, as falas continuavam, com a avenida sempre ocupada, e fui embora.
De positivo, está a insistência na moradia como direito, o que leva a caracterizar aquela posse como "ocupação" (ato que leva ao cumprimento da função social da propriedade), e não como "invasão".
Lucidamente, em um dos cartazes se vinculou a operação policial de destruição de Pinheirinho à invasão da USP e às bombas e tiros na Cracolândia. Fernando Haddad, que foi ministro da educação nos governos de Lula e ainda de Rousseff, chegou a declarar, em 2011, contra a invasão da USP, que essa Universidade não era a Cracolândia. A declaração é absurda: na lógica da militarização das políticas públicas (Kassab, por exemplo, entregou quase todas as subprefeituras aos coroneis da PM) e da caracterização do cidadão como inimigo, todo lugar no Estado de São Paulo é a Cracolândia; as garantias republicanas ou valem para todos, ou para ninguém. Mesmo os privilegiados podem sofrer (afinal, há sempre dissensões entre as elites) quando o direito é pisoteado pelo arbítrio. E é o que tem ocorrido em massa no Brasil, provam-no, experimentam-no na carne os índios em Belo Monte. Agora, os haitianos também descobrem o que significa um Brasil com ares de potência.
Com essa democracia, de fato, nenhum militar, nenhum banqueiro precisará exigir a volta da ditadura. Esta democracia sem justiça de transição (sem justiça, tout court) cumpre eficientemente a missão de tornar desnecessária a nostalgia fetichista das botas e das fardas.
Pádua,
ResponderExcluirSobre as questões jurídicas e políticas no caso, e os argumentos apresentados pelo magistrado Rodrigo Capez, valem as seguintes ressalvas:
STJ Súmula nº 150 - 07/02/1996 - DJ 13.02.1996
Competência - Interesse Jurídico - União, Autarquias ou Empresas Públicas
Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.
Isto é, se a Justiça Federal decidiu, inclusive em segundo grau, pelo interesse da União e sua conseqüente competência, ainda que em sede preliminar, não se institui uma “quebra-de-braço” entre a justiça federal e a justiça estadual, a primeira torna-se competente.
Este é o conteúdo da súmula, para fins de se evitar fatos como aqueles acontecidos ontem.
Do que incide o artigo 109, I, da CF e a competência se torna da Justiça Federal.
Outro ponto a observar é a L. 9.469/97 que institui a denominada intervenção anômala da União em processos que tramitem em outras justiças que não especializadas. Como a regra a lei trata de pessoas jurídicas de direito público, mas a intervenção direta da União em processo em trâmite na justiça estadual ainda é um ponto problemático no STJ, conforme Ag.Rg. Na Pet. 4861/AL.
A análise de qualificada doutrina, defende que a interpretação do denominado interesse da União é ampla, não carecendo ser interesse jurídico. O que mais uma vez corrobora para a legitimidade do ente federal e o deslocamento da competência.
De qualquer modo, isso apenas indica a falta de técnica da decisão da justiça estadual, sobretudo pela sua forma apressada e em descompasso com os bens protegidos pela CF/88, destacadamente, dignidade da pessoa humana e a função social da posse.
Não acredito em insensibilidade do judiciário paulista, isto é posição política mesmo.
Ab.
Samuel Martins.
Obrigado, Samuel. Faço minhas suas palavras: "Não acredito em insensibilidade do judiciário paulista, isto é posição política mesmo." E não é mesmo?
ResponderExcluirAbraços,
Pádua