30 dias de canções
Dia 6: Uma canção que faz você querer dançar
Dia 12: Uma canção da infância
Dia 12: Uma canção da infância
"Bum bum paticumbum prugurundum", de Beto sem Braço e Aluísio Machado. Trata-se do samba-enredo da Escola de Samba Império Serrano em 1982, do Rio de Janeiro, que ficou em primeiro lugar naquele ano. Desde 1972 essa Escola de Madureira não vencia o carnaval.
Eu era criança nessa época, e até hoje me lembro da letra desse samba, por isso o escolhi para os dias 6 e 12 do desafio (talvez tivesse escolhido outra para o dia 12, mas seu compositor já apareceu aqui, e decidi não repetir autores).
Aqui estão as cifras da música: http://meucavaquinho.blogspot.com.br/2012/01/cifra-bum-bum-paticumbum-prugurundum.html
Beto Sem Braço morreu em 1993. O arquivo mp3 da música pode ser baixado do portal do outro compositor deste samba, Aluísio Machado, que continua em plena atividade: http://aluisiomachado.com.br/index.swf
Pode-se também ver a filmagem da TVE na época, que documenta o impacto desse samba no público; o jornalista notou que todos na arquibancada já o cantavam antes de o Império Romano sair para o desfile. Ele foi considerado bem superior ao samba-enredo das outras escolas e alavancou a vitória: https://www.youtube.com/watch?v=6SRuMPLVqc8
O samba passeia pela história do carnaval no Rio de Janeiro. Ele evoca o berço do samba na cidade; "Ó Praça Onze/ Tu és imortal"; mas o ápice do carnaval teria vindo depois: "Na Candelária construiu seu apogeu". Como é comum nesse tipo de carnaval, não há nenhuma crítica às reformas urbanas da ditadura de Vargas, que destruíram a Praça Onze.
No começo, o samba se dirige à Marquês de Sapucaí, saudando o público, porém deixando implícito que, para a escola de samba, estaríamos então em uma fase menos notável do carnaval, o que é explicado mais adiante.
Depois da descrição das fantasias, das alegorias, da menção a Iemanjá, faz-se uma invocação retórica ao amor para brincar o carnaval (a parte menos interessante da letra). Na estrofe seguinte, a letra volta à linha anterior, criticando enfim as "superescolas de samba S/A": suas "superalegorias" escondem a "gente bamba", o que era uma "covardia".
O alvo eram os desfiles espetaculares, com muito luxo, em desafio à Beija-Flor, que havia se marcado por esse estilo.
Foi essa crítica o que mais empolgou o público? Não tenho ideia, embora lembre da polêmica. Penso que a força da onomatopeia do titulo e do refrão da música devem ter sido ainda mais determinantes para o sucesso do samba. Como se sabe, não é nada incomum que músicas com onomatopeias e/ou exclamações tornem-se grandes sucessos populares, se a melodia ou a forma de cantá-la é suficiente para sugerir a ideia ou o clima desejados. Vejam-se os sucessos comerciais com interjeições de caráter erótico.
Neste caso, trata-se outra coisa: a onomatopeia é longa e não é simples (há até hoje quem erre em alguma das sílabas, como "praticumbum").
Cito a explicação do próprio Aluísio Machado, referida no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (que escreve o nome do compositor com "z"):
O próprio compositor declarou a José Carlos Rego, Helena Theodoro e Lygia Santos, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro: "Esse termo foi usado pelo Ismael Silva para explicar a sonoridade da batucada. O Sérgio Cabral teve a sensibilidade de registrá-lo no livro "As Escolas de Samba" e a carnavalesca Rosa Magalhães ousou batizar o nome do enredo com ele. O nome original do samba era "Candelária, Praça XV e Marquês de 'Sapecaí' ". Não era um samba fácil, a onomatopeia era complicada e, ainda assim, fez o maior sucesso".
A carnavalesca Rosa Magalhães (que, depois, venceu vários carnavais) teve, de fato, uma grande ideia. Ismael Silva definiu com essa onomatopeia uma nova batida, que permitia que os blocos sambassem na rua.
Trata-se de evento, digamos, da infância do samba, e que acabou por levar ao nascimento das escolas de samba, nome, por sinal, reivindicado por Ismael Silva, em alusão irônica à Escola Normal - vejam este especial da TV Cultura com o compositor.
O samba de Beto sem Braço e Aluísio Machado tem como centro, portanto, o próprio coração do ritmo, sua vitalidade cardíaca. Não é de estranhar que empolgasse tanto os passos e as vozes, e que, de forma coerente, pudesse criticar o predomínio dos elementos visuais no desfile das escolas de samba.
Se compararmos com outro tipo de grande espetáculo com música e encenação, a ópera, veremos que ela caiu, na maior parte do mundo, em algo parecido: predominam os diretores cênicos (os carnavalescos líricos) sobre os outros profissionais, especialmente nos teatros que praticamente só se encenam obras de músicos mortos (o que é a regra nos cenotáfios brasileiros do tipo Teatros Municipais). Atualmente, um diretor cênico pode decidir cortar parte da música e o maestro, antes encarregado dessas questões musicais, ter que se afastar por esse motivo (aconteceu em 2014 em Viena)...
Esse fenômeno ocorre, em tais gêneros, quando os compositores estão fracos, seja em termos de poder, seja de inspiração. Os sambas-enredo no Rio de Janeiro também estiveram em crise, pelo menos até recentemente. Não sei se a ópera, no entanto, tem hoje algum compositor tão bom quanto Martinho da Vila.
Nota: Neste ano, torcerei para a Imperatriz Leopoldinense, que tocou fundo em um dos maiores crimes já cometidos neste país (praticamente um consórcio de delitos), criticando o modelo racista de desenvolvimentismo neste forte samba: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/13/politica/1484343086_484320.html
Se compararmos com outro tipo de grande espetáculo com música e encenação, a ópera, veremos que ela caiu, na maior parte do mundo, em algo parecido: predominam os diretores cênicos (os carnavalescos líricos) sobre os outros profissionais, especialmente nos teatros que praticamente só se encenam obras de músicos mortos (o que é a regra nos cenotáfios brasileiros do tipo Teatros Municipais). Atualmente, um diretor cênico pode decidir cortar parte da música e o maestro, antes encarregado dessas questões musicais, ter que se afastar por esse motivo (aconteceu em 2014 em Viena)...
Esse fenômeno ocorre, em tais gêneros, quando os compositores estão fracos, seja em termos de poder, seja de inspiração. Os sambas-enredo no Rio de Janeiro também estiveram em crise, pelo menos até recentemente. Não sei se a ópera, no entanto, tem hoje algum compositor tão bom quanto Martinho da Vila.
Nota: Neste ano, torcerei para a Imperatriz Leopoldinense, que tocou fundo em um dos maiores crimes já cometidos neste país (praticamente um consórcio de delitos), criticando o modelo racista de desenvolvimentismo neste forte samba: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/13/politica/1484343086_484320.html
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