30 dias de canções
Dia 17: Uma canção em dueto
"Voulez ouyr les cris de Paris" ou, simplesmente, "Les cris de Paris" [Os gritos de Paris], de Clément Janequin, publicada em 1528, uma das mais famosas canções polifônicas da renascença francesa.
Eu não tinha ideia do que escolher para esta categoria. Tantos duetos conehcidos são, na verdade, discursos monológicos divididos entre um cantor e outro. Às vezes, como geralmente ocorre em canções de amor, simplesmente um cantor repete o que o outro já fez, ou cantam em uníssono, ou cantam em terças o tempo todo, o que é tedioso.
Cheguei a pensar em dueto entre voz e instrumento, o que faz todo sentido em nível musical, mas me acusariam de desprezar o elemento literário da canção...
Até que me veio a ideia do dueto, na verdade, do diálogo como estrutura, e pensei que tinha que ir para a polifonia. Na polifonia, em vez do esquema de melodia principal e acompanhamento, o diálogo entre vozes diferentes está na própria estrutura da música.
Entendendo metaforicamente o dueto como diálogo, e o diálogo como procedimento musical, eu deveria ir para a canção polifônica, e a canção polifônica francesa na Renascença é cheia de exemplos divertidos. Ouçam-na com o Ensemble Clément Janequin. Achei apenas a primeira gravação que este grupo (na época, Dominique Visse cantava, mas não o dirigia) fez dessa canção: https://www.youtube.com/watch?v=FiPhbS_ZlRk.
Eu não tinha ideia do que escolher para esta categoria. Tantos duetos conehcidos são, na verdade, discursos monológicos divididos entre um cantor e outro. Às vezes, como geralmente ocorre em canções de amor, simplesmente um cantor repete o que o outro já fez, ou cantam em uníssono, ou cantam em terças o tempo todo, o que é tedioso.
Cheguei a pensar em dueto entre voz e instrumento, o que faz todo sentido em nível musical, mas me acusariam de desprezar o elemento literário da canção...
Até que me veio a ideia do dueto, na verdade, do diálogo como estrutura, e pensei que tinha que ir para a polifonia. Na polifonia, em vez do esquema de melodia principal e acompanhamento, o diálogo entre vozes diferentes está na própria estrutura da música.
Entendendo metaforicamente o dueto como diálogo, e o diálogo como procedimento musical, eu deveria ir para a canção polifônica, e a canção polifônica francesa na Renascença é cheia de exemplos divertidos. Ouçam-na com o Ensemble Clément Janequin. Achei apenas a primeira gravação que este grupo (na época, Dominique Visse cantava, mas não o dirigia) fez dessa canção: https://www.youtube.com/watch?v=FiPhbS_ZlRk.
A segunda está no disco "L'écrit du cri", um trocadilho que, literalmente, significa a escrita do grito, incluindo Janequin e compositores contemporâneos. Embora muito interessantes, nenhum deles supera o grande músico renascentista.
"Vocês querem ouvir os gritos de Paris?", perguntam os cantores; ofertas de vinhos, queijos, peixes, um cliente responde que falta dinheiro, outro diz que quer o leite porque está com frio... Com esses diálogos e anúncios, temos, enfim, toda uma cena urbana revivida em nossos ouvidos.
A canção incorpora os gritos dos vendedores de rua; esses anúncios eram regulamentados pelas diferentes corporações, isto é, eles seguiam regras estabelecidas. Os padrões de uma sociedade dividida em estamentos e corporações existiam também para o grito, que era um código, um estatuto e uma arte. Mesmo hoje, podem-se ouvir curiosos gritos para venda em Paris.
Essa paisagem sonora foi tema e material da música. Com a canção recuperando os gritos dos vendedores (não podemos mais saber o quanto há de reprodução e o quanto de invenção nos gritos que Janequin fixou; de qualquer forma, a genial enunciação polifônica é dele), temos um exemplo de diálogo do músico com as ruas, e um procedimento que a poesia no Brasil começou a adotar mais sistematicamente nos anos 1990, com os "arranjos" para vozes de rua na poesia de Alberto Pucheu, como apontei nesta resenha, http://media.wix.com/ugd/91ec05_bcb91091a37e4fdfb897a9e0fcbe4eb7.pd, em que recuperei este trecho que Pucheu não recolheu em livro: "Uma das coisas que mais me provocam é experimentar o quanto de “não-poético”, de cotidiano, de ordinário, a poesia consegue suportar. Talvez se lembrem de “na cidade aberta no 3” e de “Poema para a maior audiência do país”. O primeiro, com vozes de vendedores ambulantes que circulavam no trem e com o aviso de seus destino e horário de partida. O outro, uma disposição de frases que foram ditas no programa do Ratinho por diversas pessoas".
Também vendedores ambulantes... No fim do século XX, ou no início do século XVI, eles fazem parte da paisagem sonora urbana.
Janequin, na última linha , ainda diz, para quem quer ouvir mais desse cotidiano: "Se vocês querem ouvir mais deles, vão então procurá-los!", e o diálogo com o ouvinte termina com uma exortação para ir às ruas da cidade. Este é o caráter social da música dessa época.
Janequin, na última linha , ainda diz, para quem quer ouvir mais desse cotidiano: "Se vocês querem ouvir mais deles, vão então procurá-los!", e o diálogo com o ouvinte termina com uma exortação para ir às ruas da cidade. Este é o caráter social da música dessa época.
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