Em 31 de março, ocorrerá a primeira parte do ato "Onde estão os desaparecidos políticos? Estado de exceção ontem e hoje" na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), às 9:30h. A questão é uma das grandes pendências da justiça de transição no país. O Estado brasileiro deixou de cumprir decisões de seu próprio Judiciário e da Corte Interamericana de Direitos Humanos que determinavam a localização e a identificação dos mortos e desaparecidos políticos.
No primeiro de abril, a manifestação acontecerá às 16:00h, em frente ao antigo DOI-Codi de São Paulo, na rua Tutoia, n. 921. O antigo centro de tortura, embora já tombado, ainda não foi transformado em lugar de memória, apesar da recomendação da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" publicada há dois anos.
A página do ato pode ser vista nesta ligação: https://www.facebook.com/events/260253604430021/.
Um dos processos de identificação de desaparecidos políticos que se encontra praticamente paralisado é o dos mortos da Vala de Perus, construída durante a primeira prefeitura de Paulo Maluf. Formou-se, depois de muitos anos, um grupo de antropologia forense para realizar o trabalho, cuja história foi contada neste capítulo da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva": http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/parte-i-cap4.html.
Os contratos da equipe encerraram-se no início deste ano e não foram renovados. Trabalha agora, de forma provisória, um pequeno grupo de três pessoas, conforme o manifesto abaixo.
Em 18 de outubro de 2016, foi realizado um "Seminário Vala de Perus" pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos na Câmara Municipal de São Paulo, com apoio da Vereadora Juliana Cardoso. Escrevi sobre a importância do evento e os vários erros da cobertura da imprensa aqui: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2016/10/desarquivando-o-brasil-cxxviii.html?spref=tw.
Gravei alguns vídeos curtos do seminário:
- Amelinha Teles, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, falou da história da abertura da Vala de Perus sob a prefeitura de Luiza Erundina e da atual fase de retrocesso político: https://www.youtube.com/watch?v=oe1fqbnIoH8&feature=youtu.be.
- Marcia Hattori, da Equipe de Arqueologia e Antropologia Forense, trata das dificuldades do laboratório e da análise das ossadas (que ainda está na metade): https://www.youtube.com/watch?v=WXiZQl8zsT0&feature=youtu.be.
- Marcia Hattori sobre o problema do revezamento da equipe e da padronização do trabalho: https://www.youtube.com/watch?v=-JxA2NV7hdY&feature=youtu.be.
- Problemas do armazenamento dos ossos: https://www.youtube.com/watch?v=frlm98SlWew&feature=youtu.be.
- O laboratório da Bósnia que fará o trabalho genético: https://www.youtube.com/watch?v=TX63uAUg7z8&feature=youtu.be.
Não consegui gravar as falas de Patrícia Fischer e Ana Paula Tahuyl, que também integravam aquela equipe. A continuidade destes trabalhos é uma das pautas do evento dos dias 31 de março e 1o. de abril.
Manifesto “Onde estão os desaparecidos políticos? Estado de exceção ontem e hoje”
Neste dia de 31 de março de 2017, reunimo-nos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que foi uma das instituições de ensino que teve estudantes presos, torturados, mortos e desaparecidos há décadas sem que nenhuma resposta tenha sido dada até agora. As famílias, a Universidade e a sociedade em geral têm direito de saber onde estão e o que aconteceu com cada um deles e com todos os desaparecidos. Eles fazem parte da história política do povo brasileiro.
Nesta história política, não podem ser esquecidos os 436 mortos e desaparecidos políticos, as 10.034 pessoas submetidas a inquérito e 7.376 indiciadas por crimes políticos, os 130 banidos, 4.862 cassados e os 6.952 militares atingidos pela ditadura segundo o Dossiê da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos; os 1.196 camponeses e apoiadores mortos e desaparecidos de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; os 8.350 indígenas mortos e desaparecidos segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que só conseguiu pesquisar dez etnias.
Esses números, embora muito incompletos, servem para sugerir a violência de um regime fundado por um golpe de Estado e baseado em crimes de lesa-humanidade.
Quase 53 anos depois do golpe de 1964, o Estado continua com sua dívida em relação aos desaparecidos políticos. A Comissão Nacional da Verdade não logrou fazer avanços significativos na questão, e o seu relatório foi engavetado pelo governo federal, inclusive a recomendação de investigar a responsabilizar os agentes das graves violações de direitos humanos de acordo com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a lei de anistia.
O Estado brasileiro continua descumprindo a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2010, no caso Gomes Lund e Outros vs. Brasil, sobre a Guerrilha do Araguaia, de localizar os desaparecidos, investigar as circunstâncias dos crimes e punir os agentes responsáveis pelas torturas, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados.
A busca dos desaparecidos do Araguaia está paralisada. Em São Paulo, o trabalho de identificação das ossadas da Vala de Perus, iniciado em 1990, até hoje não foi concluído devido à paralisação em diversos momentos. Há pouco terminaram os contratos da equipe de antropologia forense que vinha atuando, com interrupções, desde 2014. O governo federal realizou uma contratação temporária de apenas três técnicos, o que não substitui uma equipe.
Falta realizar, na grande maioria dos casos, a retificação dos atestados de óbito dos mortos e desaparecidos políticos. Apesar da lei no 9140 de 1995, que reconheceu “como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”, os atestados não mencionaram os crimes de lesa-humanidade cometidos pela ditadura, tampouco a responsabilidade do Estado brasileiro.
Quase 53 anos depois do golpe de 1964, a democracia continua sendo ferida; está sendo atingida a democracia representativa e o voto popular, ergue-se uma onda de ataque institucional contra os direitos humanos, o que inclui retrocessos no campo dos direitos sociais, dos direitos territoriais das comunidades tradicionais e dos direitos originários dos povos indígenas, que continuam sofrendo ações de etnocídio e genocídio.
Quase 53 anos depois do golpe de 1964, o Estado brasileiro continua a vigiar e reprimir militantes e manifestantes por direitos tão básicos como a circulação, a saúde, a educação. Continua existindo uma polícia militarizada, contra as recomendações da ONU, da Comissão Nacional da Verdade e de outras Comissões da Verdade, bem como dos movimentos contra a violência policial e contra o encarceramento em massa e o genocídio da juventude preta, pobre e periférica.
Amanhã, primeiro de abril, o golpe de 1964 fará 53 anos. Para protestar contra tudo o que não foi resolvido em matéria de democracia e justiça de transição, chamamos para um ato no antigo DOI-Codi de São Paulo, na rua Tutoia, n. 921, às 16 horas.
Apesar da recomendação da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” de transformar o antigo DOI-Codi em local de memória política, e da decisão do Condephaat, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, pelo tombamento do prédio, a mudança de uso do imóvel ainda não foi realizada pelo Governo do Estado, o que configura mais uma dívida com os mortos e desaparecidos políticos.
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