O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Leitura do dia: Poemas aus Nuernberger

Em outro escrito (http://opalcoeomundo.blogspot.com/2010/08/waltercio-caldas-e-algo-como-um-poema.html), lamentei que jovens artistas apresentassem como credenciais de atualidade o desconhecimento do passado. Esse comentário não pode ser feito sobre Renan Nuernberger, autor que nasceu em São Paulo em 1986.
Seu primeiro livro, Mesmo poemas, (http://mesmopoemas.wordpress.com/), lançado em 2010 pelo Selo Sebastião Grifo, denota um temperamento crítico, no sentido de análise e diálogo com poéticas alheias. A favela de Heliópolis, por exemplo, nele aparece, mas pelo prisma da poética arquitetônica de Ruy Ohtake, que tem trabalhado com essa comunidade. "Mesmo" aqui, "poemas".
Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto são obsessões que atravessam este livro, e de que o autor ainda não se exorcizou totalmente. Drummond também, a quem quase devemos a drummondiana orelha. Também comparecem Murilo, Mário de Andrade, Vinicius...
(Lembro que inspiração às vezes é confundida com a invocação de espíritos, porém ela tem muito de exorcismo.)
A poesia contemporânea brasileira há tempos tem-se dedicado ao esforço citacional, às vezes por necessidade de legitimação, às vezes por esnobismo. Não é o caso de Nuernberger, que apresenta Gullar e Cabral como problemas para sua poética própria.
Portanto, os melhores momentos do livro ocorrem quando ele sai da condição de "O Aluno" (título do primeiro livro de José Paulo Paes, de 1947, que explicitamente presta um tributo a Drummond, Bandeira, Murilo...) e trata Cabral e Gullar como problemas, e não modelos; são exemplo disso "Gullariana" (que inicia com uma alusão a Vinicius) e "Cabral (velho aço nos ossos)", que assim começa:

molhar uma esponja no discurso-rio
retesá-lo não, sua sintaxe selvagem,
absorvê-lo, pois, em seu ímpeto, em
seu impacto com os poros puros, brio
de assepsia.

Como outros poetas contemporâneos (lembro agora de Eduardo Sterzi e Tarso de Melo), Nuernberger revisita Drummond em um interessante tom menor, o que gera a "Caixinha do saber empacotada", inspirado na máquina do mundo, que se revela ser a mercantil propaganda.
Danilo Bueno destaca este fato no posfácio, e é, com efeito, interessante verificar como estão fortemente presentes em Mesmo poemas autores contemporâneos, como Angélica Freitas, Ruy Proença, Paulo Ferraz, Andréa Catrópa, Eduardo Lacerda. Nisso, e apenas nisso (pois a poética é muito diversa) lembrei dos poetas da geração chamada marginal, que tanto faziam esse tipo de frequentação mútua em verso.
Nessa imersão no contemporâneo, devem-se incluir as críticas a Régis Bonvincino em um poema-objeto que foi entregue no lançamento do livro e em "'Xerox, tigre, terror'": a poesia não é área de segurança, acusa Nuernberger com humor; mas só vou entregar o começo:

fiz tão
pouco publiquei
tão menos
nem sei se
posso proclamar
-me poeta

(i, too, dislike it: enfim)

O fim do último poema também pode ser revelado aqui; poderia vir ser o problema para os próximos livros do autor, seja de poesia, seja de crítica, pois se trata do grande desafio da arte contemporânea: apossar-se dos escombros.

e Adalgisa se afoga em seu próprio
escopo, sua própria
prosa, seu próprio sexo (se acaso
ainda estivesse viva!), seu nome

próprio (?)

como nos são
próprios todos os escombros

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