O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Causas e honras de Moreira Alves

Em mais um capítulo recente do negacionismo em relação à ditadura militar no direito brasileiro, José Carlos Moreira Alves receberá título de doutor honoris causa pela Universidade de Brasília.
Ele merece o título? Muitos consideram-no um grande romanista. Outros levantam-lhe um óbice jurídico e político: ele esteve entre os juristas que se engajaram a favor da ditadura militar. Aqui, João Telésforo Medeiros Filho recorda o caso da prisão do deputado Francisco Pinto, que denunciou o caráter ditatorial do governo chileno quando Pinochet visitou o Brasil para a posse de Geisel. Chamar o ditador chileno de "assassino", "mentiroso" e "fascista" (nada de inexato, aliás) gerou a condenação em virtude da lei de segurança nacional.
José Carlos Moreira Alves, como procurador-geral da república (cargo de atribuições muito mais largas do que a de hoje, que incluíam a defesa da União), pediu e obteve a condenação de Francisco Pinto. Ele poderia ter feito diferente? Trabalhos como o de Liora Israël sobre a atuação dos juristas na Resistência Francesa e na Guerra para a independência da Argélia mostram que a atuação contra o poder oficial, por intermédio do direito, é possível mesmo no interior da administração pública, até mesmo aparentando cumprir as ordens oficiais.
Não foi o caso do jurista brasileiro, claro, que se mostrou eficaz e diligente nessa ocasião - e em outras causas, sobre que posso escrever depois. Creio que elas não honram.
O apoio inegável de Moreira Alves à ditadura deveria impedir que a UnB lhe reconhecesse o mérito intelectual? Ou se trata de um patrulhamento esquerdista? Ou de revanchismo, palavra tantas vezes repetida contra os que defendem o direito à memória e à verdade?
Não responderei a nada disso. A UnB já deu a sua resposta. Só quero discordar daquele mérito do jurista no tocante à história do direito, ao menos neste estudo que analisei há cinco anos.
Ingenuamente, poderia se imaginar que o ex-chefe de gabinete de Buzaid teria muito a revelar sobre o ex-ministro de Médici. No entanto, nada, nada é dito da atuação dele no tocante à doutrina de segurança nacional, e a ditadura militar é simplesmente ignorada no estudo "Alfredo Buzaid: Uma vida dedicada ao direito" (o título também não é nada imaginativo) publicada no volume I de Grandes juristas brasileiros, organizado por Rufino e Penteado. Moreira Alves, do seu ex-chefe, ressalta a "estatura intelectual e moral". Não sei a que atribuir o notável vazio histórico do estudo, visto que o futuro doutor honoris causa pela UnB foi testemunha e agente dos fatos que são silenciados.
Resenhei em 2006 o volume II, mas não me furtei a mencionar o estudo sobre Buzaid, que encarnava tão exemplarmente os absurdos metodológicos de um negacionismo obtido pela via da história monumental.
Meu textinho, que trata de outros juristas, pode ser lido em mais de um sítio, no México e no Brasil. Aqui, destaco o início:

São bem conhecidas as considerações de Nietzsche sobre a história monumental, na segunda das Considerações Extemporâneas. Ela se contrapõe a uma história crítica e deseja criar uma cadeia de monumentos (mestres e modelos do passado) para dar sentido à história da humanidade.
Como resultado, nega-se a própria noção de historicidade, com a pretendida homogeneidade da linha traçada entre esses monumentos e o presente; ignoram-se as causas históricas, pois o que vemos é apenas uma série de efeitos grandiosos (os monumentos); e esse passado é utilizado contra o presente. Segundo Nietzsche, trata-se do “[...] instinto de que a arte possa ser morta pela arte: o Monumental não deve, de forma alguma, ser gerado novamente, e para isso se usa justamente a autoridade que o monumental do passado teve antes uma vez.”
Esse tipo de história reincide no segundo volume de Grandes Juristas Brasileiros. O primeiro, lançado em 2003 pelos mesmos organizadores e pela mesma editora, seguia explicitamente a linha da história dos grandes vultos, sem, muitas vezes, tentar entendê-los no contexto histórico. O capítulo dedicado a Alfredo Buzaid, escrito por José Carlos Moreira Alves, simplesmente ignora o papel daquele jurista (que foi Ministro da Justiça de Médici e foi indicado ao Supremo Tribunal Federal por Figueiredo) na legitimação jurídica da ditadura militar. Além de Ministro da Justiça de Médici, Buzaid foi indicado ao Supremo Tribunal Federal por Figueiredo, aposentando-se, depois de pouco mais de dois anos, como Ministro dessa corte.

3 comentários:

  1. Olá
    Este fato histórico, contraditoriamente provindo da universidade regida por José Geraldo de Sousa Junior, afasta ambas idéias de universidade: de memória ou popular.
    Nos resta lamentar, mas também denunciar. Como estamos fazendo. Façamos juntos. Gritemos juntos e cheguemos todos aos ouvidos mais resignados.

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  2. Prezado Luiz Oávio Ribas,
    afastam-se a memória e a dimensão popular, fica o centro de transações de prestígio - papel tradicional da academia no Brasil? Não sei. Perguntemos, também juntos.

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  3. Acho que a UnB, com a relevância nacional que tem e como palco revolucionário que é, deveria repensar os lados que apóia, (ou a quem concede certos títulos) Mas não esqueçamos que, apesar de tal atitude, creio não ser este o espírito que permeia entre os que frequentam, constroem de fato, a universidade! Lorrene Mineres

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