O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

terça-feira, 13 de setembro de 2011

30 dias de leituras: À direita demais para cantar

30 livros em um mês
Dia 07: Um livro que você detestou, mas leu pra escola.

No primeiro ano do antigo segundo grau, hoje ensino médio, tive um professor maranhense de literatura que somente recomendava autores desse Estado. Eu já sabia, nessa época, que se deveria aprender, muitas vezes, apesar dos professores.
No gênero conto, as classes tiveram Artur Azevedo, Contos fora da moda. Engraçadinhos. Em poesia, Ferreira Gullar? Gonçalves Dias? Não, apenas Lago Burnett, com O amor e seus derivados – havia uns dois sonetos bons no livro. Poderia ter sido pior, ele poderia ter escolhido o acadêmico José Sarney.
Prosa, Josué Montello, que gostava de orgulhar-se de ter escrito dezenas e dezenas de livros. Não sei se concorria com Balzac. O professor escolheu o último que havia sido lançado, Uma varanda sobre o silêncio, que me afastou do restante de sua obra. Tais são os riscos da literatura no colégio - vejam que não incluí, no desafio, nenhum dia para o livro preferido lido na escola, simplesmente porque todas minhas leituras essenciais foram feitas longe dos bancos escolares - com uma exceção, que não direi agora.
O que achei desse livro nos meus 14 anos? Lembro muito bem de minhas impressões (fiquei um bimestre lendo e relendo, já que cairia na prova), conquanto não tenha mais retornado à obra. Montello tentou contar, de forma esquemática e superficial, a história de uma mãe cujo filho, que pertencia a uma organização da esquerda clandestina, desapareceu nas mãos da repressão durante a ditadura militar no Brasil. No final, a "grande" e "inesperada" revelação, que a protagonista não pôde aceitar: ele estava morto!
Meus 14 anos ficaram revoltados com o sentimentalismo e a ausência de política da obra. Parecia-me telenovela ruim.
Algo literariamente muito melhor Chico Buarque logrou atingir em “Angélica”, canção do genial disco Almanaque, de 1981, que trata poeticamente do caso da estilista Zuzu Angel. A família foi alvo da repressão, como sabemos; a canção alude ao filho, Stuart Angel, torturado e morto em 1971. A esposa, Sônia Maria, já viúva, também o foi em 1973. Zuzu, a mãe, foi outra vítima da ditadura brasileira, em 1976, depois de ter denunciado o caso internacionalmente.
Chico Buarque perguntou: "Quem é essa mulher/ Que canta como dobra um sino/ Queria cantar por meu menino/ Que ele já não pode mais cantar".
Montello estava à direita demais para poder cantar/contar essas coisas.

Um comentário:

  1. de fato, pádua, vc conseguiu converter uma babaquice internáutica num fértil e sóbrio exercício de reflexão. admirável. invejável.

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