O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

30 dias de leituras: Fósseis e imaginação


30 livros em um mês
Dia 03: Livro favorito quando criança.

Gostava muito de As mil e uma noites, que li em uma tradução para o português da recriação francesa de Galland, apropriada para menores... Mas o livro com que passei mais tempo foi A Ciência da Vida, de H. G. Wells, Julian Huxley e G. P. Wells.
Era uma coleção de biologia que pertencia a meu pai. Não a aconselho hoje, pois está completamente desatualizada. O que me interessava especialmente era o quinto volume (se bem me lembro), dedicado à paleontologia. Muito me intrigava o que havia antes do Cambriano – de que forma a vida teria surgido? Como era a composição química dos oceanos? Sua temperatura? Seria possível recriar hoje o nascimento da vida? Essas questões povoavam minha mente infantil. A falta de evidências deixava tudo misterioso.
Em tempos mais recentes, ou seja, o paleozoico, a extinção dos trilobitas me impressionava. Ficava a lamentar as florestas do Carbonífero (sabendo que elas tinham virado petróleo) e a imaginar as samambaias e os anfíbios gigantes, bem como a sempiternidade das baratas. Criava imagens da vida saindo das águas (outro ponto que me fascinava – quantos animais aquáticos não teriam morrido nessa transição?) e chegando à face terrestre.
Gostava dos dinossauros também, no Mesozoico, embora – confesso – o Cenozoico me chamasse mais atenção, pois seu caráter me escapava mais do que o de outras eras: afinal, ele já não tinha os dinossauros, mas o homem ainda não estava presente. A imagem correspondente que mais me chamava a atenção era a dos ancestrais do cavalo.
A parte dos hominídeos não me interessava, talvez porque achasse que já era a decadência...
Em geral, as crianças têm muito interesse por paleontologia (a fascinação pelos dinossauros é um exemplo disso) – embora algumas sejam tolhidas pelo criacionismo.
Além de ser um absurdo científico, o criacionismo é especialmente antipedagógico porque limita as faculdades de imaginar. Enquanto a evolução abre mil portas para a imaginação (que também obedece a princípios de mutação, acaso, derivações), o criacionismo restringe-a: o tempo se torna drasticamente menor (o mundo teria uns seis mil anos?), a natureza muito menos variada... Não é à toa que os Garotinhos que defendem o ensino disso não sejam dos políticos mais ilustrados.
A defesa do criacionismo baseia-se em um falso paralelismo: o criacionismo seria uma "teoria" equivalente ao evolucionismo - mas não é, trata-se apenas de um dogma religioso, desmentido pela ciência.
Vejam este artigo de 2004, quando o Estado ainda estava sob o jugo daquela família, escrito por Maurício Vieira Martins, "O criacionismo chega às escolas do Rio de Janeiro: uma abordagem sociológica":

Esta é um pouco da nossa triste história recente (fragmento local de uma realidade internacionalizada): esvaziado economicamente, situado na rota do narcotráfico internacional, carente de projetos políticos alternativos mais consistentes, o Rio de Janeiro tornou-se também um campo propício para um amálgama regressivo entre poder político e discurso religioso. [...] Por isso, quando o governo fluminense volta a atribuir um caráter religioso confessional à educação pública (sob o argumento de que existe uma crise moral na sociedade civil que precisa ser sanada), ele na verdade está realizando um procedimento dos mais autoritários: impõe uma visão de mundo religiosa mesmo àqueles que não concordam com ela.

Mesmo que o projeto garotinho de Estado teocrático tivesse sido implantado (e há uma herdeira para tentar levá-lo adiante), há uma questão: na escola pública no Rio de Janeiro, praticamente nada se ensina ou aprende. As aulas de religião não mudariam esse quadro, talvez fossem inócuas. E o projeto deseducativo vem sendo continuado pelo atual governador, que ama helicópteros e detesta bombeiros.
Não sei o que ficou desse meu interesse infantil; não cheguei nem mesmo a cogitar em cursar a graduação em Biologia, que não perdeu nenhum talento com isso. Talvez a frequência com que eu refira a animais como cupins, mosquitos e vacas (estas, no próximo livro) nos poemas tenha que ver com esses amores antigos.

4 comentários:

  1. Eu era um exemplo de criança apaixonada por paleontologia! Meu livro favorito na infância chamava-se À Procura de Dinossauros. Era da Ediouro, da coleção Enrola e Desenrola: o leitor era o personagem principal, e tinha que tomar decisões que mudavam o curso da história ("um tiranossauro está vindo na sua direção; se você fugir, vá para a página 5; se fica onde está, vá para a página 10").
    Sempre gostei de dinossauros, mas também adorava trilobitas e também sempre gostei de ler sobre a evolução dos grupos (por exemplo, as aves).
    Com 6 ou 7 anos, dizia que seria paleontóloga quando crescesse (era engraçado porque, antes do filme Jurassic Park, poucos sabiam o que era isso). Mas depois que eu ganhei um cachorrinho, e também por influência de programas como Planeta Terra, passei a querer ser bióloga e estudar comportamento animal...

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  2. Ou seja, você não se desvirtuou, diferente de mim! Na verdade, o meu problema vinha de falta de talento para a área...
    Abraços,
    Pádua

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  3. muito legal - como resgatar as potencialidades de algo que poderia ser totalmente idiota (digo, o programa de 30 dias) - uma aula!

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  4. Eu curtia História. Tinha uma enciclopédia de biografias na estante dos meus pais que eu devorava...(sim, sempre fui meio decadente).

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