O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

domingo, 23 de outubro de 2011

Desbloqueando a cidade III: Conselho Municipal de Habitação e cidadania express


Por meio do Fórum Centro Vivo, descobri que a Prefeitura de São Paulo está a realizar algo que (talvez curiosamente) se assemelha ao cerceamento da participação popular no Conselho Municipal de Habitação.
O cadastramento foi anunciado neste edital de 19 de setembro de 2011 e deve ser realizado aqui:
http://www3.prefeitura.sp.gov.br/sd2114_internet/Forms/frmManterCadastro.aspx
A eleição, segundo o edital, ocorrerá em 4 de dezembro deste ano:

IV- Publicação da relação dos eleitores cadastrados no
Diário Oficial da Cidade:
Ao término do período de cadastramento será publicada no
Diário Oficial da Cidade uma relação contendo os Nomes dos
Eleitores, os Números de Títulos de Eleitor, seus Locais de Votação
e respectivos Números dos Protocolos para os eleitores
que tiveram seus cadastramentos realizados com sucesso.
V- Como proceder para VOTAR:
No dia da realização das eleições, ou seja, em 04/12/2011,
o eleitor que se cadastrou previamente com sucesso
deverá comparecer pessoalmente ao local de votação para
depositar seu voto na urna eletrônica do Tribunal Regional
Eleitoral de São Paulo, munido de seu título de eleitor e de um
documento com foto .
As urnas eletrônicas estarão parametrizadas pelo Tribunal Regional
Eleitoral de São Paulo para aceitar os votos dos eleitores
que se cadastraram, previamente, nos locais escolhidos no
momento do cadastramento.
O pleito será realizado das 8:00 horas às 17:00 horas do
dia 04/12/2011 Excedentes de eleitores cadastrados presentes
neste horário receberão senhas, que garantirão seu direito ao
voto.

O cadastramento começou no dia 21 de outubro e encerra-se dois dias depois, em 23. Um caso notável de cidadania express, voltada para os que têm acesso ao mundo virtual.
A comissão eleitoral que decidiu o pré-cadastro foi escolhida pela Portaria n° 194/11/SEHAB: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/portaria_194_11_sehab_doc_07_7_11_pg_19_1316616804.pdf
Na ata da 6ª reunião ordinária da Comissão executiva do Conselho, a conselheira Violêta S. Kubrusly, representante da Secretaria Municipal de Habitação, tratou do processo eleitoral e expressou preocupação com a participação do eleitorado:
Vamos falar de eleição. Esse é um ano eleitoral, a gente vai aí mais uma vez para um ano eleitoral no CMH para os movimentos populares e para as vagas que se apresentam com maior demanda do que vagas na sociedade civil, isso já aconteceu também outras vezes, hoje eu tentei que esta noticia já tivesse com mais conteúdo, mas eu estou indo agora saindo daqui, a gente vai para o TER (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) nosso parceiro desde 2005. Para realização dessas eleições, que elas como vocês sabem e tantos de vocês já foram eleitos várias vezes, passamos por vários formatos, mais do bom disso é que apesar de que a gente tem uma ação que está correndo aí, que a gente tem respondido que o conselheiro Dito impetrou aí no ministério público e a gente tem respondido na medida de todas as demandas que a gente têm a Dra Vera acompanha também este caso nós tivemos um saudável incremento de mais do dobro dos votantes entre uma eleição e outra, então vamos ver pelo lado positivo de que esse é um conselho ativo que os movimentos populares se interessam por ele e a sociedade civil também está aqui presente ativa. Então a gente apesar do revés, e tem revés sempre. É positivo que a gente tenha o dobro de votantes e com isso a gente quer incrementar e que mais pessoas conheçam o CMH.

Essa representante da Prefeitura mostrou bem a preocupação institucional com a participação popular nas eleições, "resolvida" agora por meio da restrição do pré-cadastramento. Na reunião da Comissão Eleitoral em 8 de agosto deste ano, a mesma representante defendeu o modelo de pré-cadastramento, que foi aprovado:

Eu queria defender que o pré-cadastramento não é restritivo. Ele só organizaria melhor o nosso modo de operação. Nem os Movimentos têm de fazer essa gestão, nem a PRODAM teria, nem a Prefeitura de São Paulo, um exército de 18.000 pessoas só para estarem de pé junto de cada urna dessas. Ao passo que com o pré-cadastramento, dada toda a publicidade necessária, o meu desejo era que fosse ao site do TRE, mas eles não aceitaram postar, então será no site oficial da Prefeitura de São Paulo, que é um site sério.

Sim, a situação é séria. A publicidade não é suficiente e o prazo para o pré-cadastramento é curtíssimo.
Antônio L. Abad, da Empresa de Tecnologia do Município, foi claro nessa reunião a respeito das intenções da Prefeitura: "Sou gerente de relacionamento da PRODAM. O ano passado efetuou uma eleição com pré-cadastramento e dos 9 milhões, somente 43.000 se cadastraram. Dos 43.000, 7.000 votaram." Obviamente, a intenção é de restringir o acesso.
A conselheira Maria da Graça Jesus Xavier Vieira protestou: "Nós do Movimento achamos que não é democrático. A molecada vai mesmo no Orkut, no Facebook mas esse não é o nosso público, tem molecada na favela sendo despejada, pai de família, mãe de família, esse público que são os que vão votar."
A questão é, de fato, o público. As regras impuseram uma barreira de classe, a mesma lei da segregação que governa a cidade de São Paulo. Falta saber se essa restrição é lícita, à luz do princípio democrático na gestão da cidade e da tipificação como improbidade administrativa do impedimento à participação popular, segundo o Estatuto da Cidade, que completou dez anos em julho de 2011 sem muita festa.
Outra questão: a restrição a esse exercício dos direitos políticos não é um problema relativo ao direito eleitoral, e não ao de direito administrativo? E, sendo assim, não é inconstitucional que o Município institua esse pré-cadastramento de eleitores, tendo em vista que a União Federal possui competência privativa para legislar sobre direito eleitoral (art. 22, I)?

P.S.: Apenas para lembrar que uma saída tradicional das elites brasileiras, quando o sistema ameaça ficar democrático, é restringir o direito de voto: assim foi na reforma eleitoral de 1881, que reduziu a um décimo o eleitorado (aumentando a exigência de patrimônio e vedando o direito de voto aos analfabetos); até, mais recentemente, na ditadura militar, com a instituição de eleição direta para presidente, para governador e, enfim, com o Pacote de Abril de 1977, feito para impedir que a soberania popular conseguisse transferir o domínio do Congresso para o MDB.
Devemos lembrar que ano que vem é de eleições municipais, e os setores imobiliários têm o hábito de financiar campanhas de vereadores e prefeitos. Um CMH em 2012 afinado com os interesses desses setores - que são opostos aos dos movimentos pela moradia - poderia gerar perversos efeitos duradouros sobre a cidade.
Dedico esta nota para quem acha que no Brasil os direitos de "primeira geração" estão garantidos...

2 comentários:

  1. Caro:
    Já fui lá e fiz meu cadastramento. È rápido e simples.Bjs
    Cybelle

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  2. Ótimo, Cybelle. Tomara que muita gente consiga se cadastrar.

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