O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sábado, 22 de outubro de 2011

Desarquivando o Brasil XXII: Rubens Paiva e desaparecidos desde o nome

A jornalista Niara de Oliveira chamou-me atenção para o curioso projeto de resolução da Câmara dos Deputados (PRC 85/11) que prevê que "o corredor de acesso à Biblioteca da Câmara dos Deputados passará a ser chamado de Espaço Rubem Paiva". Quem seria essa pessoa tão importante?
Vejam o projeto:

Projeto de resolução Nº , de 2011
(Dos Srs. Paulo Teixeira e Manuela D´Ávila)
O corredor de acesso à Biblioteca da Câmara dos Deputados passará a ser chamado de Espaço Rubem Paiva.

Art. 1º - O corredor de acesso à Biblioteca passará a ser chamado de Espaço Rubem Paiva.
§ único – No local será instalado busto do ex-deputado Rubem Paiva, a acompanhado de uma placa que conterá as seguintes informações: “Deputado Rubem Paiva – (1929 -1971) – Defensor da liberdade e da democracia”.
Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Justificação
Rubem Paiva é um mártir da liberdade e da democracia no Brasil. Na condição de militante do PTB, partido do então Presidente João Goulart, ele foi eleito deputado federal nas últimas eleições democráticas realizadas antes do golpe militar de 1964.
Ele era engenheiro civil formado pela Universidade Mackenzie, foi Presidente do Centro Acadêmico de sua faculdade e vice-presidente da UEE (União Estadual dos Estudantes), na condição de militante do movimento estudantil da época, Rubem Paiva participou das grandes mobilizações populares da campanha o “Petróleo é Nosso”, que comoveram a nação e que criaram as condições para o estabelecimento do monopólio estatal da exploração do petróleo e para a criação Petrobrás.
Como Deputado, Rubem Paiva participou das investigações levadas a efeito pela CPI destinada a investigar as atividades do IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), duas instituições financiadas pela CIA, e que estiveram na raiz da preparação e do financiamento do golpe de estado que seria desfechado em 31 de março de 1.964.
Foi por este passado democrático que o Deputado Rubem Paiva tornou-se objeto da ira dos golpistas desde o primeiro momento do estabelecimento do regime. Não foi, portanto, uma surpresa que o nome de Rubem Paiva aparecesse da primeira lista de parlamentares cassados pelo regime de exceção, divulgada em 10 de abril de 1964.
Logo depois do golpe, compelido pelo ambiente de caça às bruxas instalado no país, Rubem Paiva esteve exilado na antiga Iugoslávia e na França. Mas em menos de um ano voltou ao Brasil e se reintegrou na resistência pacífica ao regime de exceção.
Em 20 de janeiro de 1971, quando retornava do Chile, então governado pelo Presidente Salvador Allende, socialista que liderava o governo de Unidade Popular, Rubem Paiva teve sua casa invadida e foi sequestrado, desde então ele é considerado desaparecido, mas existem testemunhos de sobreviventes das masmorras do regime que dão conta que Rubem Fonseca foi barbaramente torturado e assassinado.
Diante do exposto, creio que a homenagem proposta a Rubem Paiva, nos termos desse Projeto de Resolução, é mais do que justa e pretende contribuir para a perpetuação no espaço físico desta Câmara dos Deputados da memória de um mártir da democracia e da liberdade.
Sala das Sessões, setembro de 2011
Deputado Paulo Teixeira
PT
Deputada Manuela D´Àvila
PCdoB

Com a justificativa, descobrimos que o líder do PT na Câmara e essa deputada do PCdoB queriam referir-se ao ex-deputado federal Rubens Paiva, cujo nome não sabiam ao certo. O erro não era inevitável, no entanto; bastaria que os nobres parlamentares tivessem visto a exposição que a própria Câmara dos Deputados fez no início deste ano, com lançamento do livro Segredo de Estado: o desaparecimento de Rubens Paiva, de Jason Tércio (que ainda não li).
O projeto foi apresentado por seus autores em dez de outubro; em 18, pediu-se urgência para a tramitação, em um requerimento multipartidário que foi apoiado pelas ldieranças não só dos partidos dos deputados autores, mas também do PMDB, PSOL, DEM, PDT, PSDB, PSB, PTB, PV, PPS etc. Ou seja, governistas e oposicionistas uniram-se neste interessante colapso mnemônico em relação ao nome de Rubens Paiva. A Agência de Notícia da Câmara publicou com esse erro a notícia [já foi corrigida].
O curioso é que o deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ), responsável pelo parecer, corrigiu o nome (não fora ele professor de História!). O parecer foi apresentado em plenário no dia 19 deste mês e aprovado no mesmo dia o requerimento de urgência. Aqui não lemos a redação final, e notícia da Câmara a respeito mantém o erro.
Na fala de Chico Alencar, lemos que "nós entendemos que a aprovação deste Projeto tem que ter, como consequência inclusive, a recondução ao Parlamento de Rubens Paiva, com esse símbolo da sua memória". O curioso é que o projeto carregue em si a marca do esquecimento, eis que nem o nome do desaparecido foi lembrado corretamente.
O deputado teve seus direitos políticos suspensos no décimo dia do golpe militar, por meio do Ato do Comando Supremo da Revolução nº 1, de 10 de Abril de 1964.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em vinte de abril de 2011, aprovou a outorga post mortem da Medalha Tiradentes ao ex-deputado. Tratou-se de projeto do deputado estadual Paulo Ramos (PDT); o texto que apresentou para a justificativa é superior ao do projeto aprovado na Câmara dos Deputados.

Para lembrar de Rubens Paiva, um documento que mostra a forte vigilância que precedeu o golpe de 1964: um relatório sobre reunião em setembro de 1963 na sede do Comitê Estadual de São Paulo do Partido Comunista, acompanhada por algum informante da polícia. Nessa época - o governo de João Goulart teria ainda apenas menos de um ano - o general Peri Bevilacqua se indispunha com as centrais sindicais - depois de ter sido o primeiro general a defender a posse de João Goular na presidência.
Segundo o relatório, o Partido Comunista teria decidido por uma estratégia de confronto com Bevilacqua, que hoje pode ser considerada equivocada.
Lemos no documento que "os deputados paulistas ROGÊ FERREIRA e RUBENS PAIVA estão articulando um movimento de repúdio ao Gen. Pery". Menos de um ano depois, os dois estariam cassados pelo mencionado Ato do Comando Supremo da Revolução nº 1, de 10 de Abril de 1964.
Alguns anos depois, seria a vez de Peri Bevilacqua, que foi aposentado compulsoriamente pelo Ato Institucional nº 5. O AI-5 foi empregado pela ditadura militar para, entre outros fins, intervir no Superior Tribunal Militar, onde estava o general legalista, e também - apesar do negacionismo dos juristas de direita - no Supremo Tribunal Federal.

4 comentários:

  1. Já não bastava a vergonha do Brasil ainda não ter feito nada para investigar as violações de direitos humanos, assassinatos e desaparecimentos da ditadura militar, ainda temos que aturar esses deboches (porque homenagem não é).
    Desconfio que, assim como a Neusah Cerveira, o Marcelo e a família vão ignorar a "solenidade". (alguém tem que se manter digno nessa história)

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    1. Concordo plenamente, Niara de Oliveira. Isso não é homenagem. Isso é deboche, demagogia. Espero que a Neusah ignore essa "solenidade" ridícula, pois tenho certeza de que o pai dela não concordaria com isso (conforme o que disse a própria Neusah quanto a última conversa com seu pai, o Major Cerveira).
      Paulo Oisiovici

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  2. É uma homenagem modesta, porém homenagem. O problema é que o atual Congresso não está à altura de Rubens Paiva.
    Abraços, Pádua

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  3. Aconteceu algo bem mais grave depois: a Vera Paiva foi censurada e não pôde falar na criação da Comissão da Verdade. O irmão e escritor Marcelo Rubens Paiva bem escreveu que a Comissão já começou mal: http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva/comissao-da-12-verdade/

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