Na verdade, tanto de hoje quanto de amanhã; hoje, teremos a última apresentação em São Paulo do primeiro ato da ópera Édipo Rei, não a do Stravinsky ou a de Leoncavallo, mas a do compositor e regente brasileiro Luciano Camargo, com libreto de Rodolfo García Vázquez.
No entanto, como os outros atos ainda não foram terminados, a obra ainda pertence ao futuro.
No momento, há muito poucos lugares: https://uhuu.com/evento/sp/sao-paulo/carmina-burana-8847#/
A regência é do próprio compositor, com a Orquestra Acadêmica e a Associação Coral da Cidade de São Paulo.
No começo, o coro lamenta o "terror, desespero e morte" que assolam Tebas por causa da peste. Suplica-se por "Zeus da doce palavra". Creonte chega e explica as palavras do oráculo: o assassino do rei Laio deve ser punido para que a peste deixe a cidade: "foram salteadores ímpios que assassinaram os soldados e o rei". Édipo, "o mais sábio dos homens", aquele que decifrou os enigmas da Esfinge, decide encontrar o criminoso. O ato termina com o Hino de Tebas cantado pelo coro.
A estreia ocorreu em 26 de fevereiro de 2020. Para ter uma ideia da música, só encontrei disponível a abertura da ópera com a Orquestra Acadêmica de São Paulo, com a https://youtu.be/q5ZAtwLpxk4
O começo apresenta uma linha que o coro canta com o verso "Eu escolho o meu caminho". Sabe-se que o destino, na acepção grega, mostra o quanto de ilusório há nessa escolha. Neste ponto, começa a fuga: https://t.co/YDNN7Urjrd?amp=1; o coro a canta com estas palavras: "O criminoso, o infame criminoso que assassinou o rei". Pouco depois, surge o tema do Hino de Tebas: https://t.co/NGjtq7KSX0?amp=1. A invocação a Zeus, neste momento: https://youtu.be/q5ZAtwLpxk4?t=445. No fim, temos as batidas do destino: https://youtu.be/q5ZAtwLpxk4?t=539.
Em janeiro de 2020, quando o agora exonerado Roberto Alvim deixou evidentes as inspirações nazistas de políticas do governo Bolsonaro, vi gente perguntando, por conta do edital para premiação de obras "nacionalistas", que incluía o gênero ópera, se já foram compostas cinco óperas no Brasil!
A pergunta que seria de assustar, se não fosse mais um sinal do quadro de abandono da música brasileira pelos meios de comunicação e pelo grande público, tanto no campo da chamada música erudita quanto no da popular (considerando também que eles se cruzam várias vezes, Villa-Lobos que o diga). Assim, tanta gente não sabe quem é Carlos Gomes ou Harry Crowl e também ignora, por exemplo, Pixinguinha ou Tiganá Santana.
Em crônica de 28 de setembro de 1886, Machado de Assis escreveu um diálogo com esta passagem: "A Ópera Nacional foi uma instituição que aqui houve para cantar óperas italianas, traduzidas pelo De-Simoni. Quando menos pensava, deu-nos o Carlos Gomes... Se todas as instituições deixassem assim alguma coisa... Bons tempos!"
Hoje, no entanto, as instituições estão em cruzada aberta (com toda suas acepções de caráter religioso e bélico) para deixar a devastação. Contra elas, temos o compromisso de criar.
Quanto a mim, logo mais estarei no teatro para me unir às vozes que denunciam o "terror, desespero e morte" presentes na Tebas clássica e no Brasil de hoje.
30 dias de ópera: um desafio político
Primeiro dia: A ópera de hoje (La Bohème de Puccini)
Dia 2: Uma montagem inesperada assistida (Tannhäuser, de Wagner, segundo Werner Herzog)
Dia 3: Uma estreia assistida (Erwartung, de Schönberg)
Dia 4: A primeira ópera assistida (Aida, de Verdi)
Dia 5: O primeiro disco de ópera (La Traviata, de Verdi, com Callas)
Dia 6: Uma despedida presenciada (Leonie Rysanek na Elektra, de Richard Strauss e Hugo von Hofmannsthal)
Dia 7: Uma vaia dada (restos de Don Giovanni, de Mozart)
Dia 8: Um aplauso dado (Davi e Jônatas, de Charpentier, O Anão, de Zemlinsky)
Dia 9: Uma ária favorita ("Casta diva", da Norma, de Bellini)
Dia 10: Uma abertura favorita (de Tristão e Isolda, de Wagner)
Dia 11: Um balé favorito (de Castor et Pollux, de Rameau)
Dia 12: Um recitativo favorito (de O retorno de Ulisses à pátria, de Monteverdi)
Dia 13: Uma risada favorita (de Platée, de Rameau)
Dia 14: Um coro favorito ("Danças Polovitsianas" de Príncipe Igor, de Borodin)
Dia 15: Um silêncio favorito (Moisés e Arão, de Schönberg)
Dia 16: Ópera e natureza (Lohengrin de Sciarrino)
Dia 17: Ópera e desastre (Idomeneo, de Mozart; Peter Grimes, de Britten)
Dia 18: Ópera e assassinato (Tosca, de Puccini)
Dia 19: Ópera e orgasmo (A coroação de Popeia, de Monteverdi e Busenello)
Dia 20: Ópera e gênero (La Calisto, de Cavalli)
Dia 21: Ópera e negacionismo (O Guarani, de Carlos Gomes)
Dia 22: Ópera e coragem (Der Kaiser von Atlantis, de Viktor Ullmann e Peter Kien)
Dia 23: Uma ópera que se tornou poema (Orfeu, de Monteverdi e Striggio, e Murilo Mendes)
Dia 24: Uma ópera que se tornou livro (A Judia, de Halévy, e Em busca do tempo perdido, de Proust)
Dia 25: Uma ópera que se tornou filme (La serva padrona, de Pergolesi, por Carla Camuratti)
Dia 26: Uma ópera que se tornou música (O Anjo de fogo, de Prokofiev)
Dia 27: Uma ópera que se tornou ópera (Don Juán segundo Mozart e segundo Schulhoff)
Dia 28: Uma ópera que se tornou protesto (Nabucco, de Verdi)
Dia 29: Uma ópera que se tornou revolução (O anel do Nibelungo, do amigo de Bakunin)
Dia 30: Uma ópera de amanhã
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
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