Em janeiro deste ano, a revista Época revelou que ele estava sendo vigiado pelo Abin. Naquela ocasião, colegas da Física manifestaram seu apoio a Hicheur;
A. Hicheur veio ao Brasil para realizar um pós-doutorado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) por sugestão do coordenador do experimento LHCb e com 3 cartas de recomendação, do seu orientador de doutorado e dos diretores do Instituto de Física da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL) e do Laboratoire d’Annecy le Vieux de Physique de Particules (LAPP). O doutor Hicheur veio ao Brasil de maneira totalmente legal e, como qualquer outro cientista, depois de um estudo detalhado do seu currículo e da avaliação das contribuições que ele poderia trazer para a área no Brasil. Os responsáveis por sua contratação e as autoridades brasileiras responsáveis pela concessão de visto foram informados do seu caso judicial. Após uma produtiva estadia de 2 anos no CBPF A. Hicheur foi contratado pela UFRJ como Professor Visitante. Ele é um dos membros do grupo LHCb-Rio com maior produção, tendo assumido a liderança de vários projetos no âmbito da Colaboração LHCb.As vozes da comunidade científica, como é praxe, não encontraram eco algum no governo brasileiro, e o físico teve indeferido o pedido de prorrogação da autorização de trabalho no Brasil, neste governo interino de Temer; a publicação é de 15 de julho deste ano, e o despacho do Coordenador-Geral de Imigração é do dia anterior:
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=67&data=15/07/2016
Quando foi deportado, no dia 15, estava no meio de uma conferência virtual e teve uma hora para arrumar suas coisas. A UFRJ soltou nota à imprensa no mesmo dia, afirmando que "Manifestamos extrema preocupação com a ação, anunciada sem apresentação de justificativas claras e atenção a princípios democráticos básicos, como direito à defesa." Vi também o Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior, no dia seguinte, repudiar a deportação de Hicheur.
Pode surpreender que o governo federal, ao menos neste caso, estivesse amparado por lei brasileira. No entanto, a Universidade tem razão em apontar a falta de justificativas e de "princípios democráticos básicos". A norma que fundamentou o governo não os pressupõe, ela faz parte do chamado entulho autoritário: trata-se da lei federal nº 6815, de 19 de agosto de 1980.
A ditadura militar, após o Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, que fechou o Congresso Nacional, teve como uma de suas preocupações continuar a reformular o ordenamento jurídico brasileiro segundo as diretrizes da doutrina de segurança nacional. E uma das questões era, sem dúvida, o controle dos estrangeiros (não os das multinacionais, claro; os militares abriram-se para elas, inclusive aceitando cargos ou verbas dessas empresas, como Golbery com a Dow Chemical); afinal, o próprio comunismo era visto como uma doutrina "alienígena", incompatível com a democracia brasileira, a qual teria encontrado, segundo os ideólogos governistas da época, sua formulação mais fiel nos governos militares.
Tratava-se, na verdade, de expulsar o estrangeiro de esquerda, o que incluía religiosos que atuassem com índios, camponeses e operários. O decreto-lei nº 417 de 10 de janeiro de 1969, específico para "expulsão de estrangeiro", enquadrava-a como ato do presidente da república. Segundo o artigo 1º, ela destinava-se ao estrangeiro que "atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade e moralidade públicas e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo ou perigoso a conveniência ou aos interêsses nacionais". Ou seja, quando o presidente bem quisesse praticar o ato.
Em se tratando de segurança nacional, o procedimento era sumário: