O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Desarquivando o Brasil XLIV: o Araguaia e Marighella

Esta nota ficaria pronta na segunda-feira, porém o blogue, como outros sítios do google, ficou indisponível nas poucas horas em que eu poderia escrever. Na terça, fui a Belo Horizonte, convidado para falar no SPLIT, seminário da faculdade de Letras da UFMG, sobre justiça de transição na literatura de Julián Axat (http://t.co/EGjlllAp).
Fui forçado a deixar para hoje, pois, esta publicação originalmente destinada à VI Blogagem Coletiva #DesarquivandoBR.
Em um relatório de fevereiro de 1973 do Serviço Nacional de Informações (SNI) sobre "Comunismo Internacional", foi classificada na categoria "Campanha contra o Brasil no Exterior - Imprensa de Angola, França e Argentina" uma edição de Frères du Monde que noticiou, entre outros assuntos, "a luta das forças guerrilheiras do Araguaia":



Tratava-se de uma revista, publicada de 1959 a 1973, politicamente engajada de franciscanos franceses. Como os braços da censura brasileira não chegavam até a Europa, ela pôde tratar de Guerrilha no Araguaia. Ainda não pude ler essa revista, mas creio que o conseguirei em breve.
Os guerrilheiros que lá estavam eram do PCdoB, e o desaparecimento de vários deles acabou gerando a condenação do Estado brasileiro no Caso Gomes Lund e Outros pela Corte Interamericana de Direitos Humanos há dois anos atrás, motivo desta blogagem (http://desarquivandobr.wordpress.com/2012/11/20/convocacao-da-6a-blogagem-coletiva-desarquivandobr/).
No entanto, não se deve esquecer que Marighella, no fim dos anos 1960, pensou no mesmo local para a guerrilha rural. Embora seu Minimanual do Guerrilheiro Urbano tivesse ficado célebre mundialmente nos anos 1970, o horizonte estratégico desse militante era o campo, o que revelava influência da Revolução Cubana.
Mesmo no militarista Minimanual, pode-se ler uma passagem como a dos sete pecados do guerrilheiro urbano; entre eles, estava a "vaidade", que consistia em desencadear ações na cidade sem se preocupar com o início e a sobrevivência da guerrilha rural. A cidade seria o lugar do "cerco estratégico", que não poderia ser rompido enquanto a luta no campo não se desencadeasse.
Nesta entrevista à Rádio Havana em 1967, Carlos Marighella fala de começar a luta armada no campo: http://www.youtube.com/watch?v=J3CFHY_hwQk

Quando existem condições tais como as que se apresentam em nosso país, essas forças revolucionárias são criadas praticamente dia a dia e hora a hora. O que é necessário é passar à ação. Fazer com que essas forças se coordenem no mesmo sentido e que passem ao desencadamento da luta. Que se preparem. Que vão portanto à área rural, que é onde nós podemos no Brasil desenvolver a luta que pode ser apoiada pelos trabalhadores, por todo o povo dentro das áreas urbanas, e nesse sentido marchar para conseguir a vitória que no Brasil  só podemos conseguir realmente se juntarmos nosso esforço ao esforço de todos os outros povos latinoamericanos.
Trata-se do otimismo de Marighella nesse ano, que não se confirmaria em 1969, quando a Ação Libertadora Nacional (ALN), sua organização, sofreria diversos golpes da repressão e ele mesmo seria assassinado em operação levada a cabo pelo delegado Sérgio Fleury.
Mário Magalhães conta, na excelente biografia Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo (São Paulo: Companhia das Letras, 2012), que o guerrilheiro confiou a frades dominicanos (entre eles, frei Tito) e a dois leigos a missão de fazer um levantamento de área que, hoje, forma o Estado do Tocantins, com o fim de encontrar bases para a guerrilha. O trabalho foi realizado em julho de 1968. Ao voltar, o frei Osvaldo Augusto Rezende Junior considerou que "seria suicídio" [p. 396] que ela irrompesse naquele lugar, muito vulnerável a ataques aéreos.
Mais adiante, na página 513, Mário Magalhães cita parte de um documento do SNI, datado de 3 de setembro de 1969. Ele pode ser lido no Arquivo Público do Estado de São Paulo:


No documento assinado pelo Tenente-Coronel Walter José Faustini, lemos que:
b) Está previsto até o fim do ano "estourar" uma Guerrilha no Norte de Goiás (Araguaina).
c) Embora esteja previsto a continuação dos assaltos e atos de terrorismo, ["Carlos" escrito à mão] MARIGHELLA está dando prioridade à Guerrilha Rural. MARIGHELLA não tem parado em S.Paulo porque constantemente visita as áreas de treinamento no interior.
d) Há um planejamento geral feito por MARIGHELLA para desencadear em todo o Brasil, "ações de guerrilha que serão desencadeadas antes das eleições de 70".

A guerrilha rural continuava a ser, nesses momentos finais, a prioridade do guerrilheiro. Ela terminou acontecendo, mas por outras mãos, e foi derrotada, tal como a urbana.


Vi que participaram da VI Blogagem Coletiva também:
Maria Carolina Bissoto, de Entre el pasado y el futuro, com "Dois anos da sentença da CIDH":
http://entrepasadoyelfuturo.blogspot.com.br/2012/11/dois-anos-da-sentenca-da-cidh.html

Matheus Rodrigues Gonçalves, do Diário Liberdade, com "Para que nunca mais aconteça: cumpra-se!":
http://diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/33389-para-que-nunca-mais-aconte%C3%A7a-cumpra-se.html

Murilo Duarte Costa Corrêa, de A navalha de Dalí, com "A rebelião da memória: os afetos da ordem e uma nova ordem dos afetos":
http://murilocorrea.blogspot.com/2012/11/a-rebeliao-da-memoria-os-afetos-da.html?spref=tw

Niara de Oliveira, de Pimenta com limão, com "Uma dor, um lamento, um pedido":
http://pimentacomlimao.wordpress.com/2012/11/26/uma-dor-um-lamento-e-um-pedido/

Raphael Tsavkko Garcia, de The angry Brazilian, com 'Batismo de sangue e anistia: quando iremos respeitar quem morreu por nós?"
http://www.tsavkko.com.br/2012/11/batismo-de-sangue-e-anistia-quando.html
Renata Lins, do Chopinho feminino, "De peito aberto - Texto de Afrânio Garcia": http://chopinhofeminino.blogspot.com.br/2012/11/de-peito-aberto-texto-de-afranio-garcia.html

domingo, 25 de novembro de 2012

Desarquivando o Brasil XLIII: Bob Wilson, ditadura e arte política

Uma das melhores coisas que vi no teatro foi uma montagem de Robert Wilson (ou Bob Wilson) para Quartett, de Heiner Müller, com Isabelle Huppert, que, no palco conseguia se transformar em fera, criança, homem e em várias outras formas de vida. Ela, a encenação e, naturalmente, o texto eram notáveis.
Há pouco, Bob Wilson voltou aos palcos do SESC em São Paulo com A ópera dos três vinténs, que não vi (os ingressos se esgotaram em poucas horas) e Lulu, de Wedekind.
A montagem de Lulu era bastante abstrata; em alguns momentos, lembrava-me Waltercio Caldas. A direção de atores era perfeitamente coerente com essa opção. A atriz principal, Angela Winkler, sempre com uma perturbadora voz suave, tinha momentos de autômato, o que iluminava diversas facetas da personagem.
Rock não é o estilo de música de que mais gosto (prefiro Alban Berg: https://www.youtube.com/watch?v=CZzT8e8PeqY), mas apreciei o trabalho de Lou Reed nas canções.  
No dia 25 de novembro, amanhã, verei a montagem de Macbeth, de Verdi. Trata-se de uma ópera em que o político, o psicanalítico e o sobrenatural se mesclam. Imagino que o diretor não enfatizará a questão política. No caso de Lulu, por exemplo, os cortes que o texto sofreu, e que devem ter comprometido o entendimento para quem não conhecia a história, incluíam nada menos do que a quebra da bolsa.
Todo o plano de fundo da crise do capital sumiu, despolitizando a peça. A encenação era muito bonita plasticamente e bastante virtuosística, mas saí sentindo que Wedekind era ainda melhor do que a encenação de Bob Wilson.
Décadas antes, em 1974, Bob Wilson veio ao Brasil montar A vida e época de Dave Clark no I Festival Internacional de Teatro, organizado por Ruth Escobar, em uma empreitada esteticamente e politicamente corajosa da atriz e produtora. Dois agentes do DOPS foram assistir ao espetáculo, que durou 12 horas, do dia 13 ao 14 de abril. Eis o relatório.



















Vários elementos destacam-se. O fato de os agentes não terem compreendido nada porque não falavam inglês é um detalhe com um aspecto cômico, embora realce as deficiências da educação no Brasil, que não foram resolvidas até hoje, muito pelo contrário. Acima, lemos que "Cada ato, conforme programa anexo, se desenrolava com enredo diferente e de difícil interpretação, principalmente porque era falado em inglês" e que "cantam uma canção, mas em inglês". Isso é o que foi divulgado para a comunidade de informações nesta Informação n. 293-B/74.
Em nota que não foi para a Informação, e ficou apenas no dossiê do próprio DEOPS/SP, lemos que "tanto eu, como meu companheiro, procuramos ouvir nas rodinhas que, se formavam nos intervalos, para saber qual o significado da "ópera", mas nada conseguimos".




















A boa imagem do domínio das línguas do DOPS/SP não poderia ser comprometida... Embora seja provável que alguns do que receberam o documento confidencial tivessem estranhado que um espetáculo de doze horas pudesse ter sido resumido a tão poucas linhas.
Um fato interessante é que o Dave Clark, na verdade, era Stálin. A mudança do título ocorreu devido à censura. Nesta matéria da Bravo, contam-se as dificuldades que Ruth Escobar enfrentou para trazer o espetáculo para o Teatro Municpal, e o encenador fala de nunca ter pensado que seu trabalho fosse político:
http://bravonline.abril.com.br/materia/a-vida-e-a-epoca-de-um-encenador#image=183-td-bob-wilson-1
No entanto, o que ocorria no teatro em 1974 era recebido como político, e da ordem da subversão. No relatório, lê-se o desconforto dos agentes com desejos diversos e ordens dos deles:

A platéia em sua maioria, era composta de jovens (hippie), com vestimentas extravagantes, principalmente do sexo masculino, que demonstravam sua euforia por poderem estar em ambiente propício ao uso do "unissex" e de quando em vez chegavam a trocar beijos com os parceiros, tal o contentamento de que estavam tomados.
Quanto a ópera, tal qual a maioria da platéia, também extravagante, pois não tinha seqüência normal. Cada ato, conforme programa anexo, se desenrolava com enredo diferente e de difícil interpretação, principalmente porque era falado em inglês - um toca fitas -, geralmente monólogo.
Além da homofobia, vê-se uma dificuldade com o que não é linear, com o que é o outro. Nisso, tais agentes encarnavam com fidelidade o próprio regime.Gostaria de lembrar aqui uma reflexão que Alexandre Nodari faz em sua tese (Censura: ensaio sobre a "sevidão imaginária") a partir de Milton:

Sublinha-se aqui o paradoxo inerente ao censor: ele deve conhecer ou experimentar o que deve proibir. A única saída possível é que ele, mais do que exemplar, seja excepcional, que possua uma virtude que os demais não possuam: assim, lemos em um texto anônimo publicado em 1975 na revista argentina Literal, “seu olhar deve controlar-se, seu desejo está a salvo do contágio, para ele é um dever fazer e ver aquilo que converte os demais em culpados quando o provam”. [p. 60]
A infiltração (em sindicatos, universidades) exigia essa experimentação do proibido. Neste caso, via-se que ela foi muito restrita, pois os agentes não tinham nem a língua nem a sensibilidade para apreender o que estava ocorrendo, e se contentaram em verificar uma quebra de expectativas estéticas e de comportamento que, no caso, não souberam avaliar.
A noção, na doutrina de segurança nacional, de que a guerra revolucionária tinha como primeira fase a propaganda adversa, uma ação "psicológica" para perverter os valores, fazia com que essa quebra de expectativas fosse considerada subversiva.
Em aula de 1969 na Escola Superior de Guerra, Aspectos da guera contemporânea - A guerra revolucionária, disponível na internet no Arquivo Ana Lagôa, lemos que o primeiro "tipo" de ações da subversão comunista corresponderia a:

[...] atividades que visam ao desmantelamento dos valôres tradicionais pelo desgaste físico e psicológico do poder constituído e de seus agentes, visando a obter o seu colapso; ao mesmo tempo em que se valem dos antagonismos existentes e os agravam, procurando suscitá-los, em áreas ainda não sensibilizadas. [p. 12]

Dessa forma, a primeira fase dessa guerra seria "a de preparo da ação, em que é tentada a conquista física e espiritual da população visada, mediante a aplicação de meios predominantes psicológicos" [p. 13, grifos do original].
Pouco importava que Bob Wilson não considerasse político o próprio trabalho: o contexto deu-lhe esse caráter. Em um contexto autoritário como no Brasil, o uso de outras linguagens estéticas já poderia ser tipificado como subversivo - e vários nomes da Tropicália, embora esnobados por membros da canção de protesto, sofreram a repressão por essa causa. Os militares, nesse sentido, foram mais sensíveis politicamente do que os estudantes, no teatro Tuca em São Paulo, que vaiaram "É proibido proibir" de Caetano Veloso em 1968. Parte da esquerda, por sinal, ainda hoje, como lembra Flávia Cera, tem dificuldades com as diferenças e as singularidades: "E existe alguma coisa do desejo, alguma coisa do sujeito, que não sucumbe ao poder, é essa singularidade, essa coisa sem significante e inapreensível, que guarda secretamente as possibilidades de mudança."
http://www.culturaebarbarie.org/mundoabrigo/2011/01/tropicalia-corpos-etc.html

Nisso, como em tantos outros aspectos, a ditadura é a imposição de uma língua única.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

VI Blogagem Coletiva e Desarquivando o Brasil XXVII a XLII

A jornalista Niara de Oliveira, nesta semana, fez uma convocação para a VI Blogagem Coletiva #DesarquivandoBR, que ocorrerá do dia 23 a 26 de novembro de 2012. Dela participarei, e sugiro o mesmo para outros blogues. Mais detalhes, bem como as publicações das edições anteriores, podem ser lidos no portal desta campanha em prol da justiça de transição no Brasil:

http://desarquivandobr.wordpress.com/2012/11/20/convocacao-da-6a-blogagem-coletiva-desarquivandobr/

A blogagem, desta vez, tem como catalisador o aniversário de dois anos da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro no Caso Gomes Lund e Outros, também conhecido como Caso Araguaia, que segue descumprida. No dia 24 de novembro, para denunciar a inação do governo federal, haverá um tuitaço a partir das 21 horas com o tópico  #DesarquivandoBR.
A sentença, de 24 de novembro de 2010, pode ser lida nesta ligação: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf

Na V Blogagem, reuni as referências das minhas notas sobre justiça de transição em duas publicações:

V Blogagem Coletiva e Desarquivando o Brasil, de I a Xhttp://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/03/v-blogagem-coletiva-e-desarquivando-o.html

V Blogagem Coletiva e Desarquivando o Brasil, de XI a XXVI: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/03/v-blogagem-coletiva-e-desarquivando-o_28.html

Antes de produzir um texto novo para a VI Blogagem, consolido agora as notas posteriores, que trataram de assuntos variados no tocante ao direito à memória e à verdade, destacando excertos das publicações.


Desarquivando o Brasil XXVII: Advertências de Millôr: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/03/desarquivando-o-brasil-xxvii.html  (28/03/2012)

No quadrado do JB em oito de abril de 1985 (republicado no primeiro volume do Diário da Nova República), ao lado de um desenho que combina um autorretrato com formas geométricas, escreveu apenas esta indagação: "Como eu nunca vivi numa democracia, de repente me pergunto: 'Deus do céu, e se democracia for isso mesmo que está aí?'"


Desarquivando o Brasil XXVIII: Anistia, a Rebelião dos Marinheiros e Eliana Calmon http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/03/desarquivando-o-brasil-xxviii-anistia.html (29/03/2012)

As diversas matérias jornalísticas feitas com a magistrada Eliana Calmon, membro do Conselho Nacional de Justiça, destacaram sua atuação contra o corporativismo e ilegalidades no Judiciário. Poucas vezes foi destacada a interpretação que ela deu à lei de anistia em seus tempos de primeiro grau na Justiça Federal na Bahia.

 

Desarquivando o Brasil XXIX: Desaparecidos: os homens e os direitos http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/03/desarquivando-o-brasil-xxix.html (31/03/2012)

Para ocultar o assassinato de Wilson Silva, militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), em uma informação do Ministério do Exército, de 1974, foi escrito que "há subversivos cujos desaparecimentos são imputados aos Órgãos de Segurança".


Contra a ditadura militar: o Cordão da Mentira e Armando Freitas Filho segundo Renan Nuernberger http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/contra-ditadura-militar-o-cordao-da.html (01/04/2012)

O Cordão da Mentira vem "repudiar o evento de celebração do golpe militar de 1964, realizado no Círculo Militar do RJ, e a ação violenta da Polícia Militar do RJ contra os manifestantes no dia 29/3/12

 

Desarquivando o Brasil XXX: Comissão da Inverdade, Cordão da Mentira e os juristas http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/desarquivando-o-brasil-xxx-comissao-da.html  (01/04/2012)

No campo do direito, há pelo menos duas formas de negar o direito à verdade: pode-se simplesmente afirmar o oposto do que aconteceu, e usar esse oposto para fundamentar decisões judiciais, como fez o Supremo Tribunal Federal, embora ainda supostamente afirmando esse direito, ou elaborar uma doutrina jurídica que negue sua existência.

 

Desarquivando o Brasil XXXI: mais do Cordão da Mentira http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/desarquivando-o-brasil-xxxi-mais-da.html (04/04/2012)

Na nota que escrevi às pressas para participar da blogagem coletiva, "Desarquivando o Brasil XXX: Comissão da Inverdade, Cordão da Mentira e os juristas", incluí um panfleto de 1979, apreendido pela polícia em São Paulo, da campanha pela Anistia.

 

Desarquivando o Brasil XXXII: Memória, tortura e silêncio http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/desarquivando-o-brasil-xxxii-memoria.html (10/04/2012)

Deve-se lembrar que a estratégia dos HIJOS ocorreu em resposta às anistias que os agentes da repressão conseguiram na Argentina depois dos julgamentos no governo Alfonsín. O escracho, lá como no Brasil, decorre de uma demanda pela justiça e pela memória, que deve voltar-se também para a pesquisa dos arquivos. 

 

Desarquivando o Brasil XXXIII: A poesia de Julián Axat e o genocídio na Argentina http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/desarquivando-o-brasil-xxxiii-poesia-de.html (11/04/2012)

Eduardo Sterzi me pediu, e escrevi o artigo "Biopoder e biopoética na poesia de Julián Axat: yluminarya e o genocídio na Argentina" para a revista Literatura e autoritarismo

 

Desarquivando o Brasil XXXIV: Emancipação dos índios e genocídio no Brasil http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/desarquivando-o-brasil-xxxv-emancipacao.html (19/04/2012)

Neste dia do índio, decidi lembrar de um relatório de espionagem, pela Polícia Civil de São Paulo, da  30ª Reunião  da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que ocorreu em 1978, ainda durante o governo Geisel.

 

Desarquivando o Brasil? Os nomes da Comissão Nacional da Verdade http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/05/desarquivando-o-brasil-os-nomes-da.html (11/05/2012)

Após alguns meses da aprovação da lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, o governo federal logrou indicar os nomes da Comissão Nacional da Verdade.
O presidente do Núcleo de Preservação da Memória Política do Memorial da Resistência em São Paulo, Ivan Seixas elogiou a escolha dos integrantes,[...]


Desarquivando o Brasil XXXV: Emicida, racismo e polícia http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/05/desarquivando-o-brasil-xxxv-emicida.html (18/05/2012)

"Tevê cancerígena aplaude prédio em cemitério indígena./ Auschwitz ou gueto? Índio ou preto? / Mesmo jeito, extermínio [..]", versos de Emicida em Dedo na ferida. O rapper foi preso neste treze de maio por desacato, leio no twitter, por causa dessa música, em Belo Horizonte. 

 

Desarquivando o Brasil XXXVI: Comissão da Verdade e a USP vigiada http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/05/desarquivando-o-brasil-xxxvi-comissao.html (26/05/2012)

As aulas de Comparato, veja-se, também eram vigiadas. Neste trecho de um relatório de maio de 1973 sobre a Faculdade de Direito da USP, conta-se que esse professor criticava muito o regime (e a direção da Faculdade).  


O Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais e Desarquivando o Brasil XXXVII http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/07/o-instituto-direito-e-movimentos.html (17/07/2012)

Foi criada, em 9 de julho de 2012, a seção do Rio de Janeiro do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais, consequência do II Seminário Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais, que ocorreu em abril deste ano na Universidade Federal de Goiás.

 

Desarquivando o Brasil XXXVIII: a propósito do movimento estudantil http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/07/desarquivando-o-brasil-xxxviii.html (27/07/2012)

Em uma das fichas feitas pelo serviço secreto do DOPS/SP, mencionam-se discursos de Serra em apoio ao governo João Goulart e às reformas de base. Em uma dessas ocasiões, relata-se que ele foi mais aplaudido do que o então presidente da república


Desarquivando o Brasil XXXIX: Condenações póstumas de Paulo Stuart Wright? http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/08/desarquivando-o-brasil-xxxix.html (11/08/2012)

A lei estadual n. 15.450, de 17 de janeiro de 2011, teve como origem projeto da deputada Angela Albino (PCdoB) e atribuiu a uma rodovia de Santa Catarina o nome do ex-deputado estadual Paulo Stuart Wright. Tratava-se de medida de reparação histórica.

 

Desarquivando o Brasil XL e Terra sem Lei VII: Genocídio de índios no Brasil e certa esquerda de hoje http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/10/desarquivando-o-brasil-xl-e-terra-sem.html (24/10/2012)

Segundo documentos congêneres, considerava-se que o outro, em relação à cidade, era apenas o campo. No entanto, havia outros, que não eram percebidos, em relação a esse binômio cidade-campo, como a floresta. No fundo, cidade e campo eram apenas diferentes espaços, economicamente especializados, da mesma cadeia produtiva. O que não podia ser visto nessa cadeia, e era um outro mais radical, simplesmente era ignorado, mesmo pelos revolucionários. Tal era o défice antropológico do entendimento que essa esquerda tinha do Brasil.

 

Desarquivando o Brasil XLI: EBC, Operação Condor e João Goulart http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/10/desarquivando-o-brasil-xli-ebc-operacao.html (28/10/2012)

Christopher Goulart, durante as respostas, expõs a visão de que seu avô "era um líder que buscava as reformas estruturais para o país que até hoje ainda não foram consolidadas como: na área fiscal, tributária, urbana", como já havia dito no depoimento que deu à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 2008.  


Desarquivando o Brasil XLII: Intelectuais perseguidos e Comissões da Verdade na UnB e na USP http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/11/desarquivando-o-brasil-xlii.html (06/11/2012)

A Comissão da Verdade da Universidade de Brasília vai realizar sua primeira audiência pública com a Comissão Nacional da Verdade no dia 6 de novembro de 2012. O tema será o caso do ex-reitor Anísio Teixeira, cassado já em 1964, "que morreu em circunstâncias suspeitas no Rio de Janeiro, em 1971" [...]


P.S.: Já se integrou à campanha o professor de direito Murilo Duarte Costa Corrêa com "A rebelião da memória: os afetos da ordem e uma outra ordem dos afetos":

http://murilocorrea.blogspot.com.br/2012/11/a-rebeliao-da-memoria-os-afetos-da.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed:+blogspot/murilocorrea+%28A+Navalha+de+Dal%C3%AD%29

 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Terra sem lei VIII: Os Guarani Kaiowá e o gozo perverso da solução final


Foi recentemente encomendada pela CNA uma pesquisa sobre os índios no Brasil a uma empresa especializada no ramo cuja metodologia é, às vezes, criticada (por exemplo: http://www.redebrasilatual.com.br/blog/blog-na-rede/datafolha-da-empate-blogueiros-apontam-erros-tecnicos).
Curiosamente, o próprio jornal a que se liga essa empresa, e a presidenta da CNA, uma das colunistas desse periódico, passaram a veicular estranhos textos com um arrazoado mais ou menos neste sentido:

a) Índio quer tevê;
b) Quem quer tevê não é índio;
c) Se não é índio, não precisa de terra indígena;
d) Se não há mais terra indígena, liberou tudo para os amigos do poder, isto é, grileiros e empreiteiras.

Não tenho acompanhado toda essa campanha de inspiração racista; sei que tais ataques inspiraram uma campanha que cobra direito de resposta em uma revista semanal de variedades, que já, no passado recente, inventou declarações contra os índios que teriam sido dadas pelo grande Eduardo Viveiros de Castro. O antrópologo mostrou a falsidade da matéria da revista.
Vejam aqui a campanha:

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21278

Sobre a letra a do arrazoado estatístico-jornalístico, podem-se apontar diversas inconsistências já no mero plano técnico. As diversas deficiências metodológicas da pesquisa foram devidamente ressaltadas pelo ISA (Instituto Socioambiental) em CNA lança cortina de fumaça sobre disputa por terras indígenas:

http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-11-15-164702

Note-se que há um empate técnico com a questão da terra, e, para algumas regiões, essa era a questão mais importante, mas isso foi ocultado pelo jornal, pois comprometeria os itens c e d.
Há outro problema, de fundo: quem disse que o índio deixa de sê-lo por querer tevê? Este artigo do professor Renzo Tadei, Guarani Kaiowá e as perversidades do senso comum,bem ataca a a equivocada premissa:  http://envolverde.com.br/ambiente/artigo/guarani-kaiowa-e-as-perversidades-do-senso-comum/

A questão se apresenta de forma pervasiva até entre gente politicamente progressista: na Cúpula dos Povos da Rio+20, uma grande amiga, ativista, me confidenciou ter ficado espantada ao ouvir de lideranças indígenas que eles gostariam de ter energia elétrica, saneamento, escolas. Eram afirmações que contrariavam suas expectativas “romanceadas”, nas suas próprias palavras, a respeito dos índios.
Por que é tão difícil aceitar a ideia de que quando o índio diz querer escola, ele não está fazendo nenhuma declaração sobre a sua identidade? Porque, dentre muitas outras coisas, identidade é paranoia de não-índio, mas não (necessariamente) paranoia de índio. Aqui começamos a chegar a algum lugar: é muito incômodo conviver com alguém que não compartilha nossas paranoias.
No caso dos índios, temos uma organização não-estatal (segundo Pierre Clastres, "contra o Estado"), e uma forma de vida que tem um caráter de radical alteridade às sociedades estatais. De acordo com Eduardo Viveiros de Castro, trata-se de sociedades contra o Um; o antropólogo vê no múltiplo dos índios um projeto de futuro, não uma relíquia do passado.
Esse projeto de futuro, claro, é contrário aos parasitas do Estado, isto é, aquelas empreiteiras e grileiros, bem como seus porta-vozes. Volto ao texto de Tadei, que sustenta que a recusa dos índios ao Estado é a recusa a uma lógica que os tornaria marginais, marginais como são os "urbanitas ocidentalóides":

Os índios resistem à ideia de que o centro do mundo passe a residir em outro lugar – em Brasília, por exemplo. Ou seja, resistem ao processo que os faz marginais. A marginalização, tomando a expressão de forma conceitual (ou seja, fazendo referência a quem está nas margens, nas bordas ou periferia), pode se dar deslocando-se alguém para a periferia do mundo, ou deslocando o centro de lugar, de modo que quem era central passa a ser periférico, e, portanto, marginal. De certa forma é exatamente isso que o Brasil oferece aos indígenas. Mas quem é que quer ser marginal? O que a imensa maioria de nós, urbanitas ocidentalóides, não percebemos é que é isso, exatamente, que o Estado faz conosco.
Temos que lembrar que a campanha de inspiração racista contra os Guarani Kaiowá e outros grupos indígenas no Brasil decorre, em parte, da proteção constitucional que suas terras receberam com a Constituição de 1988. Devido a essa proteção jurídica, entende-se que a presidenta Rousseff tenha decidido dificultar as demarcações de terras indígenas (http://oglobo.globo.com/pais/dilma-dificulta-demarcacao-de-terras-indigenas-4786861), o que levou ao 19 de abril de 2012 ter passado em branco em nível federal, sem demarcações novas, e que o Congresso Nacional discuta um projeto de emenda para transferir as demarcações para os Estados, onde as pressões locais dos empreiteiros e grileiros podem ser ouvidas com mais persuasão.
A revista Veja, em matéria de bem outro nível intelectual, reclamou, assim como a presidenta da CNA, de que antropólogos eo CIMI querem que os índios continuem pobres. Há limites para a falta de inteligência, mas eles são muito vastos e conseguem abrigar essa reportagem. A pobreza existe em sociedades de classes, o que não é o caso dos índios, que não precisam de ajuda do Estado se têm terra para sobreviver - assim mostram as pesquisas. São os índios sem terra que precisam de subvenções.
Esses que desejam tirar a terra dos índios e torná-las em fator de produção querem exatamente arremessar essas populações ao mundo da sociedade de classes, ao universo da pobreza, sob a máscara de um devastador progresso.
Enfim, essa campanha nos meios de comunicação, sob as máscaras do progresso e da produtividade econômica, é uma espécie de gozo perverso da solução final: "Veja, conseguimos exterminar os índios no Brasil, a tal ponto que nem os índios não se reconhecem mais como tal; e, se incautos insistirem no erro de identidade, nossas estatísticas mostrarão que estão errados, nossas liminares judiciais também, assim como nossas balas."
Genocídio é crime no direito internacional, e até no direito brasileiro (como expliquei aqui: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/01/belo-monte-e-mautner-kaos-em-favor-da.html). Vangloriar-se dele, que é o que se faz em tais campanhas derivadas da estranha pesquisa encomendada, em nome da "civilização", da "expansão do consumo", do crescimento da classe média de 291 reais do mundo maravilhoso do IBGE, é deplorável.
Por isso, deve tanto incomodar que diversos brasileiros estejam adotando Guarani Kaiowá nos nomes em redes sociais, como eu mesmo acabei fazendo, convencido pela posição contrária de um professor de filosofia da FAAP e da PUC de São Paulo (bem como colunista daquele jornal). Trata-se da afirmação simbólica de uma identidade, contra o extermínio simbólico (também está ocorrendo na ordem do real, os dois caminham juntos) dessa etnia pelos veículos de comunicação e pelo Estado brasileiro.
Aquele professor de filosofia, Pondé, cuja ignorância de Foucault já mostrei em outra nota neste blogue (http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/02/policia-direitos-humanos-e-o-lugar.html), cai direto na medicalização do poder dizendo que esses que lutam contra o extermínio simbólico dos indígenas são "doentes mentais". E aventa razões como falta de sexo para essas pessoas que não acham, como ele, que deve haver extermínio da cultura indígena (à qual não deveríamos nada, ele ousa dizê-lo) por meio da integração a nosso mercado de trabalho...
Foucault logo entenderia a estratégia desta retórica mais jornalística do que filosófica, e diria que é esse mesmo o papel desses lacaios do poder, desses intelectuais a soldo. É a forma como podem gozar.

P.S.: A imagem que me serve de rosto neste blogue é de uma máscara feita por índios argentinos, da qual tirei foto no Museu de La Plata. Eu já estava nessa de volta às origens (sim, tenho ascendência indígena) antes de ser decretado doente pelos pensadores da direita nacional... 

P.S. 2: José Ribamar Bessa Freire explica como a ressignificação da "abreugrafia" por Kátia Abreu gerou um corte epistemológico sem precedentes na Antropologia: http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=1008

P.S. 3: Eliane Brum mandou duas perguntas a pessoas de diferentes áreas, inclusive eu mesmo: 1) O que significa dizer nas redes sociais “Sou Guarani Kaiowa”, assim como acrescentar “Guarani Kaiowa” ao próprio nome?; 2) Por que há um movimento tão forte e abrangente nas redes sociais neste momento, quando o processo de genocídio dessa etnia indígena vem ocorrendo há décadas?
As respostas dos antropólogos Luísa Molina e Eduardo Viveiros de Castro, da filósofa Marcia Tiburi, do professor de Letras Idelber Avelar, da psicanalista Rita de Cássia de Araújo Almeida e de ex-senadora e ambientalista Marina Silva podem ser lidas no texto Sobrenome: "Guarani Kaiowa", bem como as considerações do antropólogo e Guarani Kaiowá Tonico Benites sobre sua própria identidade: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/11/sobrenome-guarani-kaiowa.html

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Memória como reserva de mercado V: Astros e historiadores


O projeto de reserva de mercado para os historiadores com diploma em história, que nasceu da pena do senador Paulo Paim (PT/RS), foi aprovado no último 7 de novembro: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=92804 Segue para a Câmara dos Deputados, onde espero que seja rejeitado.
O Senado Federal teve outros episódios recentes de hostilidade contra a História, como este caso clamoroso de esquecimento politicamente interessado realizado por Sarney e historiadores amigos do poeta e político: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2011/06/jose-sarney-ou-o-esquecimento-como.html
Mencionei o projeto pela última vez nesta nota: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/08/policia-do-pensamento-e-reserva-de.html

A incapacidade de pensar o país (ou de pensar tout court) é, provavelmente, um dos fatores que fazem com que o Congresso Nacional esteja se dedicando mais a atender grupos de interesses do que a vislumbrar horizontes mais largos. A amnésia militante do projeto de reserva de mercado para os historiadores é um exemplo [...]
Esse tipo de medida legislativa é exemplar do modus operandi da classe política no Brasil: criar barreiras e impedimentos. O Brasil continua a ser uma grande fazenda improdutiva em que políticos querem criar seus currais e colocar porteiras. Cartórios, depois, registram as apropriações.
A aprovação marcou-se, como já fiz notar, por pareceres de ligeireza absurda, que logo assinalam o desprestígio da educação na classe política brasileira (o que inclui o tão raso documento assinado por Cristovam Buarque: http://www6.senado.gov.br/mate-pdf/70453.pdf). Não se trata de matéria que tenha realmente merecido alguma reflexão de tais excelências, com exceção dos dois senadores que votaram contra o projeto, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP) e Pedro Taques (PDT/MT).
A Folha de S.Paulo publicou matéria de Fernando Rodrigues, em 10 de novembro, criticando a aprovação, o que logo gerou singular resposta da ANPUH: http://www.anpuh.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=3607
A Associação, muito em conformidade com o espírito do projeto, começa a resposta com o discurso da autoridade: eles, que são "historiadores profissionais", sabem, e o pobre Fernando Rodrigues, não. Ele não teria sido capaz de analisar o projeto, já que não saberia elaborar um "discurso de prova". E mais: "Em nenhum momento este projeto veda que pessoas com outras formações, ou sem formação alguma, escrevam sobre o passado e elaborem narrativas históricas." Assina a nota o presidente da ANPUH, Benito Bisso Schmidt, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Essa nota involuntariamente atesta como a pesquisa histórica não deve, de forma alguma, tornar-se monopólio dos historiadores com o diploma do artigo terceiro do projeto, já que nem mesmo o presidente da Associação Nacional mostra-se capaz de ler corretamente um documento legislativo, embora a redação final do projeto não apresente muita sutileza: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=116414&tp=1

Art. 1º Esta Lei regulamenta a profissão de historiador, estabelece os requisitos para o exercício da atividade profissional e determina o registro em órgão competente.
Art. 2º É livre o exercício da atividade profissional de historiador, desde que atendidas as qualificações e exigências estabelecidas nesta Lei.
Art. 3º O exercício da profissão de historiador, em todo o território nacional, é privativo dos portadores de:
I – diploma de curso superior em História, expedido por instituição regular de ensino;
II – diploma de curso superior em História, expedido por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
III – diploma de mestrado ou doutorado em História, expedido por instituição regular de ensino superior, ou por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação.
Art. 4º São atribuições dos historiadores:
I – magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior;
II – organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História;
III – planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica;
IV – assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica;
V – assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação;
VI – elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.
Art. 5º Para o provimento e exercício de cargos, funções ou empregos de historiador, é obrigatória a apresentação de diploma nos termos do art. 3º desta Lei.
Art. 6º As entidades que prestam serviços em História manterão, em seu quadro de pessoal ou em regime de contrato para prestação de serviços, historiadores legalmente habilitados.
Art. 7º O exercício da profissão de historiador requer prévio registro na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do local onde o profissional irá atuar.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
O artigo 5º, ao contrário do que faz supor a frágil hermenêutica da ANPUH, garante a reserva de mercado, a ser cartorialmente fiscalizada segundo o artigo 7º. Logo, a História da Arte tornar-se-á feudo exclusivo de pesquisadores com diploma em História. A História do Direito submeter-se-á ao cercamento dessas mesmas pessoas, mesmo que desconheçam a diferença entre lei extravagante e legisladores extravagantes, como nossos excelentíssimos senadores. A História da Música não poderá ser ensinada pelos professores de Música, e sim por historiadores diplomados que talvez não saibam distinguir um intervalo de segunda menor de um de terça maior. História da Matemática, idem, mesmo que o historiador saiba somar tão bem quanto o pessoal da ANPUH sabe interpretar projetos de lei.
Tendo em vista a historicidade de tudo que é social, a vastidão de possibilidades profissionais sugeridas por essa excrescência legislativa, ainda no estado de projeto, atordoa.
O senador Aloysio Nunes Ferreira levantou o problema: http://www6.senado.gov.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=1&datDiario=08/11/2012&paginaDireta=59522

Considero, Sr. Presidente, com todo o respeito, que o projeto incorre num profundo equívoco, na medida em que torna privativo daqueles que concluíram o curso de História na universidade lecionar em matérias que tratem de história.
Darei um exemplo a V. Exª dos absurdos que essa situação pode criar. Por exemplo, num curso de história se faz apelo a um estatístico para tratar de algum aspecto sobre a disciplina. Não pode. Por quê? Porque o estatístico não é formado em História, logo não pode dar curso de história, não pode lecionar num curso de história se este projeto for aprovado. Nem graduação nem pós-graduação.
Imagine V. Exª um curso de pós-graduação em História. Há o interesse de se ouvir um sociólogo, um economista ou um jurista para ministrar um aspecto particular daquele curso de pós-graduação. Não pode. Por quê? Porque não são formados em História, logo
não pode dar aulas em curso de História. Quer dizer, é uma coisa completamente absurda, penso eu.
O Evaldo Cabral de Mello talvez não pudesse dar aula. Não sei se ele é formado em História. Alberto da Costa e Silva, o grande historiador das relações do Brasil com a África, um dos maiores historiadores vivos do Brasil, escreveu um livro magnífico: Um Rio Chamado Atlântico, que resgata as raízes africanas do Brasil, não pode dar aula de história da África. Por quê? Porque ele é diplomata. Ele se formou pelo curso do Itamaraty.
Sr. Presidente, estamos caminhando para a república corporativa do Brasil. Essa que é a verdade. Corporação atrás de corporação exige o seu nichozinho de atividade exclusiva em prejuízo, por exemplo, da universalidade do conhecimento.
Nenhum debate saiu disso. A indigência intelectual do Congresso foi reiterada pela senadora Ana Amélia (PP/RS), que, ao retrucar, simplesmente leu dois parágrafos do parecer de Flexa Ribeiro (PSDB/PA) cuja inconsistência já ataquei neste blogue.  
É claro que, tendo em vista a Constituição da República e a jurisprudência do Supremo Tribunal  Federal sobre liberdade profissional, o projeto não poderia prosperar. No entanto, tendo em vista o diminuto compromisso com a constitucionalidade mostrado pelo Congresso Nacional, que já aprovou reserva de mercado para manicures (http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/08/policia-do-pensamento-e-reserva-de.html), é possível até que mais esta aberração legislativa seja criada.
Trata-se de uma aberração de ordem jurídica, mas também teórica: epistemologicamente, a história não pode ser considerada um condomínio fechado. Deveriam poder pesquisá-la e lecioná-la todos os pesquisadores de áreas correlatas. Ademais, mesmo levando em consideração que há historiadores sem diploma em histórias, outras disciplinas também produzem saberes sobre o passado, e "Dizer o que foi não é monopólio dos historiadores", como lembra este professor aos vinte minutos deste vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=m3h2m5l3Bcg
Essa radical recusa à interdisciplinaridade com a política de porteiras trancadas da ANPUH não seria um retorno a uma epistemologia oitocentista? Se o fato histórico é uma construção que depende, entre outros fatores, das perguntas postas pelo historiador, impedir que outros profissionais, que não os do artigo terceiro do projeto, possam exercer as funções do artigo quarto significa um fechamento de horizontes na produção do conhecimento histórico. O caráter autoritário do fetiche do diploma da ANPUH desnuda-se nesse ponto.
Nem mesmo o Estatuto da ANPUH parece-me corroborar o obscurantismo corporativista da Associação: http://www.anpuh.org/estatuto
ARTIGO 5º - A ANPUH tem por objeto a proteção, o aperfeiçoamento, o fomento, o estímulo e o desenvolvimento do ensino de História em seus diversos níveis, da pesquisa histórica e das demais atividades relacionadas ao ofício do historiador.

Parágrafo primeiro - No cumprimento de seus objetivos, a ANPUH poderá por si ou em cooperação com terceiros:
 (a) Desenvolver o estudo, a pesquisa e a divulgação do conhecimento histórico;
(b) Promover a defesa das fontes e manifestações culturais de interesse dos estudos históricos;
(c) Promover a defesa do livre exercício das atividades dos profissionais de História;
O "livre exercício" está sendo traído pela própria política da ANPUH. A não ser que se redefina "profissional de História" como somente aquele que atende ao artigo terceiro do projeto de lei do senador Paim. Porém, se houver essa redefinição, teremos um exercício privativo, e não "livre".
O vídeo que acima indiquei deixa bem claro que a preocupação da ANPUH se trata antes de ocupação de espaços de poder do que de alguma coerência teórica. A partir dos 26 minutos, o professor menciona tarefas que devem ser feitas depois da suposta aprovação do projeto: "quais seriam as particularidades do ato histórico por analogia ao ato médico", e como "fiscalizar" os outros profissionais que se ocupam do passado.
Por fim, os astros: a economista Renata Lins enviou-me um quadro comparativo sobre antigos projetos para regulamentação da profissão de astrólogo,  que já previam a terceirização das estrelas e planetas (com o astrólogo pessoa jurídica). No entanto, não se previu reserva de mercado, o que punha esses projetos anos-luz, em termos políticos e também epistemológicos, à frente do que a ANPUH pretende.

P.S.: Idelber Avelar chamou-me a atenção para esta afirmação no twitter:
https://twitter.com/perhappiness/status/271088997667856384 
O presidente da ANPUH cita esse autor...
P.S. 2: Para quem não entendeu como é que eu, formado em Direito, posso não ter este afeto triste pelas regulamentações, já tratei um pouco da questão aqui:
http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/01/quem-domina-teoria-e-quem-domina-o.html


domingo, 11 de novembro de 2012

Ainda o novo livro, Cálcio, e o Auto de resistência

O jurista Moysés Pinto Neto (http://moysespintoneto.wordpress.com/) teve curiosidade por este poema, do qual eu havia transcrito apenas o início neste blogue, pois era o que eu pretendia ler em Belo Horizonte no ano passado (mais do que aquilo seria abusar da paciência do público).
Como escrevi em outra nota (http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/11/novo-livro-calcio.html), ele integra o Cálcio (Lisboa: Averno, 2012). O poema cruza algumas histórias, como a da polícia infiltrando-se e reprimindo um movimento de professores, o do secretário de educação que logra doutorar-se durante uma refeição, e cujo trabalho é simplesmente destruir o alfabeto, o do juiz com parâmetros éticos alternativos dando liminares contra os professores, e inclui uma etnografia imaginária (gosto desse gênero, que tento seguir desde Cinco lugares da fúria), de um povo exterminado porque sua língua desconhecia o ponto final.



Auto de resistência


I

o sangue ensina:
os professores
sob cassetete;

o sangue esquece:
nos professores
quem já se infiltra

é a polícia
e os corredores
trocam de pele

como quem veste
todas as cores
carnificinas;

o sangue ensina
aos professores
que não se aprende

senão na pele;
“já não são dores,
mas honrarias

isto que ensina
aos professores
o cassetete:

os corpos febres
transformadores
do que extermina

na própria vida”
e os corredores
caem inertes

sobre os pedestres,
nos vestem hoje
do ontem em dia.


II.1

– Abedeéfe
jotaxiséle
emeteú
zedabliú.
– Tá tudo em ordem!
Só falta o nome
do seu trabalho.
– Este mestrado
deu muita fome.
As letras somem
do norte ao sul,
do cê ao u
quase me perdem.
– Você é mestre
e já consegue
ler o cardápio.
Não encha o saco.


III

Por lecionar,
aprendo a fome.
 

A fome ensina,
isso aprendemos
.

– É professor,
pesquisador,
parecerista.
– Porém trabalha?

Nada a aprender
senão a fome.
 

Assim o mundo
nos alimenta.


– Para viver,
virou palhaço
profissional.
– E já não era?

Chamar o mundo
de nossa fome;
 

eis o alimento
que cultivamos.



IV

– Primeiro a bomba,
depois o tiro.
– Primeiro o tiro,
depois a honra.
– Jamais a honra
sem o inimigo.

– Iremos todos
já recebê-lo.
– Sim, recebê-lo
com todo o fogo.
– Tomar-lhe o fogo,
nosso desejo.

– Não basta a bomba,
se resta o nome.
– Queimar o nome,
se ainda soa.
– As cinzas soam
o corpo do homem.

– Não basta o tiro,
se resta a língua.
– Queimar a língua
é terrorismo?
– Não. Terrorismo
é a poesia,

que diz não basta
à própria língua.
– Queimar a língua,
todas palavras,
pois sem palavras
nos basta a cinza.

– Odiar política,
amar polícia.
– Amar o tiro,
sem terrorismo.
– Pra eles, bomba.
Eles são contra.


II.2

– A, depois bê,
mas ninguém vê
como prossegue.
– Você é mestre,
o doutorado
dá mais trabalho.
– Mas o alfabeto,
se for completo,
é muito chato
e autoritário.
Ninguém o segue,
nem o cedeéfe.
– Mas é você
quem vai deter
a via do tê
ao u, o acesso
ao vê? – Correto!


V

(um fogo sangra:
as faculdades
sob a gestão
da Segurança;

um fogo cala:
nas faculdades
nada a aprender
salvo a gestão,

que torna o fogo,
antes da chama,
direto em cinza;

segura, a vida
administrada
aprende o frio)

– administrar
o fogo, isto é,
gerir a cinza.
– tornar a cinza

a educação
do próprio corpo.
– tornar-se cinza
ou respirar

o próprio sopro.
– uma didática
pela asfixia!

– nas faculdades
nada a acender
senão o frio.

(da rua à lei,
em cada passo
um sangue esfria
numa cidade

que antes unira
e ora separa
corpo e desejo,
o fogo e a fala,

já corrigidos
de terem sido
uma cidade;

na lei, na rua,
a cada passo
o frio caminha)

– corrupto? mas
segue o sistema;
o que não pode
é juiz de esquerda.

– corregedor
no tribunal
e professor
quarenta horas,

deu liminar
às faculdades.
– os professores

vão aprender
sob fogo a lei?
– pois a lei sangra.


VI

Este povo primitivo escrevia com pegadas. Para ler, seus membros tinham de olhar para o chão, incapazes de transcendência, impotentes para perceber quando as nuvens apagariam o discurso. Ademais, eram obrigados a caminhar para escrever e a escrever ao caminhar, errância celebrada do sentido, esses vagabundos não poderiam ir longe. Nas celas não há espaço para se movimentarem, não mais confundirão a palavra com o solo, é o fim da terra como alfabeto, não poderão comunicar uns aos outros a sentença escrita na tampa do alçapão.
Os antigos enólogos (pesquisavam etnias, o curso deles foi fechado depois que todas as bolsas foram direcionadas à pesquisa de água transgênica e de extração aérea de cinzas para combustível) recolheram uma história dos primitivos de que a fome originou-se de um erro de grafia, de uma trilha errada na floresta. Em vez de caminharem para o sol-peixe, foram para o sol-poente, e não acharam o caminho de volta por causa de um problema de pontuação, não lembro bem, acho que essa lenda surgiu porque, antes do contato com os civilizados, a língua deles não conhecia o ponto final.


II.3

– A, depois a,
sem blabablá!
Sou Secretário
e o meu trabalho
na educação
não é em vão:
o fim das letras
vem sem tristeza.
Sabem ler? Não,
nem notarão
que o abecedário
foi apagado.
– Como avaliar
o ano escolar
se só resta o A?
– A sobremesa!
Ah! Ah! Ah! – Eta!


VII

Sob cassetetes.

Se amputarmos a perna,
sobreviverá.

Deixemo-lo inteiro;

batizaremos a gangrena
com o nome do corpo.

sábado, 10 de novembro de 2012

Novo livro, Cálcio

O poeta português Manuel de Freitas, editor da Averno (http://editora-averno.blogspot.com.br/), lançou há pouco um livro de poesia meu, Cálcio, já disponível na livraria Paralelo W (http://paralelow.blogspot.com.br/), de onde retiro esta foto.


A impressionante imagem da capa, selecionei-a, por sugestão de Fabio Weintraub, da notável obra de Claudio Mubarac (http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=1440&cd_idioma=28555).
Publiquei neste blogue um ou outro poema do livro, que podem dar uma ideia de seu caráter. Listo-os:

I. "Auto de resistência", em homenagem aos professores mineiros em greve, que eu teria lido na cerimônia de entrega do prêmio do governo do Estado de Minas Gerais, se ela não tivesse sido remarcada para uma data que impossibilitou minha presença. Começa assim:

o sangue ensina:
os professores
sob cassetete;

http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2011/12/algo-como-um-poema-auto-de-resistencia.html


II. Minha homenagem ao urbanismo carbonizador de São Paulo, 'Úlcera", a partir de Heine:

Onde se queimam livros,
pessoas serão queimadas?
Sou prefeito e não leio.
Prédios são meu negócio.


http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/01/algo-como-um-poema-onde-se-queimam.html


III. Um poema inspirado pelo empreendimento contrário ao direito internacional, inconstitucional, ecocida etc., que é o monstrengo elétrico de Belo Monte, "Monumento e passagem":

Substituir a história pelo monumento,
a primeira medida oficial
depois do massacre.

http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2011/11/algo-como-um-poema-construcao-de-uma.html


IV. Poemas com ossos, "As mandíbulas", inspirado em Alberto Heredia (http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2011/02/partir-de-heredia-las-mandibulas.html). Prefiro não citar nada:

http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2010/12/algo-como-um-poema-as-mandibulas.html


V. Minha homenagem ao código desflorestal e sua grande musa, "Alvará de demolição":

(cativo breu
propaga a sombra
dos palácios da república
às enxadas dos escravos:

http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/02/algo-como-um-poema-homenagem-as.html



VI. E um poema para o poeta e jurista Julián Axat (caso raríssimo - agora não lembro de mais nenhum - de alguém excelente nas duas atividades), e meu amigo, "Dentes e metacarpos", cujo título vem de um verso de um poema do seu livro médium.

Meu amigo para diante do abismo,
procura os pais desaparecidos;
o que encontrará, não sabemos,
o quanto suas mãos mergulharão
na matéria viscosa do nada, ignoramos,
que tipo de nada, porém humano,
dele retirarão, resta saber,

http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2010/07/algo-como-um-poema-dentes-com.html

A propósito, Axat também lançou livro novo,  Neo (equipo forense de sí): http://coleccionlosdetectivessalvajes.blogspot.com.br/2012/09/nuevo-libro-de-julian-axat-neo-equipo.html

Este livro sim, vale muito a pena.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Desarquivando o Brasil XLII: Intelectuais perseguidos e Comissões da Verdade na UnB e na USP

A Comissão da Verdade da Universidade de Brasília vai realizar sua primeira audiência pública com a Comissão Nacional da Verdade no dia 6 de novembro de 2012. O tema será o caso do ex-reitor Anísio Teixeira, cassado já em 1964, "que morreu em circunstâncias suspeitas no Rio de Janeiro, em 1971":
http://www.cnv.gov.br/noticias/01-11-2012-2013-comissao-nacional-da-verdade-e-comissao-da-verdade-da-unb-realizam-audiencia-tematica-sobre-o-caso-anisio-teixeira/
Também será assinado um termo de cooperação entre as duas Comissões.
Enquanto isso, administrada por outras forças políticas, a Universidade de São Paulo ainda não logrou criar sua própria.
Por essa razão, Renan Quinalha (sugiro que se ouça esta sua fala em maio último, na faculdade de direito da USP: http://www.youtube.com/watch?v=LLnHzgv55fs), um pesquisador e ativista da justiça de transição no Brasil, solicitou divulgação do próximo ato pela criação da Comissão da Verdade nessa Universidade. Ele ocorrerá no dia 7 de novembro, no auditório do Instituto de Oceanografia.


Este foi o texto da mensagem que recebi:

Grande ato marca a entrega do abaixo-assinado Por Uma Comissão da Verdade da USP
No dia 7 de novembro (quarta-feira), às 17h30, o Fórum Aberto Pela Democratização da USP realizará um ato para a entrega das assinaturas que recolheu ao longo do tempo em que promoveu a campanha Por Uma Comissão da Verdade da USP, a fim de cobrar da instituição que reconheça a iniciativa e instaure oficialmente uma comissão da verdade na universidade.
É esperada a presença de todas/os aquelas/es funcionárias/os, alunas/os e professoras/es que apoiaram a campanha desde seu início, para construir um ato à altura da mobilização atingida nos últimos meses em toda a universidade. Foram também convidados o Reitor e todos os membros do Conselho Universitário.
A entrega acontecerá no Auditório do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP), localizado na Praça do Oceanográfico, 191, Cidade Universitária, São Paulo/SP, CEP 05508-120.
O Fórum Aberto pela Democratização da USP reúne Adusp, Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp), Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre da USP), Associação de Pós-Graduandos do campus da capital (APG-USP), Centro Acadêmico de Filosofia (CAF), Centro Universitário de Pesquisas e Estudos Sociais – Centro Acadêmico das Ciências Sociais (CeUPES), Centro Acadêmico de História (CAHIS), Centro Acadêmico de Relações Internacionais (GUIMA), Centro Acadêmico da FEA (CAVC), Centro Acadêmico da Engenharia de Produção (CAEP), Centro Acadêmico de Engenharia Elétrica (CEE), Centro Acadêmico de Engenharia Civil (CEC), Grêmio da Poli (Gpoli), Centro Acadêmico do Instituto de Química (CEQHR), Centro Acadêmico Lupe Cotrim, da ECA (CALC), Centro Acadêmico Ruy Barbosa (Educação Física), Centro Acadêmico da Mecânica (CAM), Centro Moraes Rego (CMR), Associação dos Engenheiros Químicos (AEQ), Levante Popular, Juventude às Ruas, Grupo de Trabalho pela Estatuinte da USP (GT Estatuinte), Coletivo Político Quem, Coletivo Merlino, Coletivo Manifesto pela Democratização da USP, Liga Estratégia Revolucionária, Frente de Esculacho Popular, Fórum da Esquerda, Campo Rompendo Amarras.

Dito isso, gostaria de lembrar que uma das contribuições que essa Comissão poderia dar estaria certamente no campo da perseguição aos intelectuais.
A primeira gase da chamada "guerra revolucionária", segundo a doutrina de segurança nacional, dava-se no campo ideológico, com a propaganda adversa. O "Movimento Comunista Internacional" agiria primeiro no plano ideológico, para perverter os costumes e questionar o capitalismo. Dessa forma, para a ditadura eram muito importantes a censura da esfera pública, bem como a reforma e o controle da educação.

Na USP, havia ocorrido um primeiro "expurgo" em 1964, capitaneado pelo então reitor Gama e Silva, que se tornaria ministro da justiça de Costa e Silva. Mais adiante, com o AI-5, diversos professores foram aposentados compulsoriamente. Sobre esse período, é interessante ler o Livro Negro da USP (apesar de hoje se saber bem mais sobre o período), que foi republicado na internet:
http://www.adusp.org.br/files/cadernos/livronegro.pdf
Emília Viotti estava entre os professores afastados pelo AI-5, e conta, nestes depoimento, como foi presa por alguns dias em 1969, bem como outros intelectuais, como Octavio Ianni:
http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com.br/2008/04/depoimento-de-emlia-viotti-da-costa.html
Ela deixou o Brasil e foi continuar sua carreira docente nos EUA. Ela, com outros intelectuais e pesquisadores, continuava na mira do regime, o que é comprovado pelos documentos da Operação Tarrafa. Este é um dos documentos, que encontrei no Arquivo Público do Estado de São Paulo, com os nomes considerados perigosos: 


Havia metas quantitativas de prisões, o que provavelmente foi estipulado para surtir um efeito atemorizador. A produtividade da repressão política fazia manter em aberto a lista de alvos, como se vê abaixo: "Outros nomes, a critériodos respectivos Comandos e Direção, poderão se rrelacionados para serem presos, em prioridades sucessivas e em grupos, de acordo com as conveniências próprias de cada executor." Essas "conveniências" significam a arbitrariedade dessas prisões que, como de regra nesse período, eram ilegais mesmo para os padrões do regime vigente.

Essa Operação não é mais um segredo, tampouco estes documentos, e já recebeu algumas reportagens na Folha de S.Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1506200321.htm). 
José Eduardo Ferraz Clemente, em dissertação sobre o impacto da ditadura militar na comunidade científica brasileira (Ciência e política durante a ditadura militar: o caso da comunidade brasileira de físicos (1964 -1979)), também tratou dela, embora não com base nos documentos veiculados pela rede oficial de informações:
Tendo em vista esses dados, e o caráter "adverso" com que eram vistos os intelectuais da esquerda, não seria estranho que Anísio Teixeira tivesse sido assassinado, como supõe, entre outros, o professor João Augusto de Lima Rocha: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=6935
Outra questão que justifica a importância da criação de uma comissão da verdade é a colaboração de intelectuais com a ditadura militar, que ocorreu, ao que parece, muitas vezes de forma clandestina e ilegal, seguindo a hipocrisia do regime, que desejava parecer "democrático". O Livro Negro da USP, que mencionei acima, oferece-nos um exemplo. Para a escolha dos nomes que seriam expurgados, o reitor Gama e Silva, que talvez tivesse algumas noções de direito administrativo, criou em 1964 uma comissão clandestina que serviu para afastar da Universidade nomes da esquerda:

Com efeito, o reitor Gama e Silva nomeou uma comissão especial para investigar atividades “subversivas” na USP, formada pelos professores: Moacyr Amaral dos Santos, da Faculdade de Direito, Jerônimo Geraldo de Campos Freire, da Faculdade de Medicina e Theodureto I. de Arruda Souto, da Escola Politécnica. Esses representantes das “grandes escolas” eram todos elementos de confiança do Reitor.
De tal modo repugnante foi a constituição dessa comissão, e contrária à tradição universitária, que sua existência foi mantida em segredo e dela não foi informado o Conselho Universitário. [p. 18]

Esse Livro, devo lembrar, nasceu dos trabalhos de uma comissão especial da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (ADUSP), no âmbito de uma campanha para reintegração dos docentes atingidos pela repressão política. Uma Comissão da Verdade na USP poderia avançar no que já se sabe do período.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Primavera Literária na Praça Roosevelt

A escritora Ana Rüsche (http://wordpress.anarusche.com/) solicitou a divulgação da programação literária das Satyrianas, a Primavera Literária, de que ela é curadora.  O evento ocorrerá do dia 2 ao 4 de novembro de 2012.
Estarão lá, na Praça Roosevelt em São Paulo, Eduardo Sterzi e Renan Nuernberger, com outros nomes interessantes. De Sterzi, comentei vídeos nossos na USP aqui, http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/01/videos-da-voz-do-escritor-com-eduardo.html, e tracei algumas considerações sobre um grande poema seu: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2011/06/1964-e-voz-do-autor-eduardo-sterzi-e.html).
Sobre Nuernberger, tracei algumas considerações sobre sua crítica, http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/contra-ditadura-militar-o-cordao-da.html, e sua poesia, http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2010/10/leitura-do-dia-poemas-aus-nuernberger.html.
Foi esta a mensagem que recebi de Rüsche:


Primavera Literária| Satyrianas 2012

“A mesma outra praça e a mesma outra cidade”

Durante as Satyrianas, o evento “Primavera Literária” reúne escritores para uma conversa no final da tarde na Praça Roosevelt.

O tema não poderia ser outro: “A mesma outra praça e a mesma outra cidade” - nos dias 2, 3 e 4/11, a ideia é realizar um bate-papo sobre alguns dos processos de transformação do espaço urbano e a produção literária.


(ou acesse: http://migre.me/bgMiU)


PROGRAMAÇÃO
(sujeita a alterações)
curadoria: ana rüsche

das 16h às 18h


sexta, 2/11
- eduardo sterzi (escritor, crítico e professor)
- flávio ricardo vassoler (escritor e pesquisador)
- márcia denser (escritora e jornalista)
- paulo fehlauer (fotógrafo, jornalista e produtor multimídia)
* Neste dia, haverá venda de livros das 14h às 18h (participação da Editora Patuá, Selo Demônio Negro e outras casas editoriais).

sábado, 3/11
- fernanda carvalho (escritora e fundadora do Prólogo Selo Editorial)
- gabriel kolyniak (poeta, gaitista e editor Revista Córrego)
- juliana bernardo (poeta)
- marcelo montenegro (poeta)


domingo, 4/11
- fabiana motroni (agitadora cultural)
- luis rafel montero (escritor)
- renan nuernberger (poeta e pesquisador)
- ronaldo cagiano (escritor)