O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Matrimônio igualitário na França II: A passeata




 Em nota anterior deste blogue, escrevi algo sobre a campanha contra o matrimônio igualitário na França. Agora, anoto sobre o que vi na manifestação do dia 27 de janeiro em favor do projeto de "mariage pour tous" (casamento para todos). No dia 29, a Assembleia Nacional francesa começa a examinar o projeto.
A manifestação partiria do metrô de Denfert-Rochereau. No caminho para o evento, planejava fazer conexão na estação Place d'Italie. No entanto, ela estava repleta de gente, e segui outros que deixaram o metrô e foram a pé.
Fomos subindo o Boulevard Auguste Blanqui. Na foto, um dos militantes do Partido Socialista francês, que está no poder e apóia o projeto.
No entanto, os manifestantes vinham também, de outros partidos e movimentos, e pude fotografar um cartaz "Casamento sim, Hollande não".
   Não me pareceu, pois, que se tratasse de um evento que se circunscrevesse aos governistas. E havia movimentos à esquerda do governo, naturalmente, como o das feministas e lésbicas, cuja faixa fotografei, contra o fascismo, o neoliberalismo e a ordem moral.
Da mesma forma, não se limitou a movimentos LBGT, e nem deveria, sendo uma causa de direitos humanos. Algumas das fotos são de pessoas que se apresentavam como heterossexuais solidários: "Hétéro-solidaire", ou o "Pai de família, católico praticante, heterossexual, sim ao casamento para todos os adultos livres e consentidores".


Da Boulevard Blanqui, pegamos a Boulevard Drago e chegamos ao metrô Denfert-Rochereau. Somente nesse momento percebi que havia muita gente. Fui para a avenida Denfert-Rochereau, a multidão era maior ainda, impressionante. Dessa avenida, passou-se para o Boulevard Saint-Michel, até a esquina com o Boulevard Saint-Germain, que foi percorrido até o fim para tomar o caminho para a Praça da Bastilha. 
Uma das faixas que reproduzo aqui, "Homos + Hétéro = Égaux", foi um dos slogans entoados pela multidão. Outro foi "Éga, Éga, Égalité".


O movimento basco LBGT foi prestar solidariedade, bem como os belgas, que já têm o "mariage pour tous". Por sinal, fotografei uma tabela com a lista, cronologicamente ordenada, dos países que o adotaram: a Holanda a encabeça:


Holanda           2001
Bélgica             2003
Espanha           2005
Canadá            2005
África do Sul   2006
Suécia             2009
Noruega          2009
Argentina        2010
Portugal          2010
Islândia           2010



A tabela somente inclui Estados nacionais; os Estados federados dos EUA que já aprovaram o fim do privilégio heterosexual para o casamento não foram incluídos.
No fim, espera-se a França em 2013.


Sobre os transgêneros, não vi praticamente nada, exceto a placa que fotografei já na Praça da Bastilha. Vê-se que a discriminação continua forte, uma vez que, mesmo neste evento, a questão não tinha visibilidade.


Notei apenas um momento que poderia ter gerado tensão: no Boulevard Saint-Germain, três jovens neonazistas seguravam uma faixa que não consegui ler inteiramente, pois um deles apontou para algo e saíram correndo em seguida.


Em geral, predominou o bom humor, como o argumento imbatível em tempos de crise econômica, de que o casamento para todos incentivará o comércio de vestidos para a cerimônia, e o trocadilho, de que a língua francesa é tão rica (creio que algumas teorias filosóficas e psicanalíticas nasceram dessa particularidade), de que "mais vale um par de mães do que um pai de merda". Estava presente também o orgulho "de estar do lado bom da história".




Alguns dos cartazes, um deles reproduzi aqui, expressavam descontentamento com o PACS, o contrato de união civil. Por isso, escolhi para fechar esta nota uma das últimas fotos que tirei, das manifestantes com o lema "All you need is love/ All you need is law", um Beatles revisitado.

 Descontada a licença poética, o direito também é necessário. Além disso, eeixando de lado as arengas direitistas (venham de pessoas declaradamente de direita ou não) de que o direito é "por essência" conservador, devemos constatar que o caráter emancipatório ou não do direito não é dado por essência alguma do jurídico, e sim pelos usos e práticas que dele se fazem. Trata-se de uma questão de imaginação jurídica, seja na criação, seja na interpretação e na aplicação da norma de direito.
Por sinal, quando se fala em "essência do direito", normalmente se o faz para ocultar os agentes sociais que estão por trás das normas jurídicas, nessas complexas instâncias, que se relacionam entre si, de criação, interpretação e aplicação. São os conservadores que não ousam dizer seu nome que se escondem por meio dessas soi-disant essências e tentam decretar a impossibilidade de imaginar instrumentos emancipatórios por meio do direito.
Neste caso, os atores sociais interessados na igualdade foram às ruas mostrar seu compromisso com a causa, representando com muito mais fidelidade o ideal da propaganda da França como país dos direitos humanos, do que os manifestantes do dia 13 de janeiro. 













quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Matrimônio igualitário na França: as noites perturbadas dos conservadores



Cumprindo promessa de campanha, François Hollande enviou projeto para o casamento igualitário na França, país que conta apenas com uma lei de união civil (o PACS) que pode ser usada por casais do mesmo sexo.
Os reacionários de todo o espectro político movimentam-se; vi na televisão um parlamentar indagando a repesentante de organização LGBT se o projeto acarretaria que os homossexuais poderiam se casar em trio (que fantasias são despertadas no inconsciente dos reacionários!), e teve de escutar que só se almejava a igualdade: como os heterossexuais não podiam se casar a três, os homossexuais tampouco o poderiam.
Houve uma passeata, de que participaram talvez quatrocentas mil pessoas, contra o projeto Mariage pour tous (casamento para todos). Vichy também teve muitos entusiastas. Peguei um dos folhetos da campanha, que pode ser visto acima, que bem mostra que se trata de um movimento sustentado por mentiras. Uma delas, é que "somos todos filhos de heterossexuais", como se não existissem pais e mães homossexuais. E, numa França que orgulha de sua laicidade e persegue islâmicos em nome do Estado laico, dizer que a família é "sagrada" é de uma hipocrisia ímpar.
Levando a mentira e a hipocrisia a um patamar mais elevado, pseudocientistas estão afirmando que fazer com que o casamento deixe de ser um privilégio heterossexual vai destruir as bases antropológicas da sociedade francesa, quiçá da humanidade. Sobre o assunto, o antropólogo Maurice Godelier, da EHESS, em matéria do Le Monde (que tem, em geral, publicado contra o projeto), em 17 de novembro do ano passado, lembrou que "A humanidade não parou de inventar novas formas de casamento e de descendência" (http://www.lemonde.fr/societe/article/2012/11/17/l-humanite-n-a-cesse-d-inventer-de-nouvelles-formes-de-mariage-et-de-descendance_1792200_3224.html). Traduzo este trecho:

Esta concepção de família modelada por séculos pelo cristianismo é própria do ocidente e não tem sentido algum em muitas sociedades. Ela evolui porque os holandeses, em sua maioria protestantes, aceitaram o casamento homossexual e a homoparentalidade.
Entre os Baruyas, cada indivíduo tem muitos pais e muitas mães. Todos os irmãos do pai são considerados pais, todas as irmãs da mãe, como mães. Todas as famílias que não são do ocidente pós-cristão são irracionais? Foi a humanidade que as inventou! As resistências são normais, elas acompanham uma grande transformação social e mental.
Não só pseudoantropologia, mas pseudopsicanálise tem sido invocada contra o Mariage pour tous. O uso selvagem da psicanálise chegou a tal nível que os lacanianos, em 13 de janeiro de 2013, lançaram um manifesto (a ser assinado pelos pscanalistas) contra a instrumentalização da psicanálise pelos reacionários:
http://www.lacanquotidien.fr/blog/wp-content/uploads/2013/01/LQ-269.pdf 
O manifesto ressalta que nada na experiência freudiana valida uma antropologia autorizada pelo Gênese; a estrutura edipiana não é um universal antropológico; que, no nível do inconsciente, os dois sexos não são ligados por nenhuma complementaridade originária, o que Lacan exprimiu com "A relação sexual não existe"; e que cada ser falante deve buscar as vias de seu desejo - alguns precisam de uma crença religiosa para isso, outros a dispensam, questão sobre a qual o psicanalista não deve se pronunciar.



Além da mentira, da hipocrisia, da pseudociência, mantos que o ódio religioso contra os homossexuais usou para cobrir suas vergonhas, há mais uma veste, ou melhor, um anel de bacharel: o discurso juridicizante. Cada criança teria direito a ter um pai e uma mãe (já imagino que o próximo passo da república de Vichy, despertada do túmulo, se tiver sucesso agora, será proibir solteiros e separados de terem filhos, ou os terem sob sua guarda), e o matrimônio igualitário feriria tal direito.
Sobre essa não-questão, aconselho artigo de Beatriz Preciado, traduzido para o português por Fernanda Nogueira, "Quem defende a criança queer?". O artigo, pungente, parte da experiência pessoal da autora, revista sob o prisma da biopolítica: "A criança é um artefato biopolítico que garante a normalização do adulto. A polícia de gênero vigia o berço dos seres que estão por nascer, para transformá-los em crianças heterosexuais. A norma ronda os corpos meigos."
http://blogueirasfeministas.com/2013/01/quem-defende-a-crianca-queer/
No Libération, em francês: http://www.liberation.fr/societe/2013/01/14/qui-defend-l-enfant-queer_873947
A autora demonstra bem esta outra falácia do movimento: não se quer proteger todas as crianças, e sim impor tal norma (no sentido de Foucault) a todas elas.
Acima, outra foto que tirei muito mal da propaganda dessas pessoas muito estranhas, cheias de paixões tristes, que saem de casa num domingo frio para impedir que outras pessoas também tenham direitos.
Neste sítio do Partido Socialista francês (que não é o PT, e tampouco Hollande é Dilma Rousseff), temos a petição pelo casamento para todos:
http://www.parti-socialiste.fr/articles/droit-au-mariage-et-ladoption-pour-tous-signez-la-petition?gclid=COz-zdSbgrUCFXDLtAodPl4Acw
Pode-se aí baixar o material da campanha e da manifestação que ocorrerá no dia 27 de janeiro, como este "sim" para a igualdade:


Entre os blogues que leio sempre (na lista à direita), está o de Didier Eribon, biógrafo entusiasmado de Foucault. Ele está a favor do projeto, podem-se ler vários textos a respeito no blogue, o que o coloca em conflito com Foucault, ainda bem.
Já escrevi como Foucault se encontra com a direita religiosa (pegando caminhos diferentes) na oposição ao matrimônio igualitário. Trata-se do surpreendente encontro do filósofo francês com Ives Gandra da Silva Martins:
http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2011/05/matrimonio-igualitario-no-brasil-o.html
Eribon supera essa posição dogmática, mostrando que se trata de uma forma de impor aos homossexuais uma posição de desviantes e anormais, o que é bastante tranquilizador para os "normais".
Curiosamente, mesmo na edição revista de 2011, Eribon, apesar de destacar aquela entrevista de Foucault e citá-la (da página 510 a 514), não menciona que o filósofo (que era homossexual) manifestou-se contra o matrimônio de pessoas do mesmo sexo...
Desde minha época de mestrado, para o escândalo de parte da banca examinadora, não tive dúvida de que era necessário superar Foucault. Felizmente Eribon, apesar do excesso de reverência àquele filósofo, consegue fazê-lo, e termino esta nota com tradução minha da crônica "Casamentos de ontem e de hoje", publicada em Contre l'égalité et autres chroniques (Paris: Éditions Cartouche, 2007):

"Por que os homossexuais querem se casar?" Quantas vezes ouvi essa frase nas últimas semanas! [...]
É um pouco como se considerássemos que os gays e as lésbicas fossem portadores de um gene do anticonformismo, e que eles iriam contra sua verdadeira natureza reclamando o acesso ao direito comum.
Vejam o essencialismo mal disfarçado nessas posições que desjam classificar, hierarquizar, normalizar, enfim, gays e lésbicas na categoria do anticonformismo.
Eribon escreve que, debaixo desta categoria, homossexuais, existe uma infinidade de realidades diferentes, que alguns vivem sozinhos porque assim querem, outros, apesar de não o quererem, que outros vivem em casais, que podem ser estáveis ou não, abertos ou não, alguns querem oficializar sua união, outros não etc. Outro ponto importantíssimo, também negado pelos reacionários:

Aliás, convém lembrar que o "casamento dos homossexuais" não tem nada de ineditismo. Oscar Wilde era casado! Pensar que o casamento teria sido até agora reservado aos heterossexuais e que os homossexuais, hoje, quereriam "macaquear" estes últimos, é completamente absurdo.[...] Com efeito, o casamento heterossexual não é a união de duas pessoas heterossexuais, e sim de duas pessoas de sexo diferente, e um dos dois pode, evidentemente, ser bissexual ou homossexual... Ou mesmo ambos: o casal heterossexual pode ser composto de dois bissexuais ou de dois homossexuais (como Vita Sackville-West e Harold Nicholson).
Eribon trata em seguida do exemplo de Gide, na literatura e na vida (o autor de Corydon era casado com uma mulher) e termina a crônica buscando as perguntas que não devem ser caladas neste debate:

Dessa forma, o problema não é: por que os homossexuais querem se casar? Eles sempre o fizeram. Mas, antes de tudo: o que gays e lésbicas, ao reivindicarem poder fazê-lo no quadro de casais do mesmo sexo, perturbam na ordem social e sexual?  E por que os guardiões da ordem estabelecida, seja de direita ou de esquerda, mobilizam-se com tanta energia para impedi-los? Que medo imemorial da homossexualidade assombra então os dias e as noites de todos esses conservadores?





 

Desarquivando o Brasil L: Conferência na EHESS sobre a doutrina de segurança nacional

O trabalho não me deixa atualizar o blogue. Deixo-o agora menos atrasado.
Na minha segunda conferência na EHESS (referi-me à primeira aqui: http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2013/01/desarquivando-o-brasil-xlviii.html), sobre a doutrina de segurança nacional e o cidadão inimigo, o que mais causou surpresa foram as fontes francesas da doutrina.
Poucos anos antes do golpe de 1964, no curso Introdução ao estudo da guerra revolucionária, ministrado em 1959 na Escola Superior de Guerra pelo então coronel Augusto Fragoso, lemos:

A bibliografia francesa sobre a GR [guerra revolucionária] é, pode-se dizer, a única existente. A bibliografia de origem norte-americana não deu até agora ao assunto a importância merecida [p. 5]
Ademais, apontava-se, com base no pensamento francês, a expansão próxima da guerra revolucionária para a América Latina. É curioso ler esse curso sabendo que ocorria a Revolução Cubana:

A América Latina, provavelmente em futuro próximo, será teatro de guerras revolucionárias. Um ensaísta francês - Charles Montirian -, em livro de 1958, "La Paix Revolutionnaire - Riposte a la Subversion" -, [mantenho os erros do original] ao analisar a evolução que têm seguido as guerras revolucionárias nos seus pontos de impacto, divide-a em 4 períodos:

.....
- 4o. Período (a ser aberto em caso de sucesso das guerras na Ásia e na África) abrangendo provavelmente a América Latina e os arquipélagos do Pacífico.
O curso pode ser lido na internet por meio do Arquivo Ana Lagôa (http://www.arqanalagoa.ufscar.br/).
Há outros documentos. João Roberto Martins Filho escreveu sobre a questão em "A influência doutrinária francesa sobre os militares brasileiros nos anos de 1960": 
Os contatos não foram apenas  teóricos. Um exemplo: Aluízio Palmar publicou em Documentos Revelados (http://documentosrevelados.com.br) correspondência da embaixada francesa atestando a presença de um criminoso de guerra francês, o general Paul Aussaresses, no Brasil como adido militar. Já se sabia disso, o próprio torturador o revelou. Por sinal, ele perdeu a Légion d'Honneur por conta das revelações que fez, entre elas o tráfico de ópio para financiamento da guerra colonialista francesa contra o Vietnam.
Com sua experiência nas guerras colonialistas francesas, ensinou técnicas de tortura na Escola das Américas e também em Manaus: http://www.rue89.com/2008/04/29/tortionnaire-non-repenti-le-general-aussaresses-se-souvient
O professor Bessa Freire traduz para o português alguns trechos do último livro do general;
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-general-frances-que-foi-professor-de-tortura-na-amazonia
Pelo interesse sentimental, destaco a delicadeza do general Figueiredo, então chefe do SNI e futuro presidente da república, em chamar Aussaresses para o porão de um prédio em Brasília onde era torturada (e foi morta) uma mulher com quem o general francês havia tido um relacionamento, e que seria uma espiã.
Os brutos também amam, porém o melhor é não corresponder.
O general, que também foi amigo de Sérgio Fleury, afirma que Figueiredo comandava os esquadrões da morte, "bien sûr": http://tipaza.typepad.fr/mon_weblog/2008/05/aussaresses-au.html

A propósito: Daniel Aarão Reis, em depoimento que pode ser lido em Le Brésil des gouvernements militaires et l'exil 1964-1985 (Paris: L'Harmattan, 2008), organizado por Idelette Muzart-Fonseca dos Santos e Denis Rolland, afirma que a polícia francesa tinha todo seu dossiê brasileiro quando chegou para o exílio em 1974, e que se deveriam investigar as relações entre a polícia francesa e a brasileira.

domingo, 13 de janeiro de 2013

O cerco à aldeia Maracanã (Ruínas de Janeiro II, Terra sem lei IX, Desarquivando o Brasil XLIX)

O governador Sérgio Cabral Filho, em nova atitude de pouco apreço aos direitos humanos e ao estado de direito, mandou o batalhão de choque para cercar a Aldeia Maracanã ontem, no sábado, à espera de uma liminar judicial que acabou por não chegar.
A história das investidas da atual administração estadual contra a Aldeia Maracanã, por conta, aparentemente, das obras para a Copa do Mundo de futebol, pode ser acompanhada no blogue do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas (http://comitepopulario.wordpress.com/) e no Combate ao racismo ambiental, que ontem deu esta última notícia do cerco policial sem mandado judicial:
http://racismoambiental.net.br/2013/01/rj-atualizacao-da-situacao-na-aldeia-maracana/#more-83776
O deputado estadual Marcelo Freixo foi tratar com a polícia e pulou o muro para entrar na ocupação:
http://racismoambiental.net.br/2013/01/aldeia-maracana-video-sobre-a-situacao-mais-dialogo-de-marcelo-freixo-com-a-pm-4m/
Ainda existem representantes do povo no Estado do Rio de Janeiro...

Sobre a Aldeia Maracanã, pode-se ler esta história, por Elaine Tavares: http://www.diarioliberdade.org/brasil/repressom-e-direitos-humanos/34714-o-museu-do-%C3%ADndio-%C3%A9-hist%C3%B3ria.html
O texto tem alguns erros, como achar que havia um governo federal em 1865. No entanto, o que parece notável é que o imóvel foi doado para que se criasse um centro de estudos sobre os índios, e a falta de vontade política e a inércia administrativa impediram-no. Foi necessário que os próprios índios ocupassem-no, como explica o professor Urutau Guajajara:
http://www.canalibase.org.br/quem-vai-proteger-a-aldeia-maracana/
A demolição do prédio, hoje, não seria lícita, pois o Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio não a autorizou: http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/09/prefeitura-impede-estado-de-demolir-predio-do-antigo-museu-do-indio/
Por outro lado, o consórcio Odebrecht e Andrade Gutierrez, duas das autoridades daquele Estado (e de outros), têm interesse na destruição da área, o que significa que ela pode ocorrer a qualquer momento: http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/12/indigenas-ocupam-museu-do-indio-para-resistir-a-demolicao/
Por essa razão, ocorrerá um tuitaço em #ApoioAldeiaMaracana neste dia 13 de janeiro de 2013, a partir das 21 horas no fuso de Brasília.

Em 2011, expliquei como o lamentável governo do Estado do Rio de Janeiro usou procedimentos da ditadura militar brasileira contra a greve de bombeiros:
http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2011/06/desarquivando-o-brasil-ix-dizendo-o.html
Esse tipo de prisão, e de tentativa de impedir o direito de defesa eram já ilegais naquela época, quanto mais hoje.

Uma continuidade, no entanto, que precede a ditadura militar é a de ver os índios como "obstáculo", o que é típico da ideologia desenvolvimentista. Shelton Davis tratou dessa questão em Vítimas do milagre: o desenvolvimento e os índios no Brasil, livro que não está comigo agora.
Cito-o muito indiretamente, portanto, de um relatório de espionagem sobre a trigésima reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), feito pelo DOPS/SP (o documento está no Arquivo Público do Estado de São Paulo). Em 14 de julho de 1978, realizou-se mesa redonda coordenada por Darcy Ribeiro sobre a questão indígena. Tratava-se de mobilização da comunidade científica contra o projeto de emancipação dos índios, história que contei em outra nota deste blogue:
http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2012/04/desarquivando-o-brasil-xxxv-emancipacao.html
Mantenho os erros do original do relatório:

Shalton Davis, leciona antropologia em uma Universidade do Rio de Janeiro (é americano) frisou que há um erro brasileiro em ver o indio como um obstáculo, o indio é pessoa como qualquer um, e como gente deve ser encarado. No Brasil, a estatistica mostra aproximadamente duzentos mil indios, e são poucos comparando-se com os EUA, que tem mais de dois milhões de indios. O Brasil, com a imensidão de área que tem, poderá facilmente resolver esse problema,  basta delimitar uma área e respeitá-la, e tratar os indios com direitos humanos.
Esse tipo de delimitação não é respeitada nem mesmo na cidade, como demonstra o destino do imóvel da Aldeia Maracanã. Não é um índice do caráter elitista e racista da democracia brasileira que se queira retirar os índios de um imóvel a eles dedicado - e para construir um estacionamento!?
O ativismo em prol dos povos indígenas tem unido forças com o ativismo em favor da proteção ao meio ambiente. Dificuldades surgem com os mega-projetos (como Belo Monte), como bem mostra Alaka Wali em artigo para o número da revista de antropologia Tipití dedicado a Shelton Davis: http://digitalcommons.trinity.edu/tipiti/
No caso, apesar de se tratar de área urbana, temos também a questão da preservação, mas do patrimônio histórico. As autoridades estaduais é que estão a militar pelas ruínas.

P.S.: A ex-vereadora (não foi reeleita) e principal especialista brasileira em direito do patrimônio, Sonia Rabello (escrevi sobre ela aqui: http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2012/12/cidade-bloqueada-ruinas-de-janeiro.html), acaba de escrever sobre a contradição de o prefeito (reeleito) Eduardo Paes sancionar uma lei de incentivo fiscal aos produtos culturais e autorizar, contrariando o parecer técnico, a destruição do imóvel secular onde está a Aldeia Maracanã.
Aqui está o texto, em que a grande jurista afirma, com toda propriedade: "os milhões a serem descontados dos impostos da Cidade para produção cultural de hoje poderão, em algumas décadas, ter o mesmo destino do prédio símbolo da cultura indígena – ou seja – chão, pó, ou lixo."
http://www.soniarabello.com.br/museu-do-indio-desrespeito-a-memoria/
Neste outro texto, ela analisa as contradições da decisão da presidente do Tribunal Regional Federal, desembargadora Maria Helena Cisne, a autorizar a destruição do prédio histórico:
http://www.soniarabello.com.br/museu-do-indio-a-decisao-judicial-que-permitiu-sua-demolicao/

P.S. 2: Depois de uma liminar obtida pela Defensoria Pública e da pressão da Ministra da Cultura, Marta Suplicy, o governador declarou em 28 de janeiro que desistia de destruir o imóvel histórico: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,sergio-cabral-volta-atras-e-desiste-de-demolir-o-predio-do-antigo-museu-do-indio-no-rio,989864,0.htm

P.S. 3: Em razão da desocupação da Aldeia Maracanã em 22 de março de 2013, escrevi esta nota: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2013/03/o-cerco-aldeia-maracana-ii-governo.html

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Universos paralelos da educação IX: Revistas acadêmicas, uma nota pessoal






Editei por alguns anos uma revista acadêmica de direito. Em 2012, deixei de fazê-lo, mas, como aconteceu ainda neste mês de janeiro de 2013, continuo a receber correspondência de autores sobre o estado do processo de avaliação de seus textos.

Pensei, portanto, que poderia ser apropriado deixar aqui a mensagem que enviei em agosto do ano passado para os então autores e pareceristas (vejo que parte dos avaliadores mudou, e o conselho editorial é outro).

A mensagem abaixo não corresponde mais ao estado atual do periódico. Uma alteração de vulto (pelo menos para mim, que tive de fazer esse trabalho sozinho) é agora a revista possuir dois editores; o professor Mezzaroba, vejo no portal, tem a colaboração da professora Naspolini Sanches, o que se afigura ainda mais auspicioso para o processo editorial.

Além disso, o texto de apresentação da revista, que cito abaixo, naturalmente foi alterado. E os números de 2012 ainda estão no ineditismo.

Sobre a experiência de editar (falo agora de forma pessoal), tentei que a revista encontrasse um perfil antes por via de seus leitores e autores do que por meio de minhas simpatias no campo da teoria, embora elas acabassem aparecendo - afinal, a própria diversidade é algo com que simpatizo. Foi divertido, dado um mesmo campo temático, editar artigos com fundamentos tão diversos como Habermas e Deleuze, ou Kant e Aristóteles. E também trabalhos tão originais, na teoria brasileira, como o estudo do direito antropofágico de Alexandre Nodari, baseado em Oswald de Andrade, ou de pesquisa documental, como o trabalho pioneiro de Mariana Cardoso dos Santos Ribeiro sobre os processos de expulsão na ditadura de Vargas.

Eu quis abrir a revista para a América Latina e, felizmente, fui correspondido pelos autores e leitores: publicar material de Colômbia, Cuba, Argentina, Uruguai, bem como dos Estados europeus Portugal, França e Espanha, foi algo que me agradou e me fez aprender muito.

Sempre tive a preocupação de não tornar a revista uma vitrine para medalhões. Escrevi sobre isso faz poucos meses: http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2012/09/universos-paralelos-da-educacao-vi.html  Para alavancar a avaliação acadêmica, existe quem exija, antes de tudo, certo título e/ou certa proveniência acadêmicos dos autores. Esse critério, além de não ser científico, acaba por reproduzir e ratificar um dos piores vícios do campo jurídico no Brasil: o tráfico de influência e prestígio. E impede o "direito de nascer": o mestrando e o doutorando ficam impedidos de publicar, a não ser em coautoria com o orientador, o que pode legitimar e/ou favorecer apropriação de trabalho alheio. Dessa maneira, o mundo da academia se torna ou se confirma como mais um espaço de vassalagem desde o seu modo de produção, pouco importando se o discurso produzido por esse tipo de subordinação é "emancipatório" ou não.

Cheguei a publicar dois artigos de graduandos, simplesmente porque fizeram trabalhos tão consistentes que foram bem avaliados. Se a revista tem um corpo forte de pareceristas, pode confiar no que é aprovado.

Nem todos autores aceitam bem pareceres, principalmente quando pedem mudanças no texto. Trata-se de algo delicado (por vezes, o avaliador não teria entendido bem o trabalho) mas, felizmente, como o sistema de avaliação era o duplo-cego, consegui deixar tudo na impessoalidade necessária. Somente uma vez fui insultado por um autor, doutorando em direito de um programa nota 6, que mandou um texto realmente muito fraco, sem ao menos possuir a forma de um artigo. Ao receber os pareceres da recusa, nada escreveu. No entanto, quando enviei ao conjunto de leitores e autores a nova convocação de artigos, respondeu dizendo que não tinha o mínimo interesse de publicar em "minha instituição" etc.

Bem afirmou António Manuel Hespanha, na entrevista que com ele fiz em 2008, que "os juristas mais característicos fazem parte do problema e não da solução".

Faz alguns anos que pesquiso temas da área de justiça de transição; no entanto, pouco publiquei sobre ela, exceto entrevistas de Deisy Ventura, José Carlos Moreira da Silva Filho, Julián Axat e Liora Israël, e poucos artigos, como o da mesma Liora Israël sobre a atuação de advogados e magistrados na Resistência francesa,  de Sebastián Carassai  a respeito da teoria dos dois demônios na Argentina, o de Renata Meirelles com o tema das mulheres guerrilheiras no Brasil, e o de Pedro Miguel Rodrigues Panarra sobre a memória em Jean Améry e Primo Levi.

Fiquei feliz em poder publicar muitos autores com formação em áreas diversas da estritamente jurídica, bem sabendo, ao contrário do que pensa a ANPUH na área de história, que não se pode nem deve esperar que o jurista tenha monopólio sobre a teoria do direito. Achei apropriado que a entrevista mais lida do periódico fosse a de Eduardo Viveiros de Castro, um dos maiores nomes da antropologia no mundo.

Ademais, é possível trabalhar assim, como se o direito fosse algo realmente tão sério intelectual e politicamente (e o é), que fosse temerário deixá-lo apenas com os juristas (idem). Para o Qualis, a revista foi C em direito (ou seja, nada, embora tivesse avaliação em sociologia e no campo multidisciplinar), foi B3 e, quando a deixei, B2, nota que poucas revistas brasileiras dessa área superam.

Abaixo, a antiga mensagem.



Prezados professores e pesquisadores,

tenho a satisfação de avisar que a correspondência para a revista Prisma Jurídico deve ser enviada ao professor Orides Mezzaroba, que é o novo editor científico desta revista da Universidade Nove de Julho. Fiquei à frente desse trabalho apenas até o fim de junho de 2012.
Eu havia sido apontado para essa função em agosto de 2006 pelo então Diretor do curso, professor Carlos Eduardo Boucault (a quem agradeço pela confiança) para o número 5, de 2006, que teve como tema Fontes e modelos do direito. Para a seção de entrevistas, escolhi a professora titular de direito administrativo da UERJ, Sonia Rabello. Nessa época, a revista era anual. Desde então, Prisma Jurídico assumiu-se como um espaço interdisciplinar e não dogmático. 

Como escrevi no portal do periódico, "A revista tem como objetivo a divulgação do pensamento crítico sobre a Filosofia e Teoria Geral do Direito, com a necessária abertura para contribuições de áreas como História, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Letras, Psicanálise, que mantêm diálogo com as ciências jurídicas. A pletora de paráfrases da legislação e de simples reproduções da doutrina ou da jurisprudência dominantes não interessa, portanto, a esta publicação."
A partir do número seguinte, sobre Direito e princípios, que abria com o jurista colombiano Augusto Trujillo Muñoz, a revista passou a contar regularmente com autores estrangeiros no Conselho Editorial e como autores, e nela criei uma seção de textos clássicos, que estreou com uma tradução que fiz de "O Manifesto Filosófico da Escola Histórica do Direito", de Karl Marx.
No ano de 2008, em que os entrevistados foram António Manuel Hespanha e Mario Losano (entrevista feita com o professor Leonel Pessoa, da Comissão Editorial), a revista tornou-se semestral. Passei a alternar professores brasileiros e estrangeiros na seção de entrevistas: em 2009, tivemos Deisy Ventura e António Braz Teixeira; em 2010, José Carlos Moreira da Silva Filho e Julián Axat; em 2011, Liora Israël e Eduardo Viveiros de Castro.

A revista, quando existia a Coordenadoria Editorial, extinta em 3 de novembro de 2009, até então subordinada à Diretoria de Pesquisa, contava com os trabalhos do professor Sérgio Lourenço Simões, coordenador editorial, e Dórica Krajan, assistente editorial. Até essa época, a Coordenadoria alcançou a inserção da revista nas bases Redalyc e Latindex, bem como o ingresso no SEER - Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas, ligado ao Ibict, do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Depois desse período, não houve mais coordenador editorial. O novo Diretor do curso de Direito, professor Sérgio Braga (a quem agradeço), pediu para que eu continuasse como editor científico. A partir de então, no tocante às bases de dados, a revista passou a integrar a Fonte Academica da EBSCO e, mais recentemente, o Directory of Open Journals Access e a Academic Journals Database. As ligações estão no portal da publicação.
O diretor de Pesquisa do Curso de Direito, professor Vladmir Oliveira da Silveira, confirmou que os dois números impressos de 2011 estão para ser distribuídos. Para o primeiro número da revista de 2012, que logo sairá, já havia oito artigos aprovados.
Gostaria de agradecer aos Diretores e Coordenadores do curso pela confiança, aos professores da Comissão Editorial, à competente equipe ténica da revista, Maria Edileusa Garcia e João Ricardo Magalhães Oliveira, ao revisor de português Antonio Marcos Rudolf, bem como aos autores, pareceristas e leitores da revista - que permitiram que o trabalho pudesse desenvolver-se e a revista tornar-se um espaço relevante para a reflexão e a circulação de ideias. A última entrevista, com o professor Eduardo Viveiros de Castro, teve aproximadamente mil acessos somente no primeiro dia da publicação.
Certamente, o trabalho seguirá melhor com o professor Orides Mezzaroba.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Desarquivando o Brasil XLVIII: Conferências na EHESS e a OAB vigiada

Neste mês de janeiro de 2013, estou a trabalhar como professor convidado na EHESS (L'École des hautes études en sciences sociales) em Paris. A notável professora Liora Israël (http://www.ehess.fr/fr/ecole/organisation/liora-israel/), que gentilmente havia me concedido uma entrevista (http://www.doaj.org/doaj?func=abstract&id=1033259), foi a pesquisadora que propôs meu nome para L'École.
Como parte desse trabalho, farei três conferências, que listo abaixo, caso sejam do interesse de algum leitor.

Conférences


Pratiques du droit de juristes engagés contre la dictature militaire au Brésil

Dans le cadre du séminaire de Liora Israël Pratiques du droit. Introduction à une analyse constitutive des relations entre droit et société.
Mardi 8 janvier de 15h à 17h. EHESS (salle 11), 105 boulevard Raspail 75006 Paris.

La sécurité nationale et le citoyen ennemi dans le contexte de la dictature au Brésil

Dans le cadre du séminaire de Patricia Sampaio Silva Constructions et déconstructions du Brésil : perspectives historiographiques.
Jeudi 17 janvier de 11h à 13h. EHESS (salle 6), 105 boulevard Raspail 75006 Paris.

Droit et marges de manœuvre en contexte répressif

Dans le cadre du séminaire de Liora Israël Pratiques du droit. Introduction à une analyse constitutive des relations entre droit et société, séance commune Padua Fernandes/Liora Israël
Mardi 22 janvier de 15h à 17h. EHESS (salle 11), 105 boulevard Raspail 75006 Paris.


Um dos documentos que irei analisar, guardado no Arquivo Público Mineiro (http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/),  é exemplo da vigilância da ditadura militar sobre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Um pequeno grupo de advogados, como Sobral Pinto, Heleno Fragoso, Modesto da Silveira, Mário Simas e outros lograva fazer usos criativos do direito para defender presos políticos.
A OAB, contudo, não adotava uma política de oposição ao regime, que viria claramente com Raymundo Faoro, embora já adotasse a postura de cobrar o respeito às prerrogativas do advogado (cuja violação já começara em 1964) e da dignidade humana, sistematicamente violadas pelo regime.
Nos anos 1960, pelo contrário, a OAB assumiu uma postura oposicionista em relação a João Goulart e apoiou o golpe de Estado em 1964. Pode-se ler neste artigo de Marco Aurélio Vannucchi Leme de Mattos trecho de discurso de Povina Cavalcanti, em 7 de abril de 1964, em que o presidente do conselho federal da OAB afirma que não houve violação à Constituição no golpe (chamado de "sobrevivência da nação"), e que tudo teria se passado sob "a égide intocável do Estado de Direito": http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-21862012000100010&script=sci_arttext
Dez anos depois, a situação mudara. A V Conferência Nacional da OAB, em 1974, foi objeto do relatório cujo início pode-se ver ao lado. Note-se a preocupação da articulação da OAB, especialmente da seção de São Paulo, com os exilados. Por sinal, Sobral Pinto escolheu exatamente o tema do direito de asilo para sua conferência no Brasil do "ame-o ou deixe-o".
Eduardo Seabra Fagundes, que sucederia a Faoro na OAB, e para quem estava endereçada a carta bomba que matou a secretária Lídia Monteiro em 1980, tratou de "Direitos do homem, a ordem pública e a segurança nacional". Heleno Fragoso, "Os direitos do homem e sua tutela jurídica".
Tratava-se de temas sensíveis para o regime - e a própria organização era um deles. Além da vigilância sobre a organização, pairava sobre a organização a sombra dos decretos 74000 e 74296, de 1º de maio e 16 de julho de 1974, assinados por Geisel, que a subordinavam ao Ministério do Trabalho, o que já havia sido aventado em 1968.
Na Conferência, essa subordinação, juridicamente absurda (a autonomia da OAB estava prevista em lei), foi repelida, e a Ordem nunca a aceitou. Os decretos, porém, somente foram revogados em maio de 1978, como parte do processo de abertura política.