O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Universos paralelos da educação IX: Revistas acadêmicas, uma nota pessoal






Editei por alguns anos uma revista acadêmica de direito. Em 2012, deixei de fazê-lo, mas, como aconteceu ainda neste mês de janeiro de 2013, continuo a receber correspondência de autores sobre o estado do processo de avaliação de seus textos.

Pensei, portanto, que poderia ser apropriado deixar aqui a mensagem que enviei em agosto do ano passado para os então autores e pareceristas (vejo que parte dos avaliadores mudou, e o conselho editorial é outro).

A mensagem abaixo não corresponde mais ao estado atual do periódico. Uma alteração de vulto (pelo menos para mim, que tive de fazer esse trabalho sozinho) é agora a revista possuir dois editores; o professor Mezzaroba, vejo no portal, tem a colaboração da professora Naspolini Sanches, o que se afigura ainda mais auspicioso para o processo editorial.

Além disso, o texto de apresentação da revista, que cito abaixo, naturalmente foi alterado. E os números de 2012 ainda estão no ineditismo.

Sobre a experiência de editar (falo agora de forma pessoal), tentei que a revista encontrasse um perfil antes por via de seus leitores e autores do que por meio de minhas simpatias no campo da teoria, embora elas acabassem aparecendo - afinal, a própria diversidade é algo com que simpatizo. Foi divertido, dado um mesmo campo temático, editar artigos com fundamentos tão diversos como Habermas e Deleuze, ou Kant e Aristóteles. E também trabalhos tão originais, na teoria brasileira, como o estudo do direito antropofágico de Alexandre Nodari, baseado em Oswald de Andrade, ou de pesquisa documental, como o trabalho pioneiro de Mariana Cardoso dos Santos Ribeiro sobre os processos de expulsão na ditadura de Vargas.

Eu quis abrir a revista para a América Latina e, felizmente, fui correspondido pelos autores e leitores: publicar material de Colômbia, Cuba, Argentina, Uruguai, bem como dos Estados europeus Portugal, França e Espanha, foi algo que me agradou e me fez aprender muito.

Sempre tive a preocupação de não tornar a revista uma vitrine para medalhões. Escrevi sobre isso faz poucos meses: http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2012/09/universos-paralelos-da-educacao-vi.html  Para alavancar a avaliação acadêmica, existe quem exija, antes de tudo, certo título e/ou certa proveniência acadêmicos dos autores. Esse critério, além de não ser científico, acaba por reproduzir e ratificar um dos piores vícios do campo jurídico no Brasil: o tráfico de influência e prestígio. E impede o "direito de nascer": o mestrando e o doutorando ficam impedidos de publicar, a não ser em coautoria com o orientador, o que pode legitimar e/ou favorecer apropriação de trabalho alheio. Dessa maneira, o mundo da academia se torna ou se confirma como mais um espaço de vassalagem desde o seu modo de produção, pouco importando se o discurso produzido por esse tipo de subordinação é "emancipatório" ou não.

Cheguei a publicar dois artigos de graduandos, simplesmente porque fizeram trabalhos tão consistentes que foram bem avaliados. Se a revista tem um corpo forte de pareceristas, pode confiar no que é aprovado.

Nem todos autores aceitam bem pareceres, principalmente quando pedem mudanças no texto. Trata-se de algo delicado (por vezes, o avaliador não teria entendido bem o trabalho) mas, felizmente, como o sistema de avaliação era o duplo-cego, consegui deixar tudo na impessoalidade necessária. Somente uma vez fui insultado por um autor, doutorando em direito de um programa nota 6, que mandou um texto realmente muito fraco, sem ao menos possuir a forma de um artigo. Ao receber os pareceres da recusa, nada escreveu. No entanto, quando enviei ao conjunto de leitores e autores a nova convocação de artigos, respondeu dizendo que não tinha o mínimo interesse de publicar em "minha instituição" etc.

Bem afirmou António Manuel Hespanha, na entrevista que com ele fiz em 2008, que "os juristas mais característicos fazem parte do problema e não da solução".

Faz alguns anos que pesquiso temas da área de justiça de transição; no entanto, pouco publiquei sobre ela, exceto entrevistas de Deisy Ventura, José Carlos Moreira da Silva Filho, Julián Axat e Liora Israël, e poucos artigos, como o da mesma Liora Israël sobre a atuação de advogados e magistrados na Resistência francesa,  de Sebastián Carassai  a respeito da teoria dos dois demônios na Argentina, o de Renata Meirelles com o tema das mulheres guerrilheiras no Brasil, e o de Pedro Miguel Rodrigues Panarra sobre a memória em Jean Améry e Primo Levi.

Fiquei feliz em poder publicar muitos autores com formação em áreas diversas da estritamente jurídica, bem sabendo, ao contrário do que pensa a ANPUH na área de história, que não se pode nem deve esperar que o jurista tenha monopólio sobre a teoria do direito. Achei apropriado que a entrevista mais lida do periódico fosse a de Eduardo Viveiros de Castro, um dos maiores nomes da antropologia no mundo.

Ademais, é possível trabalhar assim, como se o direito fosse algo realmente tão sério intelectual e politicamente (e o é), que fosse temerário deixá-lo apenas com os juristas (idem). Para o Qualis, a revista foi C em direito (ou seja, nada, embora tivesse avaliação em sociologia e no campo multidisciplinar), foi B3 e, quando a deixei, B2, nota que poucas revistas brasileiras dessa área superam.

Abaixo, a antiga mensagem.



Prezados professores e pesquisadores,

tenho a satisfação de avisar que a correspondência para a revista Prisma Jurídico deve ser enviada ao professor Orides Mezzaroba, que é o novo editor científico desta revista da Universidade Nove de Julho. Fiquei à frente desse trabalho apenas até o fim de junho de 2012.
Eu havia sido apontado para essa função em agosto de 2006 pelo então Diretor do curso, professor Carlos Eduardo Boucault (a quem agradeço pela confiança) para o número 5, de 2006, que teve como tema Fontes e modelos do direito. Para a seção de entrevistas, escolhi a professora titular de direito administrativo da UERJ, Sonia Rabello. Nessa época, a revista era anual. Desde então, Prisma Jurídico assumiu-se como um espaço interdisciplinar e não dogmático. 

Como escrevi no portal do periódico, "A revista tem como objetivo a divulgação do pensamento crítico sobre a Filosofia e Teoria Geral do Direito, com a necessária abertura para contribuições de áreas como História, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Letras, Psicanálise, que mantêm diálogo com as ciências jurídicas. A pletora de paráfrases da legislação e de simples reproduções da doutrina ou da jurisprudência dominantes não interessa, portanto, a esta publicação."
A partir do número seguinte, sobre Direito e princípios, que abria com o jurista colombiano Augusto Trujillo Muñoz, a revista passou a contar regularmente com autores estrangeiros no Conselho Editorial e como autores, e nela criei uma seção de textos clássicos, que estreou com uma tradução que fiz de "O Manifesto Filosófico da Escola Histórica do Direito", de Karl Marx.
No ano de 2008, em que os entrevistados foram António Manuel Hespanha e Mario Losano (entrevista feita com o professor Leonel Pessoa, da Comissão Editorial), a revista tornou-se semestral. Passei a alternar professores brasileiros e estrangeiros na seção de entrevistas: em 2009, tivemos Deisy Ventura e António Braz Teixeira; em 2010, José Carlos Moreira da Silva Filho e Julián Axat; em 2011, Liora Israël e Eduardo Viveiros de Castro.

A revista, quando existia a Coordenadoria Editorial, extinta em 3 de novembro de 2009, até então subordinada à Diretoria de Pesquisa, contava com os trabalhos do professor Sérgio Lourenço Simões, coordenador editorial, e Dórica Krajan, assistente editorial. Até essa época, a Coordenadoria alcançou a inserção da revista nas bases Redalyc e Latindex, bem como o ingresso no SEER - Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas, ligado ao Ibict, do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Depois desse período, não houve mais coordenador editorial. O novo Diretor do curso de Direito, professor Sérgio Braga (a quem agradeço), pediu para que eu continuasse como editor científico. A partir de então, no tocante às bases de dados, a revista passou a integrar a Fonte Academica da EBSCO e, mais recentemente, o Directory of Open Journals Access e a Academic Journals Database. As ligações estão no portal da publicação.
O diretor de Pesquisa do Curso de Direito, professor Vladmir Oliveira da Silveira, confirmou que os dois números impressos de 2011 estão para ser distribuídos. Para o primeiro número da revista de 2012, que logo sairá, já havia oito artigos aprovados.
Gostaria de agradecer aos Diretores e Coordenadores do curso pela confiança, aos professores da Comissão Editorial, à competente equipe ténica da revista, Maria Edileusa Garcia e João Ricardo Magalhães Oliveira, ao revisor de português Antonio Marcos Rudolf, bem como aos autores, pareceristas e leitores da revista - que permitiram que o trabalho pudesse desenvolver-se e a revista tornar-se um espaço relevante para a reflexão e a circulação de ideias. A última entrevista, com o professor Eduardo Viveiros de Castro, teve aproximadamente mil acessos somente no primeiro dia da publicação.
Certamente, o trabalho seguirá melhor com o professor Orides Mezzaroba.

Um comentário:

  1. "o direito de nascer" ? ?
    Para nascer é preciso ser "apadrinhado"
    para publicar ou até mesmo ingressar

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