O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

As Mães de Maio, ou os movimentos sociais pensam o mundo

Comecei a escrever isto no twitter, vendo pessoas governistas atacando as Mães de Maio. Para a gente infame, ou cuja leviandade é tão extrema quanto sua desinformação, que diz que as Mães de Maio são linha auxiliar do PSDB, sugiro, caso saiba ler, ao menos estes links, entre centenas de outros:

Para os governistas que não sabem ler, aconselho estas figuras do facebook:

terça-feira, 9 de junho de 2015

A Caravana Sudamérica continua no Brasil: no Rio de Janeiro, de 9 a 12 de junho

Ver a programação completa no blogue, que inclui ato público no Consulado do México no dia 12 de junho: http://caravana43sudamerica.org/2015/06/03/programacao-da-caravana-43-no-rio-de-janeiro/

Sobre Porto Alegre, saiu a notícia da censura de uma atividade da Caravana em 6 de junho em uma escola municipal: https://twitter.com/MIC_RJ/status/607211350281043968

No México, os parentes dos 43 normalistas assassinados pelo Estado mexicano conseguiram boicotar as eleições, o que me pareceu legitimamente democrático: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/07/internacional/1433698911_274923.html

Aliás, para os professores de ciência política que acham que a violência do Estado não tem relação nenhuma com a questão da democracia (com a consequência de isolar, da questão política, os direitos civis), e assim não apenas dão de costas à realidade, mas também recalcam, de forma elitista, os movimentos sociais como as Mães de Maio (que não dissociam a questão da soberania popular dos direitos humanos), lembro deste pequeno texto.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Algo como um poema, a política do possível



discriminado no movimento LGBT
por viver na rua
discriminado no movimento sem-teto
por ser gay

discriminada no movimento indígena
por ser mulher
discriminada no movimento feminista
por ser índia

discriminado entre os escritores
por ser poeta
discriminado entre os poetas
por não ter bolsa
por ler poesia
onde nada se lia

( venha para as faculdades Uniuni
onde você aprenderá que é único
onde só tem gente selecionada
onde todo mundo pensa como você)

discriminado por não ter empatia
com a discriminação
dos que discriminam peças que nunca viram
poemas que nunca lerão

discriminado por ter empatia com a leitura
enquanto a pureza do movimento
vem de nunca ler o diferente

os discriminadores querem a pureza

enquanto negros coletam o lixo
em troca de pão e desabrigo
religiosos de todas as cores
pedem faxina étnica nas ruas

( o café azedou
não podemos nos sentar juntos
porque somos de linhas teóricas diferentes;
com licença que vou dar minha palestra sobre estado de direito)

por ser mulher
discriminada no movimento judaico
discriminada no movimento pró-palestina
discriminada no movimento socialista
por dividir a luta

discriminada à direita
porque combate o assassinato em massa
discriminada à esquerda
porque combate o assassinato em massa
e no centro não há lugar
exceto para cadáveres

( nesta rede social você poderá criar grupos fechados
eliminar gente por palavras-chave
bloquear preventivamente pela cor de olho dos avatares
venha sem medo viver sem fronteiras!)

discriminado na agência governamental de direitos humanos
porque contrário à execução sumária
discriminado na reunião da associação de moradores
porque contrário à tortura de mendigos
discriminado na assembleia de condomínio
porque favorável às leis trabalhistas
e discriminado fora das reuniões
pois sua cadeira de rodas
não cabe nos buracos das ruas

o partido revolucionário
cindiu-se na vanguarda pós-revolucionária neorradical
e na fração neorrevolucionária pós-radical
acusam-se mutuamente de diversionismo
na luta por cargos públicos
pelo posto de poodle da direita
não trocam mais entre si
figurinhas coloridas de lênin

( seu currículo é bom,
não a contratamos por causa de preconceito
mas por simples
aplicação das estatísticas correntes
sobre a sua empregabilidade)

nada mais no horizonte público?
esta é a política do possível:
fazer com que as outras políticas
sejam impossíveis

discriminada no movimento LGBTTT
por ser negra
discriminada no movimento negro
por ser mulher
discriminada no movimento feminista
por ser trans
discriminada no movimento trans
por ser negra
da capo

(– torturada. mas lia os autores errados.
estuprada. mas nunca foi às nossas reuniões.
mutilada. mas não tinha empatia com a causa,
e a empatia, 
filha única do ressentimento,
é a nossa fonte de justiça.

seus pedaços, no esgoto. 
mas pensamos que nela só a morte 
foi um traço comum com a humanidade.

no esgoto, seus pedaços. 
repetimos:
nunca houve discriminação
mas simples
aplicação das estatísticas correntes
sobre sua expectativa de vida)


P.S.: O poema foi publicado em Canção de ninar com fuzis.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

A livraria Leonardo da Vinci, as cores do analfabetismo e as bolhas sectárias de opinião

Eu nunca deixei de comprar livros na Leonardo da Vinci, conhecida livraria que fica no subsolo do prédio Marquês do Herval, no centro do Rio de Janeiro. Deixei de morar no Rio de Janeiro, o que tornou minhas idas a essa livraria bem esporádicas, mas como ela é, de longe, a melhor dessa cidade (e não há nada de parecido em São Paulo, onde moro), tentava passar por ela, se houvesse tempo. Na última vez que fui ao MAM, no fim de 2014, ainda comprei na Piccola Da Vinci que lá existia e já fechou.
Terei que deixar de frequentá-la, porém, pois ela está a fechar, depois de 63 anos de atividade. No fim do ano passado, tive uma rara conversa com Milena Duchiade, e ela afirmou que estava difícil mantê-la. Não me surpreendi, por isso e pela decadência geral daquela cidade e das mudanças nos mercados de bens culturais, que já tinham vitimado a loja de discos Modern Sound.
Eu estava procurando, naquele dia, um título da Cultura e Barbárie. A livreira falou que era a Da Vinci a única a ter os livros dessa editora no Rio de Janeiro - são conhecidas as tremendas dificuldades de distribuição que impedem as pequenas editoras de distribuir seus títulos nas grandes redes.
Na matéria que indiquei acima, vemos a inteligência e a lucidez da livreira que identifica sem ilusões as razões que levaram ao fim da Leonardo da Vinci: não ter café (o Diagnóstico do Setor Livreiro de 2009 apontou a tendência de as livrarias se tornarem prestadoras de outros serviços, que não as vendas de livros), não vender informática, ter pouquíssima autoajuda e, finalmente, o estado lastimável em que está o centro do Rio de Janeiro, sob pó e pedra, que acabou de soterrar os negócios.
Li recentemente que as livrarias independentes voltaram a crescer... em Nova Iorque. Mas o Brasil é outra coisa.
A livraria continuaria se tivesse criado uma seção de livros de colorir? Haveria mais chance, e ainda mais se vendesse também lápis de colorir. Vejam esta lista de mais vendidos ("Publishnews"), de 11 a 17 de maio deste ano: http://www.publishnews.com.br/telas/mais-vendidos/Default.aspx?data=22/05/2015&tipo=semanal
Entre os vinte mais vendidos, 118825 livros de colorir. Do resto, todos os gêneros confundidos, 51637. Quase setenta por cento da quantidade de exemplares vendidos, que vieram de oito títulos, isto é, quarenta por cento da lista.
Uma perda de fôlego dos lápis de cor, deve-se ressaltar. Na semana anterior, os mesmo oito títulos haviam atingido setenta e oito por cento das vendas dos "vinte mais"...
Esses livros, além de ostentarem a virtude altamente inclusiva de não exigir muitas capacidades de leitura, sempre raras no país, possuem um caráter antiestressante certamente bem recebido pelo público. Faço notar que, nesses dois aspectos, tais obras são o oposto do que grande parte da literatura exige, que demanda letramento e não promete, em troca, uma terapia.
No entanto, em defesa dessa literatura, provavelmente a mais condizente com o momento, lembro que ela apresenta certas virtudes de algumas vanguardas, como o apelo sensorial e a interatividade com o público, que não pode ficar passivo diante da obra... Ademais, para os críticos dos livros eletrônicos, que vivem uma fase de declínio, os livros de colorir representam uma espécie de triunfo, talvez o triunfo possível neste país, dos livros impressos.
Talvez eles tenham sobretudo o apelo da nostalgia: eles remontam a época escolar, única, para a maior parte das pessoas, em que há um contato com o livro. Vejam, na pesquisa do Instituto Pró-Leitura, a queda no índice de leitura de 36 a 28% entre 2009 e 2011 (reiterada em pesquisa da Fecomércio-RJ divulgada em abril de 2015); a diminuição, tanto em números percentuais quanto em absolutos, do número de leitores entre 2007 e 2011 (de 95,6 para 88,2 milhões) - sendo leitor aquele que leu pelo menos parte de um livro nos últimos três meses antes da pesquisa. Dezesseis por cento dos não leitores são estudantes, naturalmente, em um país em que analfabetos logram obter diplomas de curso superior em instituições privadas.
O gráfico que mais me doeu foi este:


Além da queda da média, que foi de estonteantes 2,4 livros em 2007, verifica-se o papel da escola, e é provavelmente o que assegura o primeiro lugar de Monteiro Lobato entre os escritores mais admirados em 2007 e 2011. Quando se vê a "leitura por gêneros", até a Bíblia caiu. Subiram, no entanto, contos (eu não sabia disso antes de publicar Cidadania da bomba...) e livros religiosos. Relembro o Diagnóstico do Setor Livreiro de 2009, que apontou os gêneros de literatura infantil e juvenil como os mais vendidos pelas livrarias brasileiras.
O projeto de lei sobre preço fixo do livro, portanto, embora possa ter um impacto positivo sobre as livrarias independentes, não ataca as raízes do problema, que é o do desaparecimento gradual de algo que mal chegou a aparecer no país, que é a leitura.
Por sinal, a própria livreira, na condição de representante das Associações Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro e da Nacional no II Seminário do Livro e da Leitura, creio que em 20 de maio de 2010, disse algo parecido na Câmara dos Deputados:
O último ENAF - Estudo Nacional sobre Alfabetização Funcional, diz que apenas 25% dos alfabetizados - assim considerados como tal - têm capacidade plena de leitura. Ou seja, apenas 25% daqueles que, teoricamente, saberiam ler, e dessa base estamos excluindo os realmente analfabetos.
A produção editorial, dados da CBL de 2008, foi de 211 milhões de livros para uma população de 190 milhões de habitantes, o que dá 1,1 livro produzido por ano por habitante. Desse total, a maior parte foi comprada pelo Governo, como já foi dito aqui pelo representante da Belelivros. O Governo brasileiro é um dos maiores compradores de livros do mundo; o livro didático é a grande válvula de escape das editoras, e as compras governamentais sustentam a indústria editorial. Não houvesse isso, se retirarmos dos 211 milhões de livros os 120 milhões ou 130 milhões comprados pelo Governo, sobrará quase nada.

Quase nada, ressalta-se. Imagino (mas sem dados empíricos) que, como a educação é cotidianamente sabotada no Brasil (o espancamento de professores por governos reeleitos é, na verdade, uma realidade que todo dia ocorre em nível micropolítico), seja pelos governos, seja pelos empresários da área, o contato com o livro que ocorre na infância não consiga formar leitores, apesar das compras governamentais. Outra questão, que nem sonho enfrentar agora, está nos impactos dessas compras na pauta editorial e na literatura.
Milena Duchiade, na mesma ocasião, falou de pesquisa financiada pela Câmara Brasileira do Livro, o Sindicato Nacional dos Editores, a ANL e a AEL, a partir dos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar - POF, do IBGE. Os dados eram do início do século. É interessante ver que, se os mais pobres de fato não têm como comprar o livro, os mais ricos não o querem, simplesmente:

As despesas das famílias se distribuem nessa ordem; primeiro, os aparelhos eletroeletrônicos e seus conteúdos; depois, a telefonia celular - as famílias despendiam já em 2002 e 2003 mais dinheiro com telefonia celular, assinatura e aparelhos, do que com todo o lazer fora de casa (parque de diversões, discoteca, forró, motel, cinema, teatro, tudo, enfim). Só depois vem a leitura. Nessa área, mais da metade, 53%, entre jornais e revistas, mais leitores de revistas do que de jornais. Depois, vem o livro didático pago, porque o livro didático não pago entra como doação, embora apareça na pesquisa. As pessoas informam se receberam o livro em doação.
Então, primeiro, jornais e revistas: 53%; depois, livros didáticos: 20%; livros em geral: 10%, sem ser didático. Quase o mesmo gasto em fotocópias. Em relação ao livro técnico, gastava-se, em 2002-2003, mais dinheiro com fotocópia do que com livros técnicos.
Os senhores poderão afirmar: "É porque o livro é caro. É porque não tem". Não. Foi estratificado esse gasto por renda familiar e por nível de instrução do chefe da família, da pessoa de referência da família, para não chamar de chefe e ser politicamente correta. Apenas um quarto, 25% das famílias cuja renda familiar está acima de 15 salários mínimos gasta algum dinheiro com livro não didático. Portanto, não é uma questão de renda, porque elas gastaram com televisão, com telefone celular, com outros itens.
O livro não tem valor. Como disse a professora, o livro, na esfera simbólica, não é considerado um prêmio, não é considerado um valor, mas um castigo. Essa é uma questão extremamente grave.
Então, os senhores poderiam ainda afirmar: "Mas existem as pessoas com instrução. Elas são a nossa salvação". Engano. Menos de 30% das famílias cujos chefe têm nível superior - vejam: não é que tenha largado a faculdade; ele completou - continuam comprando livro. Compram outras coisas, mas não compram livros. Temos de enfrentar essa situação real.
São esses os que poderiam ter comprado os livros da Leonardo da Vinci, e não o fizeram, bem como de outras livrarias. O número delas vem diminuindo no Brasil, como havia ressaltado a livreira na Câmara dos Deputados:
Trouxe dados que o IBGE publicou, semana passada, em cima da pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros - 2009, baixados download grátis no site do IBGE.
Essa pesquisa foi feita com base em informações que as 5.565 Prefeituras Municipais de todo o Brasil fornecem. Foram comparados os dados de 2009 com os de 1999. O número de municípios que possui livraria baixou de 35% para 28%. Significa dizer que entre 1999 e 2009 um grande número de municípios deixou de ter, pelo menos, uma livraria.
Entretanto, vamos analisar o que sucedeu no tocante às unidade de ensino superior. Aumentou 95%, no período, o número de municípios que possuem instituições de ensino superior. Para se ter ideia, no Brasil há mais municípios com unidades de ensino superior - 2.132 - do que municípios que possuem livrarias, 1.557, segundo esses dados. [...]
Temos, então, esse paradoxo: quase 600 municípios onde existe uma instituição de ensino superior - que instituição de ensino superior será essa, não me perguntem, não me comprometam - não possuem livraria alguma!
Talvez este último problema esteja relacionado com certas instituições de ensino superior, que aumentaram em número com os governos de Fernando Henrique Cardoso e, com a política para o ensino superior das administrações do PT de jogar milhões de recursos públicos em sofríveis instituições privadas, agravaram um curioso tipo de analfabetismo: o diplomado. Creio que, nesse sentido, a universidade, no Brasil, vem agravando o problema do analfabetismo.
Voltando à Leonardo da Vinci: li muitas pessoas contando suas histórias da livraria; algumas delas mostram a generosidade de Dona Vanna, que é mesmo uma figura ímpar. Minha memória vai em outra direção: o tempo que o centro do Rio de Janeiro tinha livrarias (continuam existindo, mas em número menor: Berinjela, Folha Seca, o Paço Imperial e outras), muitas delas dedicadas aos livros usados: a Praça Tiradentes era cercada de sebos, e isso acabou (segundo Thiago da Silva Santos, o impacto da Estante Virtual contou para essa extinção). A Livraria Brasileira, tão próxima da Leonardo da Vinci, do outro lado da avenida Rio Branco (no edifício Avenida Central), era a minha preferida e fechou em 2005; a Livraria São José (já bem decadente), também com uma história de uma clientela de intelectuais, em 2014.
Creio que deva ser lamentado o fim de mais uma livraria com livreiros, isto é, pessoas que conhecem os livros, o que as grandes redes (onde a precarização das condições de trabalho é a regra) não têm nem desejam; o fechamento de um lugar onde livros menos óbvios, ou de pequenas editoras e autores independentes, que não lograr chegar às grandes redes, são encontráveis ou encomendáveis (redes como a Livraria Cultura, por exemplo, não encomendam certas editoras); e, finalmente, um lugar de sociabilidade que as lojas virtuais não podem proporcionar. Livrarias como a Leonardo da Vinci são espaços para encontro, o que é tão necessário, especialmente neste momento em que o espaço virtual parece estimular acirramentos vazios de fanatismos satisfeitos de si mesmos e bolhas sectárias de opinião.

P.S.: Na foto, meu gato (um animal que gosta de livrarias), mostrando que a Leonardo da Vinci fez a cabeça dele.
P.S.2: Um terço das vendas mundiais dos livros de colorir Jardim Secreto e Floresta Encantada ocorreu no Brasil, segundo a notícia do Publish News.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Caravana Sudamérica 43 e as Mães de Maio: massacres no México e no Brasil


Familiares dos 43 estudantes assassinados em Ayotzinapa chegarão em São Paulo no dia 2 de junho. Divulgo abaixo o texto da Caravana Sudamérica 43 e sua lista de apoiadores.
A terrível história é mais um dos crimes do Estado mexicano: estudantes da Normal Rural de Ayotzinapa foram executados pela polícia municipal em setembro de 2014: leiam a história, que teve repercussão mundial. Os estudantes estavam "fazendo uma coleta de recursos entre a população local para a manutenção da sua escola e para assistir a marcha nacional contra o esquecimento da matança dos estudantes de 1968". Acabaram sendo alvo de outro massacre.
Eu sabia dessa chegada porque ela foi um dos assuntos do último encontro do seminário das quartas-feiras da Faculdade de Filosofia da USP, dia 27 de maio, em que estiveram representantes das Mães de Maio. As Mães receberão os familiares mexicanos. Como se sabe, elas também representam famílias que sofreram um massacre: o assassinato de centenas de jovens na periferia de São Paulo em maio de 2006.
O crime foi impressionante: o número de vítimas foi maior do que o de militantes políticos durante os anos da ditadura militar (menor, claro, do que o de índios e camponeses mortos pela ditadura, que são mais de dez mil). E gerou resposta imediata do Ministério Público do Estado de São Paulo, em 25 de maio: um elogio público à Polícia Militar... O que é uma das razões pelas quais as Mães de Maio pedem a federalização desses crimes.
Foram três membros do movimento ao seminário. Débora Maria da Silva explicou que os mortos das Mães de Maio "têm nome e sobrenome", exigindo memória e justiça, e que elas não querem "poder de gabinete", mas "poder de transformação": sabiamente, não querem se institucionalizar, mesmo na Comissão da Verdade da Democracia, que segue trabalhando: "Este movimento tem cérebro. Nós não somos coitadas. Somos guerreiras, nós não nos curvamos pro Estado."
A uma indagação sobre o deputado estadual Telhada, do PSDB, que é contrário ao movimento, Débora respondeu que ele é um "produto da sociedade paulistana", "que não vê o outro da periferia". Sobre o Ministério Público estadual, ela reiterou que os procuradores não fazem a fiscalização externa da polícia e que pedem o arquivamento dos inquéritos, apesar dos laudos apontarem para execuções.
Danilo Dara informou que estão produzindo novo livro para os 10 anos dos crimes e criticou o "mercado de direitos humanos": acadêmicos e organizações não governamentais que usaram as Mães para promoção própria. Ouçam-no falar sobre a desmilitarização da polícia (outro dos temas do seminário) nesta entrevista à Central Autônoma.
Francilene Gomes Fernandes falou da dissertação de mestrado em Assistência Social, pela PUC-SP, que elaborou sobre os crimes de maio, "Barbárie e direitos humanos: as execuções sumárias e os desaparecimentos forçados de maio (2006) em São Paulo", e a dificuldade ética e metodológica de estudar o objeto em que ela diretamente implicada, que acabou se tornando uma vantagem. E ela explicou que as Mães não tiveram "nenhum apoio da Defensoria Pública em nenhum momento".
Entre outras perguntas, o professor Paulo Arantes quis saber da relação do movimento com os familiares de mortos e desaparecidos políticos. Francilene afirmou que "não existe hierarquização de nossas lutas", "é um crime de lesa-humanidade". Alguns dão apoio, como Ângela Mendes de Almeida e Alípio Freire, mas Danilo denunciou que "a maioria ou silencia ou está se lambuzando em cargos". Eles mencionaram a atuação de Adriano Diogo, que foi preso político da ALN (Ação Libertadora Nacional), presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" e apoiou a fundação da Comissão das Mães de Maio.

Foi uma ocasião importante para a discussão da possibilidade de construir a democracia e a justiça no Brasil. E a vinda do Movimento do México será importante para ampliar o debate a articular ações, imagino.
No contato com as famílias mexicanas, vemos a ampliação da rede desses movimentos de direitos humanos, que não devem se circunscrever aos limites nacionais, sendo as execuções sumárias e os desaparecimentos forçados os instrumentos criminosos de "gestão" das populações que os Estados da América Latina (e, sim, o Brasil pertence à América Latina) tantas vezes empregam com moradores das periferias, bem como com os negros e as populações indígenas.
Sugiro o acompanhamento das notícias da Caravana no portal do Coletivo Antiproibicionista DAR.

Depois de passarem por Argentina e Uruguai, familiares dos 43 estudantes desaparecidos pelo Estado mexicano em setembro do ano passado desembarcam em São Paulo na noite desta segunda-feira para a primeira das três etapas brasileiras da Caravana 43 Sudamérica. A iniciativa, organizada por coletivos e movimentos sociais autônomos, busca demonstrar solidariedade com a luta dos familiares e fazer ecoar suas demandas por justiça e apresentação com vida dos desaparecidos.

Inaugurando os eventos no dia 2, a partir das 14h, haverá uma coletiva de imprensa na qual os familiares explicarão melhor a Caravana Sul-americana e suas demandas. Ela acontecerá na sede da Kiwi Cia. de Teatro, no centro da cidade. Os familiares não estarão disponíveis para entrevistas no restante dos dias.

Haverá ainda um debate público, a ser realizado às 19h do dia 2 de junho e do qual participarão as Mães de Maio, também no centro, e um sarau na noite do dia 3 de junho, no Taboão da Serra, organizado pelo Sarau do Binho em conjunto com outros saraus da periferia paulista, no qual será prestada solidariedade e homenagem aos familiares de Ayoztinapa e sua luta.

O debate do dia 2 de junho será precedido de uma intervenção teatral pública na Praça da Sé, às 18h, organizada pelo grupo de teatro Coletivo de Galochas, e a agenda dos familiares contará ainda com uma visita a uma aldeia indígena na zona sul da cidade.
A Caravana 43 Sudamérica começou no dia 16 de maio e no total passará por sete cidades: no Brasil incluirá também Rio de Janeiro e Porto Alegre. O recorrido acontece nos mesmos moldes de movimentações recentemente organizadas nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, onde familiares dos desaparecidos passaram por doze países.

Mais informações:

Programação pública completa
2 de junho (terça), às 14h – Coletiva de imprensa com os familiares
Kiwi Cia de Teatro: Rua Frederico Abranches, 189

2 de junho (terça),
às 18h, intervenção teatral na Praça da Sé. Coletivo de Galochas.
às 19h – Debate público – Caravana 43: familiares de Ayotzinapa, Mães de Maio e suas resistências
Quadra dos bancários: rua Tabatinguera, 192

3 de junho (quarta), às 20h – Ayotzinapa somos todxs – Sarau do Binho com outros saraus
Espaço Clariô: Rua Santa Luzia, 96 – Taboão da Serra
  
Coletivos que compõem a Caravana em São Paulo:  
Mães de Maio
Movimento Passe Livre – SP
Casa Mafalda Espaço Autônomo
Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais CATSO  
Rede 2 de Outubro
Espacio de Lucha Contra el Olvido y la Represión (ELCOR) – Red Contra la Repression (México)
Margens Clínicas
Comboio Moinho Vivo
Rizoma Tendência Estudantil Libertária
Coletivo DAR (Desentorpecendo a Razão)
Rede Extremo Sul
Comissão Yvyrupá

P.S.: As Mães de Maio deram um lindíssimo fora na editora Boitempo nesta nota: http://passapalavra.info/2015/06/104815