O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

domingo, 30 de abril de 2023

Cartum ou a fissura do mundo


I

A fissura
do braço
e o cartunista analisa
as difíceis condições
da integridade do mundo.

A fissura
do braço
e o mundo teme fraturar-se
nos perigos e acidentes
do cartunista.

A fissura
do braço
ou a queda
inscrita nas asas
a cidade que migrou
para os buracos das ruas
a humanidade reinventada
pelas infrações de trânsito.

A fissura
o novo modelo
que os artistas gostariam de contratar
para o retrato do mundo
mas não sabem como pagá-la
senão com a própria obra.

A fissura
ou o novo braço
com que o mundo
presenteou o cartunista

que agradece
mas não desenha agora.

A fissura toma o papel
e com borrões
pisões
esbarros e gritos
desenha inteiro
o cartum do mundo.


II

O que é o cartum?,
perguntam milhares,
assim como indagam
(quando esbarram com ela)
o que é a poesia?
e seguem adiante
sem esperar a resposta das inutilidades.

O que é o cartum?
Dá para ser coach de cartum?
Ele convida para festas ou ministérios?,
perguntam enojados
a imaginar que ele fugiu com os quadrinhos
da mesma escola de alfabetização.

Gozam do cartum
enquanto agitam os próprios genitais.
Não sabem o que é
e, se indagam,
apenas o fazem para mostrar
que ignoram as coisas desimportantes.

Não sou importante,
não pergunto o que são a poesia e o cartum.

Quando os vejo,
sei que você está vivo,
a resposta que me importa.