O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

"A roupa não presta. / O golpe está nu."



I

Policial militar, ou
fotógrafo de selfie
com golpistas;
soldado, ou filador
de churrasco
de golpistas acampados;
quartel, ou a útil paisagem
das cabanas de golpistas;
agro, o negócio
de semear golpistas
e usar o agrotóxico
para a democracia
jamais contaminar
a monocultura;
o púlpito, a escola
de ordenar o massacre
em nome de deus
e aliviar os intestinos
sobre os tribunais;
a bandeira da pátria, ou
o limpa-cu de golpista,
diarreicamente a tornar-se
o sudário do golpe.

Secretário de segurança, ou
turista ianque do golpe,
governador, ou
office-boy do golpe,
enquanto mulheres de generais
mandam fazer crochê
com as linhas arrancadas 
da bandeira nacional.

A roupa não presta.
O golpe está nu.


II

quebramos os vidros porque somos ordeiros
somos contra as eleições porque nós as ganhamos
nós as perdemos mas nós ganhamos
porque esta é a ordem e nós somos ordeiros
rezamos obedientes para o pneu porque caiu da nave do ET
nós sinalizamos com telefones para a astronave
descobrimos que a nave era uma urna
e nosso presidente venceu a eleição em outra galáxia

nosso presidente mandou um vídeo
ele comia farofa com doce de leite
era uma mensagem secreta
quando destruíssemos a capital tínhamos que roubar os doces nas gavetas
para deixar o país em forma
a farofa eram os cacos
dos computadores do século XXI
do relógio do século XVII
e da democracia representativa do XVIII ou XIX
a escravidão eu sei que era dos dois

antes de quebrarmos tudo
o país não era inteiro nosso
agora que é caco
conseguimos pisar sobre ele todo


III

Recebi mensagem da médica falando que a demência na população brasileira vai duplicar em trinta anos. 
E daí? Médico é demente mesmo, quer dar até vacina em quem não é doente.
Vai duplicar... Que coisa.
O quê?
O que eu estava falando.
O que era mesmo?
Demência.
É culpa deste governo! São todos dementes!
É culpa do governo de agora, que não tem um ministério da fé, então ninguém acredita. Eu vi nas mensagens do grupo de transubstanciadoras do vinho.
O que é isso?
É um grupo de senhoras que transforma vinho em água. Dão informações muito reais. Tudo na fé. Elas revelam todos os segredos deste governo de agora, como os cultos satânicos nas catacumbas da floresta na Praça dos Três Poderes. Mas a mensagem da médica não veio delas, não sei se dá para acreditar.
Este governo não é como o nosso presidente piedoso, que dava exemplo de saúde, andava de jet-ski enquanto a imprensa dizia que morriam milhares por dia. Mas... o que a médica disse mesmo?
Vai duplicar.
Ah! E o governo de agora, vai fazer o quê?
Ela falou que a ministra da saúde vai tentar impedir.
– Não disse? Iria duplicar, mas este governo mal chegou e já quer impedir! A esquerda sempre atrapalhando o progresso!


IV

(Pelas togas encharcadas
do sangue de meia quatro,
pelas fardas respingando
do sangue de meia quatro,

das veias de todo dia
abertas pelo mercado,
serve-se a democracia,
galinha ao molho pardo;

com as mãos e com os pés
lambuzam-se deste prato;
sem o cardápio do golpe,
o que servir ao Estado?)


V

claro que se os nossos parlamentares todos de direita chamaram a gente para quebrar tudo
e se nós estamos presos e eles estão livres
é que tudo não passou de um plano da esquerda 
e só por isso o golpe fracassou
porque a direita é só sucesso
o golpe contra o governo de esquerda foi dado pela esquerda
para encenar que isto é um país
por isso meu protesto dizendo que sou de direita e homem de deus
minha fé é combater os impiedosos
se levei pênis de borracha para as gavetas do tribunal
pisei no capacete da policial com ela dentro
se arranquei da parede do senado um tapete e mijei nele
foi exercendo minha liberdade de culto
só me arrependo de um ovo quebrado no congresso eu poderia ter fritado
protesto também contra os direitos humanos só servem para os criminosos
a prova é que na prisão me servem água
mas à noite eu gosto de um licorzinho 


VI

No documentário sobre a derrota do golpe
falaram em nome da democracia
apenas homens brancos
de terno ou farda.

O golpe, se triunfante,
ganharia o nome de revolução.
Eis a tradição pedagógica
inventada pelo pau de arara.

Não foi assim. Contudo,
se o golpe tivesse vencido,
no documentário da revolução
falariam apenas homens brancos
de terno ou farda.

Eis a ciência política
inventada pelo pau de arara.


VII

(Na história militar
nunca algo assim se deu:
acampados em barraca
meses diante do quartel.

Fornecemos água e luz
para os insurrectos,
banheiro para os seus cus,
segurança para os retos.

Deles não temos receio.
Damos o mesmo à república,
nós a cobrimos dos seios
até a região púbica.

Segundo os nossos fuzis
não existe diferença
entre a barraca e o país,
salvo pela obediência.)


VIII

O ovo africano:
autor desconhecido.
Presente de outro continente
ao país por ele formado.

A destruição do patrimônio,
ou a materialidade da insurreição.
Fardas terceirizaram o golpe
e elas usam botas
para apreciar as obras.

Um ano após a horda,
os pedaços da casca reconstituídos.
Faltam alguns, contudo.
A casca não é mais inteiriça.
Os olhos atravessam o ovo.

Agora a obra é outra.

Lacunas e vãos
deixam entrever
inteiro este país.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Pequena retrospectiva de 2023 à luz (ou às trevas) do ano de 2019

Vi, na véspera do final de 2023, que alguns perfis no Twitter criticaram o deputado federal filho do ex-ocupante da presidência por ele ter desafixado um tweet com índices econômicos de 31 de dezembro de 2022  isto é, do final da gestão anterior, dia em que o próprio Jair Bolsonaro não estava mais no país, pois se evadiu para os Estados Unidos: aparentemente, nem ele mesmo suportava a própria presidência.

O governo Lula melhorou todos aqueles números, porém aquele parlamentar, que não é renomado pela capacidade de análise econômica, certamente retirou a informação não para ocultar aqueles dados de seus eleitores (o que seria, é claro, um procedimento indigno para um homem público), mas para poder meditar melhor sobre o assunto.

No entanto, creio que a direita tem suas razões para julgar que o primeiro ano de mandato do presidente Lula foi pior do que o de Jair Bolsonaro. Afinal, o país melhorou. Para entendê-las, esbocei esta breve comparação. Nem sempre as datas são paralelas; busco sugerir para cada acontecimento um choque ou até mesmo uma convergência, digamos, de espírito no intervalo de quatro anos.



1º de janeiro de 2023: Lula, por meio de decretos, reativou o Fundo Amazônia, revogou a possibilidade de segregação educacional de crianças, jovens e adultos com deficiência criada pela chamada "Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida" de Bolsonaro; estabeleceu diretrizes mais severas para o controle de armas (o registro de armas cairia 79% até o fim do ano), ampliou a composição do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente; extinguiu o programa de Bolsonaro que poderia levar ao estímulo do garimpo ilegal, o "Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala"; por medida provisória, criou auxílio complementar para os beneficiários do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás, entre outras medidas, que incluíram a revogação dos processos de privatização de estatais como a Petrobras e os Correios.

1º de janeiro de 2019: O primeiro decreto de Jair Bolsonaro foi estrategicamente direcionado contra os trabalhadores: ele reduziu o valor previsto para o salário mínimo (Temer havia fixado em mil e seis reais para 2019, Bolsonaro baixou para 998 reais). Ele acabou com a política de valorização do salário mínimo, retomada apenas com a volta do presidente Lula. A medida provisória de reorganização dos ministérios jogava a competência para a demarcação das terras indígenas e dos quilombolas para uma órgão sem expertise nem simpatia pelo tema, o Ministério da Agricultura (pressionado, o governo teve de voltar atrás e devolver essas competências para o Ministério da Justiça, embora o Ministro da pasta, Sérgio Moro, dissesse que não tinha "interesse" nesses assuntos: de fato, sua gestão seria considerada "péssima" pelas lideranças indígenas), e acabava com as políticas de diversidade no recém-criado ministério heteróclito da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 


8 de janeiro de 2023: Tentativa malograda de golpe de bolsonaristas que ficaram acampados semanas em Brasília diante do quartel sobre a amabilidade do Exército, e puderam vandalizar as sedes dos três Poderes sob a leniência das forças de segurança, cuja imagem mais emblemática é a da bunda golpista defecando no Supremo Tribunal Federal. Já há condenados pelos atos criminosos. A CPI sobre o tema concluiu pela responsabilidade de Jair Bolsonaro, mas o Judiciário não decidiu ainda sobre o ex-presidente, hoje inelegível por causa da prática de ilícitos eleitorais.

8 de janeiro de 2019: Golpe efetuado do governo bolsonarista, aliado do secular latifúndio (hoje apelidado de "agronegócio"), contra os quilombolas e os trabalhadores do campo: foi determinada a paralisação da reforma agrária e da demarcação das terras de quilombolas, em evidente descumprimento da Constituição da República: vejam os artigos 184 a 191 e o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Um exemplo de inconstitucionalidade alçada ao patamar de política de governo.


10 de janeiro de 2023: A Polícia Federal encontrou o que chamou de "minuta de golpe" na casa de Anderson Torres, ex-ministro da justiça de Jair Bolsonaro e secretário de segurança pública do Distrito Federal - segurança que falhou ostensivamente no 8 de janeiro.  A minuta previa a declaração de "estado de defesa" no Tribunal Superior Eleitoral para reverter os resultados das eleições de 2022.

10 de janeiro de 2019: Matéria do G1: "Flávio Bolsonaro não comparece ao MP-RJ para depor sobre relatório do Coaf", caso que trata da "movimentação financeira atípica de funcionários do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj)".


14 de janeiro de 2023: Prisão do ex-ministro da justiça de Jair Bolsonaro e ex-secretário de segurança do Distrito Federal Anderson Torres, em razão das investigações da tentativa de golpe em 8 de janeiro. Ele ficaria 117 dias preso.

14 de janeiro de 2019: O governo italiano telefonou para Jair Bolsonaro para agradecer pela entrega de Cesare Battisti à Itália, onde ele passou a cumprir pena de prisão perpétua. O governo Lula havia negado sua extradição, considerando-o refugiado político.


16 de janeiro de 2023: A Ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara, anunciou a revogação da instrução normativa que autorizava (inconstitucionalmente, aliás) a exploração de madeira em terras indígenas, editada pelo governo de Jair Bolsonaro. A criação do Ministério dos Povos Originários, inédito no Brasil, foi uma promessa de campanha do presidente Lula.

16 de janeiro de 2019: O movimento indígena da Paraíba entregou representação ao Ministério Público Federal denunciando ações anti-indígenas do governo de Jair Bolsonaro, notadamente o esvaziamento da competência da Funai e a atribuição das demarcações indígenas à pasta da ruralista Tereza Cristina (reeleita senadora pelo Mato Grosso do Sul em 2022), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. No Maranhão, fazendeiros invadiram terras do povo Awa Guajá, desrespeitando decisão judicial contra os invasores.


24 de janeiro de 2023: 1777 dias da execução da vereadora da cidade do Rio de Janeiro Marielle Franco e do motorista Anderson Pedro Gomes.

24 de janeiro de 2019: O deputado federal reeleito Jean Wyllys (PSOL-RJ) anunciou que não tomaria posse na Câmara para seu novo mandato em razão das ameaças de morte que sua família estava sofrendo. Ele partiu para o exterior e só voltou ao país com o novo governo Lula. Cito sua carta da época, em que mencionou o silêncio da Polícia Federal mesmo depois de ele ter apelado à Organização dos Estados Americanos pedindo proteção:

mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.


27 de março de 2023: Começou o especial na TV Brasil sobre o golpe de 1964.

27 de março de 2019: O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou perante a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados que não houve golpe em 1964. Era um homem sensível, a dizer coisas doces nos locais mais apropriados: como se sabe, o Congresso Nacional chegou a ser fechado durante a ditadura militar e vários parlamentares foram cassados.


30 de março de 2023: Reconstituição da Comissão de Anistia, que havia sido extinta em dezembro de 2022 pelo governo de Jair Bolsonaro.

30 de março de 2019: Ato unificado Ditadura Nunca Mais, em São Paulo, contra as políticas pró-ditadura do governo Bolsonaro e pela transformação do antigo DOI-Codi de São Paulo em local de memória. Cito Adriano Diogo, que foi presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva": “Não é admissível uma delegacia de polícia funcionar num prédio que abrigou o DOI-Codi. É como se uma usina de gás alemã funcionasse até hoje em um campo de concentração”.


31 de março de 2023: As Forças Armadas, sob a determinação do presidente Lula, não celebram mais o golpe de Estado (de 1º de abril de 1964).

31 de março de 2019: Com autorização de Jair Bolsonaro, as Forças Armadas celebraram a ditadura militar, libertando a nostalgia autoritária represada da direita brasileira

Em São Paulo, a sociedade civil realizou no Parque Ibirapuera a I Caminhada do Silêncio, em memória dos desaparecidos da ditadura e dos da democracia. Eu fiz o cartaz abaixo de Olavo Hanssen, torturado e assassinado pelo DOPS/SP em 1970. Na ligação, pode-se ler a narrativa que escrevi sobre o ato.



7 de abril de 2023:  Fechamento do espaço aéreo pela Força Aérea Brasileira sobre a terra indígena dos Yanomâmi por causa dos garimpeiros ilegais que invadiram  envenenaram com mercúrio e devastaram a região. A medida foi antecipada: ela só ocorreria em março. Meses depois, os militares deixariam a região e os garimpeiros voltariam.

7 de abril de 2019: O músico Evaldo Rosa dos Santos foi executado com 257 tiros por soldados do Exército quando passava com seu carro pela Estrada do Camboatá para ir a um chá de bebê. Seu sogro, Sérgio Araújo, foi atingido também. O catador Luciano Macedo, ao tentar ajudá-lo, foi alvejado e morreu dias depois. No mesmo dia, o Comando Militar do Leste emite nota chamando as vítimas de "assaltantes".


4 de abril de 2023: Suspensão, por meio de portaria do Ministro da Educação, Camilo Santana, do cronograma nacional de implementação do novo ensino médio.

8 de abril de 2019: Demissão, por inapetência administrativa, do ministro da educação Ricardo Vélez, colombiano naturalizado brasileiro, que havia chamado os brasileiros de "canibais" e louvado a ditadura militar. O filho vereador do então ocupante da presidência havia tentado negar o óbvio da crise da pasta, mesmo para os modestos padrões administrativos do bolsonarismo, mas os fatos desmentiram-no rapidamente:



30 de abril de 2019: O ministro da educação, Abraham Weintraub, um caso raro de professor da Unifesp sem doutorado, depois de ter arbitrariamente dito que bloquearia 30% do orçamento da UnB, da UFF e da UFBA devido a alguma "balbúrdia", determinou sem aviso às instituições o contingenciamento de 30% do orçamento de TODOS os institutos e universidades federais.


23 a 28 de abril de 2023: Realização do Acampamento Terra Livre, ocupação dos povos indígenas brasileiros em Brasília, que ocorre anualmente para que possam apresentar suas reivindicações às sedes dos Poderes. Pela primeira vez na história, um presidente da república apareceu no ATL: Lula foi ao encerramento no dia 28 e assinou a demarcação de seis Terras Indígenas.

11 de abril de 2019: Jair Bolsonaro assinou mais um decreto de ataque à democracia participativa, de número 9759, com a ementa eufêmica "Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal.", que acabou com colegiados, inclusive o Grupo de Trabalho Araguaia e o Grupo de Trabalho de Perus, que buscou identificar ossadas de desaparecidos políticos ocultadas no Cemitério de Perus, em São Paulo. Nesses casos, ele teve que recuar.


3 de maio de 2023: Prisão do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Segundo a Polícia Federal, ele teria buscado suporte legal para que o então ocupante da presidência, derrotado nas eleições, desse um golpe de Estado.

3 de maio de 2019: O Ministério Público Federal propôs ação para a nulidade da Portaria do Ministério de Direitos Humanos que descaracterizou a Comissão de Anistia, nomeando membros contrários à anistia política: "vê-se que 07 membros nomeados para a nova composição do Conselho da Comissão de Anistia são agentes de carreiras ou têm histórico e postura públicos que são INCOMPATÍVEIS com a função do órgão, seja por manifesta contrariedade à política pública de reparação das vítimas de Estado ou devido à atuação judicial contrária à política de reparação, ou ainda por se posicionarem contrários à instauração da Comissão Nacional da Verdade, seja porque integram as forças coercitivas do Estado".


8 de maio de 2023: O educador Daniel Cara, em mais uma manifestação contra o Novo Ensino Médio, afirma ao Instituto Humanitas Usininos que: 

Ninguém que entende verdadeiramente de educação, que conhece a realidade escolar, defende a reforma do Ensino Médio, que estabeleceu o NEM. Portanto, professores, formadores de professores, pesquisadores, estudantes e suas entidades e movimentos querem a revogação do NEM. 

Do outro lado, há fundações e associações empresariais, secretarias estaduais de educação e, infelizmente, o Ministério da Educação do governo Lula.

Em 16 de maio, publicou-se Nota Técnica assinada por ABECS (Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade) e REPU (Rede Escola Pública e Universidade) sobre a consulta "homologatória" que o ministério da educação abriu sobre o NEM. Outras entidades somar-se-iam à oposição ao NEM, cuja discussão no Congresso Nacional acabou sendo postergada para 2024.

7 de maio de 2019: O ministro da educação de Bolsonaro, Abraham Weintraub teria diversas brigas com a ortografia durante o mandato ("paralização", "suspenção", "imprecionante" viraram destaques no léxico bolsonarista). Não era apenas essa a característica que o qualificava como intelectual bolsonarista, contudo. Em audiência pública no Senador, o professor da Unifesp revelou certa ignorância literária confundindo Kafka com cafta. A Livraria Leonardo da Vinci, do Rio de Janeiro, dias depois, mandou-lhe um "pedaço" da novela A metamorfose, de Kafka, para que o ministro pudesse apreciá-la. Aparentemente, em 22 de julho do mesmo ano, ele ainda não havia apreciado a iguaria, irritando-se porque, no Pará, tentaram lhe explicar a diferença entre o escritor e o prato culinário.

9 de maio de 2019: Suspensão de bolsas de pesquisa da Capes. Em ataque nunca antes visto à ciência e à educação brasileiras, até o final do mandato de Bolsonaro seriam milhares de bolsas suspensas: ainda não vi um levantamento detalhado das perdas sofridas nesse período.

Maio de 2019: O grande Alberto Pimenta lançou pelas Edições do Saguão, de Lisboa, o livro Zombo, com o gentil poema sobre o "Bolso ignaro". Ele não mencionou o ministro brasileiro da educação, porém.


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10 de junho de 2023: "Homem negro amarrado por PMs em São Paulo tem liberdade negada: Tribunal de Justiça de SP negou o pedido de habeas corpus ao homem negro que foi carregado com as mãos e pés amarrados por policiais militares paulistas".

10 de junho de 2019: Decreto presidencial de enfraquecimento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ligado ao ministério ocupado por Damares Alves (hoje senadora), acabando com os cargos dos peritos. Esse imenso retrocesso capitaneado por Bolsonaro e Damares levou o Ministério Público Federal a publicar a seguinte nota pública: no dia 13 seguinte, assinada pelo Subprocurador-geral da República Domingos Sávio Dresch da Silveira:

O desmonte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, por meio de alterações em sua composição e funcionamento - as quais, na prática, destroem as condições de desenvolver as atividades essenciais para a prevenção e o combate à tortura, com a exoneração dos onze peritos do Mecanismo Nacional, o remanejamento de cargos e a transformação do trabalho dos peritos em "prestação de serviço público relevante, não remunerada" -, constitui dramático retrocesso no processo de afirmação e efetivação dos direitos humanos no Brasil. A existência de um órgão autônomo com atribuição legal para realizar a fiscalização das condições de privação de liberdade, composto por peritos tecnicamente qualificados, com perfil interdisciplinar, tal qual a composição do Mecanismo, concretiza a promessa constitucional de recusa e vedação à tortura e alinha o Brasil aos países com política pública relevante de defesa e promoção dos direitos humanos.

Em 28 de março de 2022 o Supremo Tribunal Federal julgaria essas medidas inconstitucionais.


30 de junho de 2023: O Tribunal Superior Eleitoral julgou Jair Bolsonaro inelegível por 8 anos em razão de abuso de poder, em razão de ter chamado embaixadores estrangeiros no Brasil, em 2022, para proferir um insólito discurso de ataque ao sistema eleitoral brasileiro. O episódio representou não só um embaraço diplomático, mas um momento inquietante do processo eleitoral, ensombrecido pela interferência dos militares em 2018 e 2022.

30 de junho de 2019: Carlos Bolsonaro, vereador da cidade do Rio de Janeiro e filho do então presidente, criticou o general Augusto Heleno, então chefe do Grupo de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, por causa da "prisão na Espanha do sargento Manoel Silva Rodrigues, acusado de ter traficado 39 quilos para a Europa em avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que fazia parte da comitiva que acompanhava o presidente em viagem rumo ao Japão". Foi o episódio de tráfico de cocaína por militar em avião da comitiva do presidente Jair Bolsonaro, descoberto pelas autoridades espanholas, não por militares brasileiros: outro embaraço diplomático.


28 de julho de 2023: Divulga-se que Jair Bolsonaro recebeu mais de 17 milhões via PIX entre janeiro e julho e, depois, que aportou aproximadamente a mesma quantia para fundos de renda fixa, quando ainda era presidente da república, e os advogados do ex-presidente publicaram nota afirmando que a divulgação "consiste em insólita, inaceitável e criminosa violação de sigilo bancário, espécie, da qual é gênero, o direito à intimidade, protegido pela Constituição Federal no capítulo das garantias individuais do cidadão".

28 de julho de 2019: "Jair Bolsonaro, atacou em 29 de julho de 2019 Felipe Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Indignado porque a OAB conseguiu impedir a violação do sigilo profissional dos advogados, necessário para o direito de defesa, ele afirmou que, se Santa Cruz 'quisesse saber como é que o pai dele desapareceu durante o período militar, conto pra ele. ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele.'" O desaparecido político era Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, de quem Bolsonaro já havia dito que ele teria sumido bêbado em acidente de carnaval... 


3 de agosto de 2023. Matéria do Brasil De Fato: "Em 12 meses, desmatamento sobe 16,5% no Cerrado e cai 7,4% na Amazônia, mostra Inpe". O desmatamento no cerrado, em sua maioria, estaria ocorrendo de forma legal por causa da cumplicidade dos governos locais.

2 de agosto de 2019: Demissão do diretor do INPE: Bolsonaro, sem evidentemente nenhuma capacidade técnica para fazê-lo, queria desmentir os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) sobre desmatamento, e Ricardo Galvão negou-se a submeter os dados científicos aos interesses devastadores da extrema-direita. O ocupante da presidência acusou-o sem fundamento de estar a serviço de "alguma ONG" e exonerou-o. O ministro da ciência e tecnologia, Marcos Pontes (hoje senador por São Paulo), ficou contra o cientista e a favor da exoneração. Ricardo Galvão passou a presidir o CNPq no governo Lula.


10 de agosto de 2023: O senador Ciro Nogueira (PP-PI) declarou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, "completamente ultrapassada" por supostamente querer voltar às "cavernas" e pressionou pela saída do governo porque ela, tentando implementar medidas contra o desmatamento ilegal, paralisaria o soi-disant "agronegócio" brasileiro. Certamente o senador equivocava-se, pois um setor econômico que precisasse da ilegalidade para sobreviver deveria ser considerado uma questão de crime organizado e não deveria receber, como recebe, subsídios bilionários governamentais. A Ministra continua no governo.

10 de agosto de 2019: O tristemente inesquecível Dia do Fogo: fazendeiros fizeram queimadas em torno da BR-163, no Pará e, cito o relatório do Centro Indigenista Missionário (Cimi), "os focos de incêndio nas cidades de Novo Progresso e Altamira cresceram 300% e 743%, respectivamente, de um dia para o outro".

O relatório Violência contra os povos indígenas do Brasil - Dados de 2019 acrescentava:

Cinco dias antes, o jornal Folha do Progresso havia publicado uma conversa com um dos produtores que planejavam a ação e sentiam-se, segundo o jornal, “amparadas pelas palavras do presidente Bolsonaro”. “Precisamos mostrar para o presidente que queremos trabalhar e [o] único jeito [é] derrubando. Para formar e limpar nossas pastagens é com fogo”, explicou a liderança não identificada.

O governo Bolsonaro conseguiu intensificar suas políticas na área ambiental e superou a marca do Dia do Fogo em 22 de agosto de 2022, com 3.358 focos de incêndio em 24 horas. Não à toa, seu ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, que já havia sido secretário da mesma área para o governo do Estado de São Paulo na gestão de Geraldo Alckmin (hoje vice-presidente da República), logrou ser eleito em 2022 deputado federal por esse Estado.


11 de agosto de 2023: Operação da Polícia Federal contra a "suposta tentativa, capitaneada por militares ligados a Bolsonaro de vender ilegalmente presentes dados ao governo por delegações estrangeiras", envolvendo o advogado Frederico Wassef e os militares Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens de Jair Bolsonaro, e o pai dele, o general Mauro Cesar Lorena Cid. Tratava-se da apuração de "venda ilegal de joias dadas de presente por delegações internacionais". O caso foi revelado por André Borges, que estava no Estado de S.Paulo e foi depois demitido do jornal. As joias presenteadas pela Arábia Saudita a Jair e Michelle Bolsonaro e não declaradas na alfândega chegavam ao valor de 16 milhões e meio.

11 de agosto de 2019: O deputado federal pelo Estado de São Paulo Carlos Bolsonaro (reeleito em 2022, hoje, como o pai, no PL) fez esta importante advertência: "As [sic] vezes tem-se a errada impressão que terrorismo é apenas quando ocorre algum ataque. Brasil tem que abrir seus olhos para grupos que lavem dinheiro aqui, que aqui tenham livre trânsito, fáceis maneiras de conseguir passaporte brasileiro e etc."



14 de agosto de 2023: Matéria do Congresso em Foco: "Abin acha ligação entre garimpo ilegal no Pará e atos golpistas de 8 de janeiro": "De acordo com o documento, os empresários Roberto Katsuda e Enric Lauriano estão diretamente associados ao garimpo ilegal no estado. Também têm vínculos com políticos e com uma rede de apoiadores da prática ilícita e do ex-presidente Jair Bolsonaro na região.".

4 de outubro de 2019Demissão de Bruno Pereira da coordenação-geral de índios isolados, depois de ter atuado com muito êxito na maior destruição de equipamentos do garimpo ilegal naquele ano. O indigenista falou na ameaça de "aniquilamento dos povos indígenas, da nossa diversidade. São mais de 200, mais de 300 povos indígenas e 400 terras indígenas que terão seus territórios disputados. Eu não vejo um cenário positivo".  A Funai, com Bolsonaro, passou a ser presidida por Marcelo Xavier, nome indicado pela bancada do latifúndio. Bruno Pereira acabaria sendo assassinado por sua atuação em prol dos indígenas, fora da Funai, em 5 de junho de 2022 com o jornalista Dom Phillips.


17 de setembro de 2023: Estreia da peça "A Casa", na Ocupação Mulheres Mirabal, em Porto Alegre. O espetáculo foi feito a partir da dramaturgia de Angélica Freitas, em parceria com a diretora Nina Picoli e a atriz Janaína Kremer. A peça discute "questões sociais e direito à moradia". É despiciendo lembrar que essas questões aparecem também na conhecida obra poética de Angélica, que é completamente incompatível com o bolsonarismo. O compositor e cantor Vitor Ramil (além de escritor), em seu espetáculo musical "Avenida Angélica", que estreou em 2019, ressaltou as questões da cidade na poesia da autora.

17 de setembro de 2019: Um dos deputados estaduais bolsonaristas de Santa Catarina, não interessado em questões sociais e direito à moradia (aparentemente já resolvidos naquele Estado que o reelegeu em 2022), mas em visões alternativas sobre racismo (alternativas em relação ao direito brasileiro), bem como sobre diversidade e violência doméstica, propôs moção de repúdio (não votada) contra a poesia de Angélica Freitas, que estaria "ferindo os valores cristãos"


18 de setembro de 2023: Primeiro réu condenado, por 17 anos, pela tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro. O Supremo Tribunal Federal julgou-o. As notícias destacam o "histórico de violência" do bolsonarista Aécio Lucio Costa Pereira.

25 de setembro de 2019: O Superior Tribunal de Justiça manteve o trancamento da ação penal do Riocentro (a tentativa de atentado terrorista do Exército em uma festividade do Primeiro de Maio durante o governo de Figueiredo, que seria atribuída à esquerda e justificaria o fim da abertura política). O relator, Ministro Rogerio Schietti Cruz, votou pela reabertura, mas sua posição, e do Ministério Público Federal, foi derrotada


21 de setembro de 2023: O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a tese legitimadora de genocídio e de remoções forçadas contra os povos indígenas, o marco temporal. Os ministros indicados por Jair Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, foram votos felizmente vencidos: afinal, eram apenas dois, já que Lula venceu em 2022. 

21 de setembro de 2019: Raoni, a histórica liderança Caiapó, criticou Jair Bolsonaro e afirmou que ele não tinha um "coração bom" e queria "destruir os indígenas".


17 de outubro de 2023: Relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos de 8 de Janeiro de 2023, presidida pelo deputado federal Arthur Maia e relatada pela senadora Eliziane Gama. Ela foi instaurada a partir de requerimento de certo deputado federal bolsonarista que apoiou os manifestantes contra o resultado das eleições, mas se revelou prejudicial para os golpistas. Nas conclusões, lemos:

O Oito de Janeiro foi limitado. Não eram milhares os seguidores radicalizados. A violência das invasões provocou revolta. A chama do evento cedo se apagou. Não conseguiu se propagar para além da Praça dos Três Poderes. Não durou mais do que três horas.
De pouco adiantou a omissão premeditada e deliberada da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal.
De pouco valeram a conivência e a leniência de setores das  Forças Armadas.
Pouco acrescentou o treinamento, a preparação, a articulação dos manifestantes, de seus instigadores e financiadores.
O Oito de Janeiro não deu certo.
E o feitiço se virou contra o feiticeiro.
Em lugar de extrair, da insurreição, um salvo-conduto, Jair Bolsonaro nela evidenciou a sua culpa e o seu dolo. Suas estratégias, antes difusas, ganharam visibilidade e coerência; seus instrumentos tornaram-se evidentes; sua participação — como principal autor intelectual da longa obra, em vários capítulos urdida — saiu do silêncio e das sombras e veio para a luz esclarecedora do dia.

13 de outubro de 2019: Matéria do Fantástico: "Exclusivo: mensagens mostram a fúria de garimpeiros por fechamento de garimpo ilegal". Cito Daniel Camargos no Repórter Brasil sobre o contexto político da ascensão do garimpo ilegal: "Articulados e organizados, a pressão realizada pelos garimpeiros é ouvida pelo governo e encontra eco no discurso do presidente Jair Bolsonaro."


31 de outubro de 2023: Nova condenação de Jair Bolsonaro pelo TSE, com oito anos de inelegibilidade e multa, por, entre outros ilícitos, usar o ato cívico do 7 de setembro para sua campanha eleitoral. O candidato a vice-presidente, general Braga Neto, também foi condenado.

31 de outubro de 2019: O deputado federal Eduardo Bolsonaro defendeu, em entrevista a um canal do youtube de um dos jornalistas apoiadores do governo do pai dele, Leda Nagle, a edição de um novo AI-5 contra a esquerda, se ela agisse como a do Chile daquele momento (isto é, indo às ruas e sendo baleada e torturada).


1º de novembro de 2023: Depois de Lula ter dito que não editaria a medida, ele assinou o decreto de Garantia de Lei e Ordem nos seguintes portos e aeroportos: "Porto do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro; Porto de Santos, Estado de São Paulo;  Porto de Itaguaí, Estado do Rio de Janeiro; Aeroporto Internacional Tom Jobim, Estado do Rio de Janeiro; e Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos, Estado de São Paulo". A medida teria a finalidade de "fortalecimento do combate ao tráfico de drogas e de armas e a outras condutas ilícitas", com duração até 3 de maio de 2024.

1º de novembro de 2019: Assassinato de Paulo Paulino Guajajara. Ele pertencia ao grupo dos Guardiões da Floresta e foi alvejado por invasores da Terra Indígena Arariboia, no sul do Maranhão. Laércio Guajajara estava com ele, foi alvejado, porém sobreviveu.


13 de novembro de 2023: Depois de Israel ter deixado os cidadãos brasileiros de fora de várias listas de repatriação, apesar da pressão do Itamaraty, finalmente os brasileiros que estavam na Faixa de Gaza conseguiram chegar ao Brasil. Lula recebeu-os com estas palavras: "se o Hamas cometeu um ato de terrorismo e fez o que fez, o estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que as crianças não estão em guerra, as mulheres não estão em guerra” (cito a matéria de Gabriel Andrade para a Carta Capital). Contando com os brasileiros em Israel e na Cisjordânia, foi a maior repatriação da história brasileira, com aproximadamente 1.400 pessoas.

13 de novembro de 2019: Jair Bolsonaro reuniu-se com o presidente da China, Xi Jinping, e, em breve discurso que acenava com a abertura do mercado e dos recursos brasileiros para os chineses (em contraste com seus discursos eleitoreiros de 2018), afirmou alucinatoriamente que "O Brasil é exemplo mundial ao conciliar preservação do meio ambiente e produção agropecuária".

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30 de novembro de 2013: O Superior Tribunal de Justiça decide, no caso de Luiz Eduardo Merlino, assassinado no DOI-Codi em 1971, que os herdeiros do coronel Brilhante Ustra (antigo comandante do centro de repressão) não devem indenizar a família do jornalista. Com isso, o STJ deixou de aplicar a própria jurisprudência, bem como feriu as obrigações internacionais do Estado brasileiro determinadas pela sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e Outros vs. Brasil (Guerrilha do Araguaia).

26 de novembro de 2019:Matéria de Felipe Betim em El País: "Paulo Guedes repete ameaça de AI-5 e reforça investida radical do Governo Bolsonaro: Num momento em que presidente insiste em aumentar excludente de ilicitude para proteger excessos de agentes militares, ministro da Economia traz de volta fantasma de decreto da ditadura".


12 de dezembro de 2023: Data da Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Ela foi aprovada sem debates, em acordo entre petistas e bolsonaristas. Escreveram Adilson Paes de Souza e Gabriel Feltran, a partir do projeto aprovado, que a lei está muito próxima do decreto-lei 667 de 2 de julho de 1969 e "mimetiza a organização policial do período mais pesado da repressão militar" e as torna "Livres de controle, interno ou externo" (mesmo das secretarias estaduais de segurança; as ouvidorias perderam qualquer ilusão de autonomia), permitindo-lhes criar "órgãos semelhantes ao Dops". O presidente Lula fez vários vetos, o que melhorou o monstrengo legislativo, mas não resolve a questão, pois o que deveria estar sendo discutido é a desmilitarização da polícia, como recomendou, por exemplo, a Comissão Nacional da Verdade. E os vetos: serão mantidos ou derrubados pelo Congresso? A tramitação segue. Dois dias depois, vetos de Lula à lei do marco temporal foram derrubados com auxílio (ou sabotagem, para quem considerar que o governo era realmente contrário à lei) do próprio Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.

16 de dezembro de 2019: O  Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, em razão do enfraquecimento do Mecanismo Nacional feito por Bolsonaro e Damares, condenou as políticas do governo. Cito o relatório do Subcomitê (SPT):

o SPT considera que as reformas atuais são contrárias ao OPCAT [ Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura] e não fortalecem o Sistema Nacional de Prevenção do Estado-Parte, como alegado pelas autoridades nacionais; pelo contrário, enfraquecem o papel do Mecanismo Preventivo Nacional a um ponto em que se corre o risco de que o mesmo se torne praticamente inoperante, devido aos muitos obstáculos que enfrenta agora. Antes da reforma, a política de prevenção da tortura era insatisfatória no sentido de que o sistema de MNPs [Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura] não havia sido estabelecido em todas as partes do país, algo que deveria ter sido alcançado até 2008. Além disso, as mudanças atuais significam que os MNPs ainda não estabelecidos em muitos dos estados do Brasil podem seguir um modelo - o proposto pela atual reforma - que os tornaria incapazes de operar de acordo com o OPCAT, colocando o Brasil em grave violação de suas obrigações internacionais.


20 de dezembro de 2023: "CGU abre processo contra Weintraub por abandono de cargo em universidade". O ex-ministro da educação de Jair Bolsonaro e candidato não eleito à Câmara dos Deputados em 2022 não teria mais aparecido na Unifesp para exercer a docência.

11 de dezembro de 2019: "Ministro da Educação reafirma que há plantações de maconha nas universidades: Oposição acusa ministro de sensacionalismo e de falta de projeto; Weintraub disse que está promovendo uma revolução no ensino". A declaração absurda ocorreu na Câmara dos Deputados.  O então ministro colheu o ensejo para repetir a fake news bolsonarista, homofóbica e transfóbica do kit gay


21 de dezembro de 2023: Publicação da Emenda Constitucional nº 132, a da reforma tributária. Há décadas uma iniciativa dessa magnitude era discutida, mas foi este governo, com Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda, que logrou fazê-la, apesar (ou por causa) de várias e severas críticas, deve-se lembrar, de economistas de esquerda. 

Dezembro de 2019: Conforme informou a Revista Piauí em matéria de Thais Bilenky e Marcella Ramos, "A offshore aberta por Guedes [Ministro da Economia de Bolsonaro] tinha em dezembro de 2019 38,5 milhões de reais – ou 50 milhões de reais em dezembro de 2020, considerando apenas a valorização cambial." O governo Bolsonaro e o presidente da Câmara, que já era Arthur Lira, acabaram desistindo, em 2021, de cobrar o imposto por lucros obtidos por donos de offshores. A matéria, "Uma economia milionária (para o ministro)" referia-se aos célebres Pandora Papers, que suscitaram um consórcio internacional de jornalismo investigativo para analisar esses documentos vazados de paraísos fiscais, que incluíam Paulo Guedes e vários outros nomes, como o presidente Macri, da Argentina.


22 de dezembro de 2023Decreto de regras para indulto natalino que exclui do benefício, entre outros casos, os condenados pela tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro. De fato, é perigoso para todo o país deixar soltos por aí pessoas que tentaram acabar com a democracia e enforcar ministros em praça pública.

24 de dezembro de 2019: Publicação do decreto presidencial de indulto de natal com previsões especiais "aos agentes públicos que compõem o sistema nacional de segurança pública" e "aos militares das Forças Armadas, em operações de Garantia da Lei e da Ordem, conforme o disposto no art. 142 da Constituição e na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, que tenham sido condenados por crime na hipótese de excesso culposo". Leonel Radde, policial e hoje deputado estadual pelo PT-RS, foi um dos que considerou a medida um "estímulo ao mau policial". Curiosamente, Bolsonaro havia declarado durante a campanha, marcado pelo populismo punitivista, que acabaria com o indulto.


28 de dezembro de 2023: O Congresso Nacional promulgou a lei inconstitucional e anticonvencional do marco temporal, que havia sido vetada parcialmente pelo presidente Lula, e cujo conteúdo havia sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. O marco temporal, como já expliquei, é uma tese de legitimação de genocídio e de remoções forçadas, que o Congresso Nacional passa a homenagear, em afronta aos padrões mais elementares de direitos humanos. 

28 de dezembro de 2019: Nenhuma terra indígena havia sido demarcada pelo governo de Jair Bolsonaro. Ele terminaria o governo da mesma forma, em frontal violação ao artigo 232 da Constituição da República.


31 de dezembro de 2023: Sobre o direito à memória e à verdade: o ano terminou sem a recriação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta por Jair Bolsonaro em 15 de dezembro de 2022.