O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

terça-feira, 26 de março de 2019

Desarquivando o Brasil CLIII: Contra a virada autoritária do governo, atos #ditaduraNuncaMais em São Paulo





No dia 30 de março, a sexta edição do Ato pela transformação do imóvel onde era o DOI-Codi de São Paulo em lugar de memória. O antigo lugar da repressão política, onde ocorreram torturas e execuções extrajudiciais, foi tombado, mas ainda não ganhou novo uso.
A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo 'Rubens Paiva" realizou audiências públicas sobre o assunto recomendou que o local fosse tombado e transformado em lugar de memória. Isso ocorreu em 2014. Cito o relatório da Comissão, concluído em 2015:
[...] a CV “Rubens Paiva” atuou para que fosse aprovado o tombamento do DOI-Codi, e realizou audiência em 29 de novembro de 2012 sobre o assunto. A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão “Vladimir Herzog”, do Município de São Paulo, uniram esforços a essa demanda em 27 de novembro de 2013, junto aos Secretários estaduais de Cultura e de Segurança Pública.
O tombamento finalmente foi aprovado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico (Condephaat) do Estado de São Paulo em 27 de janeiro de 2014. No entanto, uma delegacia ainda funciona no imóvel, o que contraria o direito à memória e à verdade, como explicou o presidente da Comissão “Rubens Paiva”
Adriano Diogo, o presidente da Comissão, declarou na época: “Não é admissível uma delegacia de polícia funcionar num prédio que abrigou o DOI-Codi. É como se uma usina de gás alemã funcionasse até hoje em um campo de concentração”.
A Comissão recomendou que o governo do Estado criasse um fundo para manutenção dos lugares de memória com a colaboração da Fiesp "como medida de justiça restaurativa":
3) Que seja criado um fundo destinado à manutenção destes lugares, com a colaboração da Fiesp, como medida de justiça restaurativa em resposta à ação da Federação de Indústrias na conspiração do golpe de 1964 e no financiamento da repressão política e dos crimes de lesa-humanidade perpetrados pelo Estado brasileiro;
Geraldo Alckmin não se moveu nesse sentido, e a Federação das Indústrias, tampouco.
A Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo também recomendou, em seu relatório final, de 2016, a transformação do local:
58. Esta Comissão da Memória e Verdade, que não tem competência para julgar e punir aqueles que cometeram crimes na Oban e no DOI-Codi, recomenda a adoção de medidas de memória em relação ao local. Recomenda-se que o 36ª Distrito Policial seja transferido para outro imóvel possibilitando a conversão do edifício do DOI-Codi, já tombado pelo Condephaat, em equipamento de memória, oportunamente num centro cultural dedicado à memória e à divulgação da memória das violações aos direitos humanos praticadas no durante a ditadura.
Medidas desse tipo permitiriam que mais pessoas percebessem a incoerência e a desonestidade intelectual da extrema-direita em poder no Brasil. Essa gente quer posar de defensora da democracia. Como um dos exemplos, vejam Renata Ventura denunciando a contradição de um desses nomes que, com o seu negacionismo histórico, atuam contra a política e a inteligência no Brasil:


Vejam aqui: https://twitter.com/rehventura/status/1110496527158571010
Com o negacionismo histórico erguido à condição de política de Estado, como se previa acontecer se fosse eleito o candidato que tinha como ídolo o torturador de grávidas (entre outras pessoas), esses atos pela memória e pela verdade precisam ser multiplicados. No domingo, dia 31, haverá outro em São Paulo:


A caminhada que partirá do Parque do Ibirapuera às 16 horas em homenagem às "vítimas de violência do Estado" (imagino que muitos familiares das vítimas dos crimes da democracia, como os desaparecimentos forçados e chacinas, estarão lá). Essa "I Caminhada do Silêncio" conta com o apoio de diversas instituições, inclusive estatais.
A memória e a verdade servem de fundamento para a justiça. Compreende-se que quem deseja a ditadura e não quer prestar conta de seus atos se interesse em negar esses direitos.
Na presente virada autoritária, o Ministro da Casa Civil "justificou" o "banho de sangue" dado pelo genocida e corrupto Pinochet; o presidente da república elogia há tempos o genocida e corrupto (e suspeito de narcotráfico), e tentou em 2006, quando deputado federal, que o Itamaraty enviasse um elogio ao neto do ditador, segundo esta matéria do jornal The Intercepthttps://theintercept.com/2018/07/30/telegrama-inedito-bolsonaro-pediu-a-embaixada-elogio-a-ditador-acusado-de-trafico/.
Os protestos no Chile contra a recente visita de Bolsonaro fizeram com que ele se refugiasse em um shopping com membros e simpatizantes da direita e de Pinochet.
Trata-se, enfim, do papel fundamental que o direito à memória e à verdade tem para a democracia. Primo Levi dizia que "aquele que nega Auschwitz é o mesmo que estará pronto para recomeçá-lo" (vejam, por exemplo, o final desta entrevista: https://journals.openedition.org/temoigner/1457). Esquecer para repetir. Esse mecanismo, mutatis mutandis (pois não é de Auschwitz que se trata no Brasil), é o mesmo de todos os negacionismos, por isso eles são uma abominação intelectual, ética e política. Violência.

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