O currículo é singularmente mínimo para um professor de universidade pública, com apenas quatro artigos acadêmicos, dois deles aparentemente repetidos ("Weintraub publicou 2 artigos artigos iguais em revistas de inéditas"), em revistas de baixo impacto ("Na academia, novo ministro do MEC soma baixa produção e desavenças"), uma delas editada por seu irmão. Nenhuma das publicações é do campo da educação, por sinal.
A respeito da última revista, vi pessoas estranhando a rapidez da aprovação do artigo do hoje ministro, escrito com a Professora Daniela Baumohl Weintraub (sua esposa, professora das Ciências Atuariais da Unifesp, doutora em Ciências Econômicas): recebido em 25 de janeiro de 2016, foi aprovado em 5 de fevereiro seguinte. Outro trabalho, feito a quatro mãos fraternas, foi recebido em 30 de maio daquele ano e aprovado em 5 de junho. No entanto, todos os outros artigos desse número, escritos por outros autores, foram também aprovados em questão de dias; não houve favorecimento em relação à rapidez. Economistas estranharam esse dinamismo editorial, de fato incomum em publicações acadêmicas: https://twitter.com/lmonasterio/status/1115409239474831360
O chefe de governo divulgou que o atual Ministro era doutor; diferentemente do que ocorreu com outras notícias falsas por ele transmitidas, esta foi corrigida. Li, então, dúvidas sobre como seria possível alguém sem título de doutor lecionar na Universidade Federal de São Paulo.
É, de fato, curioso, mas aconteceu. Não se trata de uma ilegalidade. No edital nº 50, de 24 de janeiro de 2014, abriu-se concurso para três disciplinas (http://concurso.unifesp.br/editais/edital050-2014.htm), e esta foi a única que não exigia doutorado, mas apenas mestrado em ciências exatas ou ciências sociais aplicadas:
O atual ministro, Abraham Weintraub, havia terminado no ano anterior o mestrado em administração pela Fundação Getúlio Vargas e havia cursado graduação em ciências econômicas, razão pela qual seus títulos estavam plenamente adequados ao cargo.
A situação não era comum. Em algumas áreas acadêmicas, academicamente mais atrasadas no Brasil, como as ciências atuariais, é difícil encontrar doutores, ou em determinadas regiões do país. A Unifesp teve certa resistência na abertura da vaga com essa característica, como vemos nesta ata da reunião do Colegiado do Campus de Osasco, onde ficam as faculdades de ciências atuariais, ciências contábeis, economia, administração, relações internacionais e, no futuro, o curso de direito (apesar da oposição do Prof. Arthur Weintraub, "que, em agosto de 2017, havia feito uma denúncia no Ministério Público Federal sobre abertura do curso de Direito no campus Osasco, pois além desse curso ainda não estar aprovado no MEC e na OAB, dez professores estariam sendo contratados em meio a diversas dificuldades enfrentadas pela Unifesp"). Cito as linhas 68 a 77 da ata (https://unifesp.br/campus/osa2/images/PDF/2013_12_13.pdf):
[...] o Prof. Murilo pediu licença para interromper a ordem do dia e voltar aos informes para divulgar as notícias do CONSU [Conselho Universitário] e informar que foram aprovados no Conselho de Administração 3 concursos: Formação Científica e Metodologia, Contabilidade Financeira e Aspectos Práticos de Operações de Mercado, porém, o último não conseguiu passar pelo CONSU, pois a titulação de mestre travou a aprovação. Explicou que o C.A já havia aprovado o perfil do candidato com titulação de mestre, mas quando isso ficou esclarecido já não havia mais tempo para o Consu.A fala foi proferida pelo Prof. Dr. Murilo Leal Pereira Neto, Diretor Acadêmico do campus. Estava presente na reunião, naturalmente, o Prof. Dr. Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub, irmão do atual ministro e também colaborador de Bolsonaro, na época Coordenador do curso de Ciências Atuariais.
O atual ministro foi o único aprovado no concurso, com a nota mínima (http://dpdphp.epm.br/concurso/inscricao/docs/crf-973-2013.pdf):
Nesta mensagem, o atual Ministro explicou que os outros quatro candidatos não apareceram para fazer provas. Acredito que deve ter ocorrido exatamente desse modo.
Seu currículo lattes, atualizado pela última vez no ano retrasado, possui até erros de ortografia.
O do ex-ministro Vélez estava cheio de erros ("Estes são os 22 erros no currículo lattes do Ministro da educação"), a ministra Damares Alves, sem lattes, atribuiu a si mesma dois mestrados inexistentes, e algo parecido ocorreu com o ministro Ricardo Salles, que foi referido publicamente com um fantasioso mestrado em Yale. O recentíssimo ataque do ocupante da presidência da república às universidades federais, que fariam, segundo essa autoridade, pouca pesquisa, em contraste com as privadas, com destaque à Universidade Mackenzie de São Paulo (https://twitter.com/tesoureirosdoJB/status/1115693340559912961).
Os dados reais configuram uma situação inversa à apresentada por Bolsonaro, que mais uma vez demonstra não conhecer o suficiente da realidade brasileira para conseguir exercer com algum sucesso o mandato atual, apesar de suas décadas como parlamentar. Na verdade, "a produção científica brasileira é feita quase exclusivamente dentro das instituições públicas de ensino". A informação falsa propalada por esse político só se justificaria se todos os professores das federais tivessem um currículo tão inexpressivo quanto o do novo titular do Ministério da Educação. Felizmente, isso não ocorre.
Em comum com o anterior, temos as olavices do Ministro, tanto no conteúdo (a paranoia anticomunista alimentada por fantasias de um socialismo onipresente nas grandes empresas e grandes organizações) quanto no estilo de sua retórica; os erros de concordância, todavia, distanciam-no um tanto de seu modelo. Vejam, nesta apresentação, como o professor emprega a sutil imagem de "Dilma sair da jaula": https://youtu.be/7gLpFgp0ZXA?t=261
Vejam também o irmão literalmente cuspindo ao mencionar a maior universidade brasileira e da América Latina, a USP: https://youtu.be/7gLpFgp0ZXA?t=952
Depois, com o léxico já esgotado, ele se basta com a cuspida e não pronuncia a sigla. As referências teóricas da palestra são a família Bolsonaro e Olavo de Carvalho.
Essas "fontes teóricas", apesar de todas as citações dos irmãos Bragança de Vasconcellos Weintraub, não são, nem de longe, as responsáveis pela produção científica brasileira. Cito o artigo referido pelos "Tesoureiros do Jair", "Fábricas de conhecimento", de Herton Escobar:
[...] as universidades não são percebidas pela população como instituições de pesquisa, apesar de serem elas as responsáveis pela maior parte da produção científica nacional. Das 50 instituições que mais publicaram trabalhos científicos no Brasil nos últimos cinco anos, 44 são universidades (36 federais, 7 estaduais e 1 particular) e 5 são institutos de pesquisa ligados ao governo federal (Embrapa, Fiocruz, CBPF, Inpa e Inpe), também mantidos com recursos públicos, além de 1 instituto federal de ensino técnico (veja gráfico). A USP é, disparada, a maior “fábrica de ciência” brasileira, com participação em mais de 20% das pesquisas publicadas no País. Ou seja, de cada 10 trabalhos científicos produzidos no Brasil, 2 tem pelo menos um pesquisador da USP entre os autores.Com políticos como Bolsonaro e seus assessores, a população tem menos chance ainda de entender a magnitude dessas instituições públicas e seu papel essencial para servir à população com seus serviços, produtos, descobertas, bem como de perceber caráter nefasto dos ataques à universidade e ao conhecimento para o país promovidos pela administração federal eleita em 2018. Uma gestão privatizante, que é a que alguns imaginam que virá com o novo Ministro, poderia destruir esse patrimônio.
Outras coisas podem vir: vejam afirmação de que no Nordeste não se deveria estudar filosofia e sociologia, nesta matéria de Josias de Souza.
O deserto intelectual ora no poder talvez não seja realmente capaz de perceber a contradição curiosa de chamar Lula (que sabe perfeitamente ler, falar e pronunciar discursos) de ignorante e, simultaneamente, trabalhar em um governo de Jair Bolsonaro e, ademais, considerar o atual chefe de governo um pensador do Brasil... O atual ocupante da presidência, que ainda não conseguiu nem mesmo ler em teleprompter ("Comunicação do Planalto não sabe como fazer Bolsonaro ler um texto para uma câmara"), não pode se comparar ao ex-presidente nem mesmo em relação às habilidades linguísticas. Essa contradição, deve-se notar, faz-se presente no autor que é fonte intelectual e norte administrativo (pelo seu poder de indicar nomes ao governo) dessas pessoas. Ele escreveu isto em O Imbecil Coletivo I: "Incapaz - ou desinteressado - de elevar-se intelectualmente acima de sua classe para poder representar o que ela tem de melhor, Lula não é, assim, um verdadeiro líder operário, mas uma amostra casual, escolhida por sua inocuidade mesma para funcionar como tela em branco onde a população possa projetar aspirações e desejos os mais desencontrados [...]".
Creio que esse diagnóstico não era correto em relação ao ex-presidente. No entanto, se a elevação intelectual é, de fato, o requisito importante, por que ter feito campanha e ainda apoiar tão firmemente alguém como Bolsonaro, que não representa (assim esperemos) o melhor de sua classe?
Não sabemos se essas pessoas têm as condições intelectuais de perceber esse equívoco; entregando a educação para o país a tais sem-condições, é provável que esta pasta, que viveu noventa dias dos mais danosos de sua recente história (ela foi criada por Getúlio Vargas), continue em situação crítica. Neste começo de governo, tivemos episódios como o da suspensão da avaliação da alfabetização (da qual recuou), a proposta inconstitucional e ilegal de fazer alunos serem filmados repetindo o slogan de campanha do governo com o hino nacional (a deputada Fernanda Melchionna questionou Vélez a respeito; houve outro recuo), o edital para compra de livros inobstante erros e propagandas (também não foi mantido), o negacionismo histórico em relação à ditadura militar, a proposta de vazamento da prova do ENEM para o presidente da república, o "congelamento do FIES", a perspectiva do fim das bolsas de pesquisa do CNPq em junho deste ano, o adiamento da compra de livros didáticos, numa sucessão de trapalhadas, conflitos e ilegalidades (a revista Veja falou em "baderna"; a deputada Tabata Amaral reclamou de Vélez pela falta de metas, dados e programas; o deputado Ivan Valente acusou-o de ignorar, entre várias coisas, o Plano Nacional de Educação) que praticamente paralisaram o funcionamento do ministério.
O problema não se limita a essa pasta. A destruição da ciência e da educação são pressupostos necessários de outras pastas do governo, que tornou o negacionismo climático política oficial, consagrou o agrotóxico como ambrosia do latifúndio e busca legitimar a chacina para dar de segurança aos oitenta tiros atirados sobre cada cidadão em herança da impunidade da ditadura.
João Vitor Campos-Silva e Carlos A. Peres, em carta publicada pela Nature em março deste ano, "Brazil's policies stuck in the mud", trataram da lama tóxica em que a Vale tem submergido o país desde a destruição do Rio Doce no governo de Dilma Rousseff até o caso de Brumadinho com suas centenas de mortos (a devastação é suprapartidária), mas também da destruição dos programas de pesquisa pela nova administração federal.
Afinal, como poderiam combinar pacotes legislativos pró-chacina com a pesquisa histórica? Ou a espoliação das terras indígenas com a antropologia? Ou as políticas teocráticas contra as mulheres com a pesquisa sobre a saúde feminina?
Não basta, para a lama em vigência, apenas paralisar o ministério da educação. A situação de descalabro quase sugere que este governo, para lograr seus intentos, precisa suspender o pensamento do país.
bostejamentos de um esquerdista perdedor
ResponderExcluirbostejamentos de um esquerdista perdedor
ResponderExcluirExcelente pesquisa e leitura, Pádua. Nessa perspectiva, de fato não surpreende que a indicação para a pasta ainda exija a "chancela" -- certamente não há termo mais humilhante para um presidente da república -- do ideólogo do governo. Obrigado pelo texto!
ResponderExcluirObrigado. Não chancelaremos tal situação.
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