O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

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sexta-feira, 21 de junho de 2024

Desarquivando o Brasil CC: Uma nota sobre Chico Buarque e censura na ocasião de seus 80 anos

Tive a ideia de escrever esta nota porque, em 19 de junho de 2024, aniversário de oitenta anos de Chico Buarque, o jornalista Evandro Éboli publicou no Twitter um documento da Censura sobre a peça Roda Viva, em que o censor Mario F. Russomano indagava se "Francisco Buarque de Holanda" seria "débil mental". 

A imbecilidade da questão sobre um dos artistas mais brilhantes da história do Brasil refletia bem  o rebaixado estado mental da ditadura militar.

O documento, explicou Éboli, estava exposto no Arquivo Nacional em um banner que o então ocupante da presidência da república, o militar Jair Bolsonaro (outra "página infeliz de nossa história"), negacionista nos planos da ciência e da história, mandou retirar:



As expressões "de baixo calão" que ofenderam os censores tinham sido contribuições de Zé Celso, o saudoso indisciplinador de mentes e corpos, que dirigia a peça. Exatamente por causa das mudanças no texto, a Censura havia decidido voltar a examinar o espetáculo; neste despacho de 25 de janeiro de 1968, o Censor Federal Augusto da Costa explica que "nas seguintes apresentações para o público, as marcações foram acrescidas de novas ideias que ocorreram ao seu diretor no afã de procurar um aprimoramento para o espetáculo, que deram ao mesmo nova dimensão quanto a restrição de idade", sugerindo o limite de 18 anos:



A peça sofreu ataques dos grupos da extrema-direita (Marília Pêra foi espancada grávida em São Paulo pelos fascistas do CCC, o Comando de Caça aos Comunistas, que invadiram o teatro de Ruth Escobar) e acabou sendo proibida. A peça Calabar: o elogio da traição, de 1973, que escreveu com Ruy Guerra, também seria censurada. Em 2018, meio século depois, Zé Celso remontou Roda viva no Teatro Oficina. 

Chico Buarque foi censurado como compositor e dramaturgo, o que é amplamente conhecido. Sabe-se também do exílio de precaução que ele viveu na Itália de 1969 a 1970. Depois de voltar ao Brasil, ele continuava a ser vigiado, inclusive no exterior. Nesta edição de 1973 do Boletim Comunismo Internacional, um documento reservado do SNI, sua viagem à Argentina foi enquadrada como "campanha contra o Brasil no exterior". Passo agora a reproduzir documentos que estão no Fundo DEOPS/SP do Arquivo Público do Estado de São Paulo:



Ele teria dito que "as circunstâncias atuais fazem com que toda a música seja política [...]; toda a música está cumprindo uma função política, na medida em que é utilizada de acordo com planos bem claros." Era a época do chamado "circuito universitário" de apresentação de artistas:



Ele disse preferir essas apresentações à televisão. No entanto, os estudantes também eram um grupo suspeito para a ditadura. Por isso, os agentes da repressão acompanhavam-no. Vejam como o delegado Romeu Tuma (um dos 377 autores de graves violações de direitos humanos segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade) escrevia em código os nomes de Chico Buarque e do MPB-4, querendo saber se tinha havido agitação estudantil e propaganda subversiva nesta apresentação de outubro de 1972:



Não tinha ocorrido nenhuma agitação desse tipo. No entanto, ele era um artista visado: "você não gosta de mim, mas sua filha gosta", ele escreveria no ano seguinte sob o pseudônimo de Julinho da Adelaide, criado para escapar da marcação cerrada da censura. O Centro de Informações do Exército (CIE) caracterizava o artista em termos de "proselitismo desagregador", "mantendo os estudantes em permanente expectativa política":



Vejam que foram incluídos nessa categoria de artistas incômodos à ditadura Alaíde Costa, Capinan, Edu Lobo, Egberto Gismonti, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Jards Macalé, Marília Medalha, Milton Nascimento, MPB-4, Nara Leão, Sérgio Ricardo, Trio Mocotó, Vinicius de Moraes e Ziraldo. Bela lista.

Na soi-disant abertura, ele continuava a ser censurado, claro, assim como outros artistas. Em 1977, ocorreu a censura dessa apresentação dele com Bibi Ferreira, Edu Lobo, Milton Nascimento  e MPB-4, todos considerados pelas autoridades como "artistas tradicionalmente contestadores ao regime". A apresentação teve de ser adiada e o local, mudado. 



Trata-se de um informe de 12 de julho de 1977 da Coordenação de Informações e Operações da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Já haviam sido vendidos três mil e trezentos ingressos.

Apesar disso, a ditadura militar chegou a usar sua música sem autorização: "A banda", um de seus primeiros sucessos, com sua letra inofensiva para o regime, foi capturada para incentivar o alistamento militar, o que provocou o protesto do músico. Esta é a notícia que saiu no boletim de março de 1972 do boletim de março de 1972 do "Frente Brasileño de Informaciones", o irônico FBI dos exilados (só no exterior as denúncias deles podiam ser ouvidas, em razão da censura no Brasil), editado no Chile:



Lembro disso porque, meio século depois, na campanha eleitoral de 2022, o membro da família Bolsonaro que os paulistas se acostumaram a eleger como deputado federal se apropriou de "Roda viva", nada menos, para suas redes sociais, em postagem que pretendia que o Brasil estaria sob censura porque bolsonaristas estavam sendo processados!

Chico Buarque, um conhecido apoiador de Lula, processou o político. A magistrada Monica Ribeiro Teixeira inscreveu seu nome na longa história de conflito do Judiciário com os artistas brasileiros indeferindo o pedido sob o insólito pretexto de que não havia prova de que a canção de 1967 era de sua autoria

Vejam o compositor com o MPB-4 defendendo a canção no Festival da Record: https://www.youtube.com/watch?v=3ALZNNUQdYM. Ela ficou em terceiro lugar, depois de "Ponteio", de Edu Lobo e Capinan, a vencedora, e "Domingo no parque", de Gilberto Gil. Em quarto, "Alegria, alegria", de Caetano Veloso. Que ano para a música popular brasileira! Se o Judiciário tivesse memória... O próprio direito à memória encontra dificuldades no campo judicial, problema que já abordei aqui e alhures algumas vezes.

Proposta nova ação contra o deputado federal, o juiz Fernando Rocha Lovisi mandou que a postagem fosse retirada. Era dezembro de 2022, aquele filho do ainda ocupante da presidência já estava reeleito. O estrago que a postagem podia causar, no sentido de ganhos eleitoreiros para o violador dos direitos do compositor, já estava feito, porém.

Curiosamente, em agosto de 2023, o Judiciário reconheceu o abuso mas não determinou indenização para Chico Buarque, embora ele tivesse ganhado indenização em outro processo, contra o Bolsonaro que é senador pelo Rio de Janeiro, que usou sua imagem em postagem em redes sociais.

A ação judicial deve durar alguns anos e não deixa de mostrar que nem tanto mudou no estado mental de nossas autoridades, o que a volta explícita dos militares ao poder, ensejada pelo golpe de 2016, pareceu tristemente comprovar: eles continuaram os mesmos.

Felizmente, pode-se constatar algo semelhante em Chico Buarque: ao contrário de alguns de seus colegas, ele permaneceu fiel a si mesmo ao longo das décadas e nunca "estancou" ou "deixou de cumprir".


quinta-feira, 6 de julho de 2023

Desarquivando o Brasil CXCV: Zé Celso e os territórios do teatro e da liberdade

O homem de teatro morreu hoje, e o que posso dizer sobre ele é que, sempre que precisávamos de Zé Celso, José Celso Martinez Corrêa, ele estava lá.
Anos atrás, quando estava em São Paulo a maior ocupação urbana da América Latina, e ela estava sob ameaça de uma ação de reintegração de posse, Zé Celso apareceu para dar solidariedade. Fabio Weintraub fez o convite para ele se apresentar na Ocupação Prestes Maia e publicou fotos desse momento. O Oficina fez lá, em 20 de fevereiro de 2007, uma apresentação baseada em Canudos, com Zé Celso no papel de Antônio Conselheiro, na analogia entre a luta pela terra na peça e na luta pela moradia na cidade. No mesmo dia, o grande geógrafo Aziz Ab'Saber (um apoiador de primeira hora da ocupação e de sua biblioteca, organizada por Severino Manoel de Souza) falou sobre Canudos:

Naquele momento, pensei que a concepção de teatro de Zé Celso passava pela noção de territorialidade, o que lhe permitia participar de forma tão pertinente dos debates sobre o meio urbano e a habitação, e de compreender o tipo de espaço que é o Teatro Oficina - o que era mais uma razão para lutar por ele e pela obra de Lina Bo Bardi. A configuração do Oficina, com o palco como rua e o público naquelas arquibancadas, tantas vezes convocado a delas descer (e quantas vezes os artistas nelas sobem), parece-me acentuar o caráter político do teatro, não só pelos textos encenados, mas pelo próprio espaço da encenação, do rito.
Canudos, por sinal, foi um dos três maiores espetáculos que vi em teatro (salvo o teatro de ópera, que é outro gênero) na vida, e os outros dois não eram brasileiros.
Em outro momento em que pedimos ajuda a Zé Celso foi o lançamento em São Paulo de uma campanha que foi realizada nos idos de 5 de abril de 2014 em prol das terras e direitos indígenas, "Índio É Nós", terminaria com uma mesa com a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, a psicanalista e escritora Maria Rita Kehl e a demógrafa e antropóloga Marta Azevedo. Elas não precisam de apresentação, claro. Eu fiz a mediação.
Kehl teria feito a última fala: ela aproveitou para convidar para o lançamento do livro de memórias de Augusto Boal e aproveitou para "reverenciar" Zé Celso, que estava assistindo. Ele levantou-se e falou, de improviso, entre outras coisas, que "O Shakespeare fala de ser ou não ser, o que é maravilhoso. Mas o Oswald fala de tupy or not tupy no sentido do corpo indígena, que todos humanos têm muito".
Ele tinha 77 anos. Disse que passou a ver o terreno do teatro Oficina como tekohá, mencionou a concepção revolucionária de Lina Bo Bardi e o conflito com Sílvio Santos, e a razão de insistir na luta: "Não é para mim. Eu não podia deixar que [...] aquela terra fechasse".
Marcelo Zelic passou por trás de Zé Celso para falar com Maria Rita Kehl. Logo depois, Zé Celso fez outra surpresa e terminou a fala. Depois disso, chamei-o de "xamã do teatro brasileiro", lembre que, dia 19, faríamos a "Marcha para refundação da cidade de Piratininga" com o pessoal Teatro do Oficina e chamei David Karai Popygua (o mesmo que, nove anos depois, faria o duplo indígena de Peri na ópera O Guarani, de Carlos Gomes), que chamou para os atos do seu povo em 17 e 24 de abril.
Por causa da campanha, nós queríamos em São Paulo fazer um ato com os Guaranis do Jaraguá no 19 de abril e chamamos algumas companhias de teatro para participar. A única que aceitou foi a maior, a mais antiga e a mais jovem de todas com que falamos, o Oficina, por causa do comprometimento de Zé Celso com as causas indígenas. Se bem me lembro, foi ele que deu a ideia de que o ato fosse uma "refundação" da "cidade de Piratininga".
Saímos do Vão do MASP (depois eu leria um ficcionista contemporâneo escrevendo em nome próprio, fora dos livros, que "lugar de índio não é na Paulista"; os Guaranis já fizeram VÁRIOS atos lá), com Letícia Coura puxando com sua forte voz "Tupi or not Tupi" de Surubim Feliciano da Paixão, com uma estrofe nova escrita por Fabio Weintraub, que era um dos organizadores da campanha.
Descemos a Consolação, paramos no Cemitério para reverenciar Oswald de Andrade, fomos até o Parque Augusta, que estava sendo ameaçado de destruição pelo capital imobiliário. A mobilização para conservá-lo durou alguns anos e foi vitoriosa. Lembro de David identificando, dentro do Parque, árvores da Floresta Atlântica.
Boa parte do pessoal ficou lá, onde havia uma programação própria da campanha pelo Parque. Os que restaram seguiram até o Bexiga e o Oficina. João Baptista Lago fez um vídeo com Zé Celso e os outros artistas do Oficina: https://www.youtube.com/watch?v=9MAnqDrIIpM. A performance incluiu os Choros 10 de Villa-Lobos e cantos antropofágicos.
Zé Celso estava bem, cantou e dançou. Também nesse momento víamos sua adesão à causa indígena 
pela questão da luta territorial.
Em 2014, vi sua peça Walmor y Cacilda - O RoboGolpe. Cinquenta anos depois do golpe que derrubou João Goulart, ele via e encenava a atualidade do autoritarismo e a resistência da cultura. Escrevi uma nota naquela ocasião, destacando a questão das terras indígenas:

Zé Celso, sempre antenado com o presente, inclui os índios desde o início da peça. Para ele, e isso é explicitado no "poema primal" que lê perto do final da peça (levanta-se nesse momento; é impactante, pois estava em cadeira de rodas até então), o núcleo do golpe é o "direito absoluto de propriedade": em nome dele, e contra as reformas da base, foi dado o golpe, em nome dele os índios são espoliados de suas terras, e o próprio Oficina está sendo ameaçado (há décadas) pelo grupo de Silvio Santos.

Já no início da peça (no vídeo, depois dos 28 minutos), os atores declamaram "Sem reintegração de posse/ A terra é de Oxóssi". Contra os "assassinos da mata selvagem, nossa mãe geratriz".

Em 2017, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) autorizou que prosseguisse o processo de autorização da construção das torres do Sílvio Santos - um destombamento, de fato. Outro dia mesmo escrevi sobre OUTRO destombamento na região, o que parece que se tornou uma especialidade dos soi-disant órgãos de defesa do patrimônio em São Paulo.
Naquele ano, o Oficina estava remontando O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. Em 1967, Zé Celso foi o primeiro a montar essa peça. Como escrevi na época, tanto naquele momento quando na remontagem, com o próprio Renato Borghi voltando meio século depois ao papel de Abelardo I, Oswald era encenado depois de um golpe de Estado. Por causa de seu teatro, o Oficina foi considerado subversivo e foi destacado em panfleto do Ministério da Educação, o conhecido "Como eles agem". Segundo o documento, "é o teatro também utilizado como poderosa arma ideológica e de dissolução dos bons costumes"; mencionam-se os exemplos de O, Calcutá e Hair, e o Oficina como um dos grupos teatrais "acobertados sob o rótulo de 'Arte'", eles "movimentam-se no sentido de disseminar a ideologia comunista através de suas peças":





A peça referida é Na selva das cidades, de Brecht, que o grupo encenou com direção de Zé Celso já em 1969. O documento está no Arquivo Nacional.
A encenação, segundo artigo de Patricia Morales Bertucci, era crítica da ditadura justamente por meio da  apropriação dos materiais urbanos:

[...] foi uma intervenção no espaço simbólico do bairro do Bixiga, pois a arquiteta Lina Bo Bardi se apropriou dos objetos abandonados pelos antigos moradores dos cortiços desocupados pelo Estado, dos restos das demolições e do material de construção da Ligação Leste-Oeste no entorno do Teatro Oficina. Com isso, o grupo transformou a materialidade urbana em linguagem, o que considero como uma forma artística crítica de oposição simbólica da dominação do espaço pela ditadura

Tratava-se de restos produzidos pelas intervenções urbanas do prefeito nomeado pela ditadura, Paulo Maluf. É muito interessante que o Oficina tenha feito desses resíduos recusados do desenvolvimentismo um território de crítica e liberdade.
Na nota que escrevi em 2014, incluí alguns trechos de seu depoimento dado em uma das vezes em que foi preso pela ditadura, em 1978. Uma das prisões anteriores foi a de 1974, ano, como se sabe, da Revolução dos Cravos, que deu fim à ditadura salazarista em Portugal. Zé Celso foi para lá depois da prisão e, naquele país, teve suas atividades e declarações acompanhadas pelos serviços de informação, como soía acontecer com os exilados, banidos e pessoas consideradas perigosas para o regime que estavam no exterior.




Trata-se de um documento confidencial do Ministério da Aeronáutica de 6 de dezembro de 1974, guardado no acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP). Não verifiquei se a citação de Zé Celso no jornal português Diário de Lisboa está correta, mas é muito provável que esteja (deixo para algum eventual leitor eventualmente verificá-la). 

Afirmou ainda que, em PORTUGAL, "a liberdade está na rua" e que essa liberdade deve ser aproveitada para criar um Teatro novo, para se demonstrar "as condições que favorecem o fascismo". 

Um teatro como o Oficina, que faz da rua seu território, é capaz de nela soltar a liberdade para combater o fascismo, ainda um problema no Brasil. Imagino que a Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, com o viúvo Marcelo Drummond e os outros artistas, continuará a saber fazê-lo.


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O Teatro Oficina vs. o reino da Devastação: O Rei da Vela de Oswald de Andrade e o Condephaat

Acabou de ser aprovada, neste dia, 23 de outubro de 2017, no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), a continuidade do processo de autorização de construção das torres de Silvio Santos no bairro do Bixiga, no município de São Paulo, que podem encaixotar e desfigurar o Teatro Oficina, projeto de Lina Bo Bardi, que é um imóvel tombado.
No ano passado, esse pedido havia sido indeferido:
01-PROCESSO Nº71370/2014 DESPACHO Nº 2094-2016
INTERESSADO: EDUARDO VELUCCI
DATA DO PROTOCOLO INICIAL: 19/03/2014
ASSUNTO ATUAL: PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DA DELIBERAÇÃO DO EGRÉGIO COLEGIADO NA SESSÃO ORDINÁRIA DE 26 DE SETEMBRO DE 2016 QUE INDEFERIU O PROJETO DE CONSTRUÇÃO PARA O IMÓVEL SITUADO NA RUA JACEGUAI, 530, 536, 542, 546, BELA VISTA.
PÓS INTERVENÇÃO: NÃO
ENDEREÇO DO IMÓVEL: RUA JACEGUAI 530/536/542/546 - BELA VISTA - SÃO PAULO / SP
PROTEÇÃO DO BEM: ÁREA ENVOLTÓRIA
ÁREA ENVOLTÓRIA DE: TEATRO OFICINA
O empreendimento planejado não afeta apenas o Oficina, ele está:
Inserido em área envoltória de tombamentos do Condephaat, a saber: Casa de Dona Yayá/Teatro Brasileiro de Comédia/Escola de Primeiras Letras/Castelinho da Brigadeiro. Dentre estes o imóvel tombado mais próximo é o do Teatro Oficina, resolução SC06 DE 10/02/1983 – DOE DE 11/02/1983, pág.36. No local incide também proteção do Conpresp (Resolução 22 DE 2002)  e do Iphan (Portaria nº62 de 15 de julho de 2011).
Com a troca dos conselheiros (estes são os nomes atuais) neste ano, a reconsideração foi deferida em favor do grupo de Silvio Santos. O relator do processo, Fábio André Uema Oliveira, da Procuradoria Geral do Estado, posicionou-se contra o Oficina, bem como outros representantes do governo do Estado. Se aprovada a construção das torres, além dos danos ao Teatro, haverá um significativo impacto no bairro. Cito artigo sobre o caso de Luanda Villas Boas Vannuchi:
[...] os interesses imobiliários são capazes de destruir bairros, não apenas transformando profundamente sua fisionomia, mas impondo usos mais rentáveis que acabam por aumentar os alugueis e expulsar tanto a população de baixa renda quanto os usos pouco rentáveis, como comércios populares e espaços de cultura.
O Bixiga, como é chamada parte do distrito da Bela Vista, está sujeito a esse tipo de ameaça. Bairro tradicional de São Paulo, manteve desde o início do século passado seu caráter popular, fortemente influenciado pela ocupação italiana, negra e nordestina, berço do samba e do teatro paulistano, confluindo uma diversidade de manifestações culturais, das cantinas às escolas de samba. Preserva até hoje não somente um reconhecido patrimônio arquitetônico, vários deles (mas não todos!) protegidos pelos órgãos competentes nas escalas municipal, estadual ou federal, mas também uma miríade de usos sociais e culturais, que fazem do bairro um ambiente único na cidade.
Há dois dias, eu estava na (re)estreia da montagem de O Rei da Vela pelo Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, quando ouvi uma reclamação a meu lado direito de que o texto original estava sendo muito modificado.



Ao contrário do que o grupo S.S. pretende para o Bixiga, o texto de Oswald de Andrade não estava sendo muito alterado, ao menos para os padrões do Oficina. Afinal, há várias continuidades em relação à situação que o autor imaginou na peça, que se passa em 1933 (ano em que a escreveu), e foi publicada em 1937. Elas eram tão flagrantes  que pessoas que não conheciam o texto imaginavam que Zé Celso e Renato Borghi teriam reescrito tudo para a peça "encaixar-se" no Brasil de hoje, mas ele não é tão diferente do de ontem...
Relembremos que a peça somente foi encenada em 1967, pelo Oficina. Agora, que se passaram oito décadas, Zé Celso (José Celso Martinez Corrêa) e Renato Borghi voltaram a montá-la, com o cenário original. Borghi já fazia o Abelardo I, que desta vez ele compartilha com Marcelo Drummond.
Tanto 1967 quanto 2017 são momentos posteriores a uma ruptura democrática. Em 1964, ainda havia expectativa de eleições diretas presidenciais em 1965: os golpistas civis como Ademar de Barros e Carlos Lacerda queriam que os militares fizessem o trabalho sujo de derrubar João Goulart e depois devolvessem o poder aos civis. No entanto, os militares resolveram continuar no poder e cassaram as lideranças civis que poderiam ameaçá-los (entre elas, os dois golpistas mencionados...): se o golpe foi civil-militar, a ditadura que se seguiu foi militar e, quando um civil deveria, constitucionalmente, assumir a presidência, foi afastado por novo golpe, em 1969: o triunvirato militar impediu Pedro Aleixo de governar e acabou passando o poder para Médici. Sabemos que, naqueles tempos, Zé Celso foi preso, torturado, e a experiência do Oficina foi interrompida.
1967 estava entre o golpe e o AI-5; 2017, não sabemos. Os militares atualmente não foram necessários para derrubar a presidência, mas não sabemos o que ocorrerá em 2018, se haverá eleições, e com quem, e o que restará do país até lá, tendo em vista a devastação geral que Temer e aliados vêm promovendo para se manter no poder e longe da cadeia.
Essa devastação ocorre também no campo da cultura, e o Teatro Oficina é um dos alvos. Cito o que Zé Celso escreve no programa da peça:
[...] o grupo Silvio Santos nos ameaça numa reunião do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, no dia seguinte à nossa Re-Estreia, dias 21 y 22, no Majestoso Teatro Paulo Autran do SESC PINHEIROS DE SAMPÃ.
No dia 23 deste Mês, a construção de Torres no entorno Tombado do Teatro Oficina Terreiro Electrônico será ou não decidida pelo Conselho do Condephaat. [...]
Acusam, nós da "Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona" de termos destruído o 1o. Teatro Oficina, tombado "Historicamente" pelo Condephaat, para construirmos um Teatro Ilegal, isto é: a última Obra Prima de Arquitetura de Lina Bardi, q em seu Canto de Cisne, rimou com sua 1a. Obra: a Casa de Vidro no Alto de uma Floresta do Morumbi, voltada para os 4 cantos do Mundo, penetrada por uma Imensa Árvore em seu Centro.
A remontagem da peça é um gesto de resistência. Eu a reli antes de ir à representação, e confirmei minha impressão de anos atrás: embora genial, ela cai de ritmo no último ato, com a longa cena de morte de Abelardo I, que não escapa do didatismo, especialmente com a história do cachorro que prefere passar fome com os seus semelhantes. Nesta montagem, buscou-se solucionar o problema fazendo Borghi, que domina absolutamente o texto e a cena, cantar o causo do cão.
Anotei os momentos das risadas; as tiradas do Oswald, além de engraçadas, continuam atuais: "Família é uma coisa distinta. Prole é de proletariado."; "Pelo que vejo o socialismo nos países atrasados começa logo assim... Entrando num acordo com a propriedade..." Quando Pinote é expulso, Abelardo I comenta: "Voltará! De camisa amarela, azul ou verde.". As pessoas riram, certamente lembrando dos manifestantes que ajudaram a colocar no poder o primeiro presidente da história do país investigado por crimes comuns durante o mandato.
A Gioconda, "primeiro sorriso burguês", foi substituída por um retrato do Getúlio... Risos, que não superaram a gargalhada com o "Herdo um tostão de cada morto nacional."
Houve acréscimos, e corte de um breve trecho mais homofóbico de Oswald de Andrade no segundo ato (aliás, por causa de uma brincadeira desse tipo, Mario de Andrade nunca se reconciliou com ele). Entre as atualizações, a mudança dos nomes dos clientes de Abelardo I: agora, temos a reforma das dívidas de políticos tucano, e o protesto das do PT; "manda o Moro fazer a penhora". Riu-se bastante com "Dura lex, aprendi isso na Faculdade de Direito!", outra fala sempre atual.
No primeiro ato, "Nem pão, quanto mais sabonete", que Abelardo II diz a propósito do que não se dá aos pobres, virou "Nem ração, quanto mais sabonete"; mais uma referência ao Doria aconteceu no segundo ato, com as privatizações que ele deseja fazer.
Acréscimos foram as referências a uma Janaína Natal, "jurista pastora" que não passou no concurso da faculdade, "esse negócio de fazer tese de advocacia com Bíblia não dá"; ela aprovaria as milícias fascistas. Entre os biografados de Pinote, apareceu "Carmen Lúcia", uma juíza, "é uma coisa inofensiva". O Americano tornou-se uma caricatura de Trump (perfeita para a fala "Oh! good business!"; a atualização do capitalista não traiu em nada o original), e Perdigoto, o fascista, um conhecido político fascista carioca. Como alienação é mato, cheguei a ouvir a discussão de um grupo de espectadores, no intervalo, ponderando quem seria a figura...
As milícias fascistas rurais já estavam no texto de Oswald, e continuam no Brasil das Bancadas Pró-Escravismo (que atende pelos interesses daqueles empresários que devastam o meio ambiente, grilam terras, promovem massacres contra camponeses, indígenas, quilombolas, ambientalistas e defensores de direitos humanos) e Pró-Chacina (que propugnam pelo comércio de armas, pela indústria do medo e dos serviços de segurança, e pela impunidade dos agentes de Estado envolvidos nessas áreas).
No final, o elenco da peça não compareceu para os aplausos. Baixou-se uma tela com texto de Oswald de Andrade dizendo que não queria aplausos. Era o final de outra peça de Oswald de Andrade, A Morta, que coube muito bem para o momento:
Respeitável público! Não vos pedimos palmas, pedimos bombeiros! Se quiserdes salvar as vossas tradições e a vossa moral, ide chamar os bombeiros ou se preferirdes a polícia! Somos como vós mesmos, um imenso cadáver gangrenado! Salvai vossas podridões e talvez vos salvareis da fogueira acesa do mundo!
As pessoas aplaudiram, pararam, voltaram a aplaudir, até que deixaram o teatro. O ato teatral continuava mesmo depois do fim da peça, em um forte gesto de resistência, ou re-existência, como prefere Zé Celso, que me fez lembrar do parecer de Jurema Machado para o tombamento do Teatro Oficina pelo Iphan:
O fenômeno Oficina não é um produto do acaso, mas de um ambiente de notável fertilidade, inclusive com repercussões no presente, a considerar o fato de que, mesmo com todas as transformações desses 50 anos, São Paulo ainda dá lugar ao maior volume de produção, circulação e público teatral do país, da produção mais comercial a mais experimental.
Da mesma geração ou convivendo como o Oficina, tivemos o Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, do dramaturgo Jorge Andrade e de grandes diretores como Antunes Filho e atores como Paulo Autran, Cacilda Becker, Tônia Carrero, Fernanda Montenegro e Sergio Cardoso; o Teatro Maria Della Costa, fundado em 1954, grandes atores e importantes cenógrafos, como Gianni Ratto e Franco Zampari; o Teatro de Arena, que também explorou nova relação palco-platéia, com encenadores como Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho e Augusto Boal e atores como Eva Wilma, John Herbert, Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves e, mais tarde, Paulo José, Juca de Oliveira, Lima Duarte, Dina Sfat. Também do Arena, a fase de releitura da história brasileira com Zumbi e Tiradentes e a música de Edu Lobo, Caetano, Tom Zé, Gal e Maria Bethânia; o Teatro Ruth Escobar, depredado pela polícia durante a montagem do Oficina para Roda Viva, de montagens antológicas como Cemitério de Automóveis e O Balcão, de produções com Victor Garcia, Jean Genet e Fernando Arrabal. Ainda da geração entre o final dos anos 1960 e o início dos 70, nomes como Plínio Marcos, Antônio Bivar, Zé Vicente, Mário Prata.
Todos foram, indistintamente, atingidos pela repressão política pós 1964. [...]
Quase todos se localizavam no Bexiga – TBC, Maria Della Costa e Ruth Escobar – e o Arena, na Praça Roosevelt. TBC e Arena não mais existem, os teatros Maria Della Costa e Ruth Escobar continuam existindo, não como companhias, mas como salas de espetáculo.
Nesse aspecto, o que distingue o Oficina de todos eles é a continuidade. Não a longevidade, o que já seria muito, mas a permanência com renovação, permanência lastreada no vínculo com o presente, com o lugar, com a Terra – como em Canudos – e com a cidade. E nisso o edifício e sua inserção explicam muita coisa; são, ao mesmo tempo causa e conseqüência.
A "democracia" de hoje surtirá sobre o Oficina efeito parecido com o da ditadura de ontem? Ele não vai se entregar, e é importante que todos o apoiem nesta luta.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: Do incêndio nas ruas ao choro marginal, música que ouvi

No fim de 2013, fiz uma retrospectiva com frases de décadas anteriores que foram ouvidas novamente naquele ano, frases da ordem que tinham voltado à ordem do dia (se é que algum dia saíram de todo) em razão do anacronismo político que tomou conta dos poderes instituídos após as manifestações populares.
Resolvi, desta vez, fazer uma de caráter bem pessoal,  a música que vi, e que foi um consolo e um estímulo. Vi outras apresentações, mas foram estas que mais me marcaram. Curiosamente, a maior parte ocorreu no segundo semestre, que foi a época mais difícil e mais gratificante do ano para mim.
Todas as apresentações se deram em São Paulo, com exceção da Butterfly no fim do ano.

16 de janeiro: Ney Matogrosso e banda no SESC. Queria ver "Atento aos sinais"; fui à bilheteria no dia em que começariam a vender os ingressos quatro horas e meia antes da abertura das vendas. Dessa forma, consegui comprar dos últimos lugares... Esse show era abertamente político no início, com imagens da cidade, de revolta (especialmente da Primavera Árabe) e canções sobre o "incêndio nas ruas" ("Incêndio", de Pedro Luís). Ele o iniciou no começo de 2013, antes da ocupação dos Congresso Nacional pelos índios e as manifestações iniciadas pelo Movimento Passe Livre. Ney estava, de fato, atento. Como antes. Desde os Secos e Molhados, ele mostrou, em plena ditadura militar, inquietação política, e pela via das políticas de gênero, o que era muito ousado nos anos 1970. E ainda pode ser ousado, tendo em vista o encaretamento do Brasil neste século. Pela quarta música, o show perdia a abordagem política e as músicas abordavam, em geral, relacionamentos amorosos (entrevista que deu a este ano à televisão portuguesa, com bobagens sobre o bolsa-família, mostrou certa distração). Apesar disso, também nas canções de amor, embora algumas não tivessem muita qualidade musical, via-se a inquietação do cantor: além dos compositores que ele gravou mais de uma vez, como o falecido Itamar Assumpção ("Noite torta", "Isso não vai ficar assim"), Vitor Ramil ("A ilusão da casa"; no bis, "O astronauta lírico"), Cazuza (no bis, "Poema"), ele cantava pela primeira vez Paulinho da Viola (vejam a dança em "Roendo as unhas") e compositores novos como Criolo (o interessante retrato erótico urbano de "Freguês da meia-noite"). Com outro compositor jovem, Vitor Pirralho, que participou de Índio é Nós, e sua "Tupi fusão", o dado político voltava explícito, e era o momento mais interessante de dança da apresentação. A movimentação cênica de Ney Matogrosso continua surpreendente, e tanto ela quanto a condição de sua voz parecem desmentir o fato de que ele é septuagenário. Ele está incomparavelmente melhor do que os seus companheiros de geração (apesar de não ter levado uma vida exatamente saudável até os cinquenta anos), que ou perderam a maior parte dos recursos vocais, ou simplesmente se resumem a cantar o já cantado, enquanto ele continua procurando novo repertório. Lembro de uma meio soprano falando, nos idos de 1992, aproximadamente, que Ney Matogrosso logo iria perder a voz, pois não se poderia cantar agudo assim por mais de dez anos. Ora, ela há muito não se apresenta mais e ele, dez anos mais velho, continua na ativa... O último bis (deu quatro) foi o samba "Ex-amor", de Martinho da Vila.

19 de abril: Caminhada Índio é Nós. Copio o "Índio é Nós": "A Caminhada partiu do MASP, sempre com música capitaneada pelos integrantes do Oficina (especialmente pela voz de Letícia Coura; ao lado, a única foto que consegui mais ou menos tirar dela, de óculos escuros) para o  Cemitério da Consolação, onde se fez um ritual para Mário de Andrade e Oswald de Andrade; seguiu pelo Parque Augusta, que foi abraçado pelos participantes; terminou no Teatro Oficina". Eu estava lá. Letícia Coura puxou, durante horas, os cantos antropofágicos e a "Tupi or not Tupi" de Surubim Feliciano da Paixão, que recebeu estrofe extra de Fabio Weintraub e concluía a peça Walmor y Cacilda 64 - O RoboGolpe, de José Celso Martinez Corrêa. Esse uso político da música prosseguiu no Teatro Oficina, onde, no 19 de abril, se fez uma performance a partir do Choros 10 de Villa-lobos (o final pode ser visto neste vídeo) e de cantos indígenas. Não foi uma "execução" de Villa-Lobos, o que seria careta nesse contexto, e sim uma celebração, uma revolução onde se dança.

3 de agosto: O maestro Rinaldo Alessandrini no Teatro Municipal de São Paulo. Ele é o maior maestro para certo repertório do barroco italiano, mas veio reger o coro e a orquestra do teatro em um repertório completamente diferente: Mendelssohn (a abertura Mar calmo e viagem próspera, a ária "Infelice! Già dal mio sguardo" - a solista foi Monica Bacelli - e o Salmo 42) e um autor contemporâneo, Lauridsen, cuja peça, de linguagem conformista, ele interpretava pela primeira vez, "Lux Aeterna". O coral do Teatro cantou bem. Valeu pelo Mendelssohn.

4 de agosto: A soprano Natalie Dessay e o barítono Laurent Naouri, com o pianista Maciej Pikulski. Era um belo programa de canção francesa (Poulenc, Fauré, Duparc...) com duos e solos. Dessay não tem a mesma voz dos anos 1990, mas isso não importa nada para esse repertório, em que ela pôde ser mais expressiva do que em muitos papéis da ópera romântica francesa. Acho que ela está muito certa em buscar um repertório novo, agora que suas possibilidades vocais mudaram, em vez de simplesmente encerrar a carreira, como fez Callas. E é de fato, muito careta e um tanto sádico este público de ópera que exige que as sopranos aos 50 cantem os mesmos papéis de jovens que faziam aos 20. Não sei se a celebridade dela atraiu um público que queria mais aparecer do que ouvir (coisa comum na Sala São Paulo), mas a plateia causou problemas. No pior momento, um desvairado na quarta fila da plateia gritou "maravilhosa" quando uma das canções terminava. Ela se assustou, provavelmente sem compreender o que havia sido dito. Na peça seguinte, errou e teve que recomeçar, pedindo pardon. Sabe-se que houve tempos em que os compositores gostavam de aplausos até no meio da música, e é o que, por exemplo, Mozart esperava e contou em uma de suas cartas. Em boa parte do repertório, no entanto, esse procedimento pode tirar a concentração do artista, especialmente se os acordes não são nada óbvios. Mas que poesia a da cantora - como em "L'invitation au voyage", que Duparc compôs a partir do poema de Baudelaire. A batida "Après un rêve", de Fauré, ficou muito interessante nos gestos dela. Com Naouri, tão bom no repertório barroco francês, eu já tinha as canções de Ravel, e ele reafirmou sua adequação completa ao estilo. Pikulski não estava nada abaixo dos famosos recitalistas. Naouri, no seu disco de jazz "Round about Bill", havia gravado "Minha", de Francis Hime, e, desde então, segundo ele mesmo, melhorou seu português, língua em que ele falou com a plateia. Um bis foi a ária das Bachianas Brasileiras n. 5 (sem o Martelo). Naouri cantou a parte central, com letra, e Dessay fez o vocalize, que ela havia gravado recentemente no infeliz disco de música brasileira, "Rio-Paris", cometido por Liat Cohen, que acompanhou Dessay (que está muito bem; ela, apenas, justifica a gravação) e duas cantoras sem voz e sem um bom português. No final da ária, que acabou sendo o último número da noite, o agudo quebrou, como podem ver no vídeo, mas nada grave. Depois do concerto, uma fila quilométrica para pegar autógrafos. Na minha frente, um casal em que o marido disse não apreciar muito a soprano, e sim o barítono. Gosto de ambos, mas disse que achava que ela era melhor intérprete. Nessa noite, ela mostrou que, de fato, chegou a um nível em que tornou até o silêncio expressivo, o que é raríssimo em um cantor. E o uso do silêncio é talvez o que a música tenha de mais alto e necessário a ensinar à literatura, segundo Beckett, para a dissolução da "verdadeiramente arbitrária materialidade da palavra", dando o curiosíssimo exemplo da Sétima Sinfonia de Beethoven, obra que significava, para Beckett, sons conectando abismos de silêncio.

6 de agosto: Hamilton de Holanda Trio na Praça das Artes. O genial bandolinista e compositor tocou várias peças, inclusive alguns de seus Caprichos (o disco foi lançado neste ano; eles também podem ser baixados com a partitura nesta ligação). No contrabaixo, André Vasconcelos e, na percussão, Thiago da Serrinha, que tiveram seus momentos de solista. A apresentação trouxe uma execução notável de "Sinhá", de João Bosco e Chico Buarque. Hamilton de Holanda disse já essa canção considerar um clássico da música brasileira. Surpreendeu-me "Trocando em miúdos", de Francis Hime Chico Buarque, que eu nunca tinha ouvido com ele. "O que será (à flor da pele)", de Chico Buarque, também ficou impressionante; vejam aqui o que ele faz no registro agudo do bandolim a partir de 5'36''; é certo que, sem a letra enigmática,a música pode ser e se torna outra coisa, mais afirmativa do que na gravação célebre com a voz do compositor e a de Milton Nascimento. Não acho isso um problema, porém. O intérprete, especialmente em gêneros em que ele tem mais liberdade, e é a esmagadora maioria dos casos na música popular, pode mudar o caráter da música, se o resultado for convincente em termos musicais e dramáticos. E isso ocorre também na "música clássica" (na Vida de Rossini, Stendhal escreve "Quando Madame Pasta canta Rossini, ela empresta ao compositor as qualidades que a ele faltam"). Além disso, pensando em comparações entre versões cantadas e instrumentais, dificilmente um cantor poderia emular a variedade de ataque e de dinâmica (o recente disco com Diogo Nogueira - o cantor é bem menos criativo musicalmente e variado em termos interpretativos do que o instrumentista - ressente-se disso) que Hamilton de Holanda logrou nessa música e no "Canto de Ossanha", de Baden Powell e Vinicius; o solo do percussionista, por sinal, é mesmo de fazer a plateia aplaudir no meio da música, o que aconteceu e é bem-vindo neste caso. No final, aparece o tema de "Berimbau", outro grande afrossamba dos mesmos autores.  

25 de agosto: A meio soprano Joyce DiDonato acompanhada pelo pianista David Zobel na Sala São Paulo. A apresentação começou com uma nota de tensão: a meio soprano estava resfriada e contou que, de manhã, não conseguia vocalizar; ela nunca havia cancelado por motivo de saúde, mas chegou a pensar nisso. No entanto, disse que foi muito bem tratada (simpática, disse que se tivesse que ficar doente de novo, teria que ser no Brasil) e conseguiu sentir-se apta para cantar. Por causa da doença, trocou a última peça, que seria o acrobático final da Cenerentola, de Rossini, pela ária "Riedi al soglio", do mesmo compositor, também muito difícil, que está em seu último disco, o fantástico "Stella di Napoli". Um crítico de certo jornal de São Paulo duvidou que ela estivesse doente, pois não ouviu nenhum sinal do resfriado. Ele não prestou atenção. No final da primeira parte do recital, no entanto, DiDonato fungou entre as pausas da virtuosística ária "Dopo notte", do Ariodante de Händel (que ela gravou com Alan Curtis na regência) e, no começo da segunda parte, sua voz ficou instável em um agudo sustentado na cadência da ária de Bellini, "Dopo l'oscuro nembo", de Adelson e Salvini. Tudo muito discreto, porém, e, tão bem sucedida quanto no recital que deu na mesma sala no ano passado, ela confirmou que é uma das maiores cantoras vivas, e está em seu auge vocal. Especialmente interessantes foram as canções de Santoliquido, compositor italiano do século XX que eu - na minha ignorância do repertório da música de câmara italiana - nem sabia que existia; ouçam esta "Tristezza creposcolare". Além disso, ela, muito simpática, detém uma grande capacidade de comunicação com o público, não só ao cantar, mas também ao falar e explicar as peças em inglês. Depois do concerto, outra fila quilométrica para pegar autógrafos.

31 de agosto: A soprano Mariella Devia e o regente Giuseppe Sabbatini no Teatro São Pedro, com a orquestra do Teatro. Eu não sabia que Sabbatini, que era um tenor, havia se tornado regente. E não tinha ideia de como Devia estava cantando depois de décadas de carreira. O repertório era muito exigente: a ária de Julieta em Os Capuletos e os Montéquios, de Bellini, a "Casta diva" da Norma, do mesmo autor, a primeira ária do papel título de Lucia di Lammermoor, de Donizetti; de Puccini, a ária de La rondine, a ária do suicídio de Liù, em Turandot; de Manon, de Massenet, "Adieu notre petite table" (com o si bemol agudo do recitativo) e a valsa da Julieta no Romeu e Julieta de Gounod. Ela tem 41 anos de carreira, mas a voz dá poucos sinais da idade (algumas notas altas ficaram um pouco mais estridentes); fiquei impressionado especialmente com a cadência da "Casta diva", ela simplesmente emenda as frases num só fôlego, de 6'01 a 6'16". Nessa respiração, nesse apoio, está um dos fatores de sua longevidade, além da escolha de repertório. Mais adiante, vejam como ela cantou o segundo verso da cabaletta, ornamentando-o; a partir de 8'20'', quase levantei da cadeira. Seu impacto é vocal, antes de tudo - ela nunca foi uma grande atriz. É basicamente o contrário de Dessay, que ousou cantar coisas não muito apropriadas para sua voz (especialmente La Traviata, que acho que foi a ópera que acelerou seu declínio vocal) e teve que abandonar (ao menos provisoriamente) os palcos de ópera. São duas éticas artísticas diferentes, e respeito os dois tipos de cantores: os que se queimam para atravessar possibilidades novas (como Callas, que cantou profissionalmente em ópera por 22 anos), e os cautelosos, prudentes (para ficar entre as sopranos, um exemplo é Mirella Freni, que aos 70 ainda se apresentava em ópera). No bis, Devia cantou "Addio del passato", da Traviata de Verdi (só uma estrofe, o que aprovo) e a Valsa da Musetta, de La Bohème, de Puccini.

20 de setembro: Salomé, de Richard Strauss, no Teatro Municipal de São Paulo. Já tinha visto John Neschling reger essa ópera em concerto com a Osesp. Não foi uma ocasião feliz, pois o maestro só parecia conhecer as dinâmicas forte e fortíssimo, o que me fez temer pela saúde da soprano. Desta vez não foi o mesmo, e a regência tendeu a soar desvitalizada como das outras vezes que o vi no Municipal (especialmente na Aida, que foi muito bem cantada, inclusive por Gregory Kunde, que se metamorfoseou vocalmente de Arturo para Radamés). Annemarie Kremer cantou bem o exigente papel - ela até emitiu audivelmente as notas graves do "mistério da morte" ("Geheimnis des Todes", a partir de 12'30'' neste vídeo), numa região difícil para qualquer soprano. O tenor de caráter que cantou Herodes, Peter Bronder, é um veterano e, muito inteligente, mostrou habilidade em evitar as notas mais altas do papel sem dar na vista. Na récita do dia 16, ele tentou cantar a frase "Es wird Schreckliches geschehn",  "algo terrível vai acontecer" e, de fato, ocorreu. Kremer, no dia em que vi, estava com o agudo mais seguro do que nesse aúdio. Mark Steven Doss foi vocalmente soberbo como João Batista. Eu queria muito ver Iris Vermillion, que cantou Herodíade, meio soprano de repertório muito interessante. Ela teve seu auge nos anos 1990, e continua com presença cênica - e as notas para cantar esse papel.

21 de setembro: Quarteto de Cordas de Leipzig no SESC. Outro concerto baratíssimo no SESC, e com meu quarteto de cordas preferido. Na primeira vez que o vi, no século passado, foi numa apresentação gratuita na Sala dos Arcos no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Era um programa só de expressionismo alemão. Ficou lotadíssimo, claro, e acabei sentando no chão, perto do violoncelista, Matthias Moosdorf. O Quarteto veio a São Paulo há poucos anos para um brilhante concerto infeliz na Hebraica, em que o público reduzido fazia tanto barulho que parecia maior (o concerto começou com um soco que um homem sentado na primeira fila deu na cadeira; não fazia parte da execução, a peça inicial era de Haydn, se bem me lembro, não de John Cage). Desta vez, o repertório foi russo: Lourié, Stravinsky, Chostakovich e Borodin. Uma lembrança de como o Quarteto de Leipzig é eclético e não se limita ao repertório germânico. Nunca gravaram, porém, Villa-Lobos. Eu não gosto, normalmente, do famoso Oitavo Quarteto de Chostakovich: em geral, os intérpretes perfumam a flor, tornam mais melancólico aquilo que já é depressivo, e ele soa simplesmente exagerado. O Quarteto de Leipzig me surpreendeu completamente, pois interpretaram-no de maneira mais seca, sem ceder ao sentimentalismo fronteiriço dessa partitura. Para mim, foi uma revelação completa de possibilidades de uma peça que já conhecia. A outra revelação foi o o Segundo do Borodin, um grande momento do romantismo russo, que eu desconhecia e o Quarteto já havia gravado. Acabei comprando o disco. Depois do concerto, deram autógrafos (são muito simpáticos, além de tudo) e mencionei o que achei do Chostakovich - a melhor interpretação que já tinha visto dessa peça (não que eu conheça muitas...), superando o Emerson Quartet, que vi nesta cidade.

15 de outubro: Les Arts Florissants no MASP. O grupo, de formação flexível, veio bem reduzido: além do maestro William Christie, o maior intérprete de tantas páginas do barroco francês, que regeu e tocou cravo, vieram a soprano Élodie Fonnard, o barítono Marc Mauillon, as violinistas Florence Malgoire e Catherine Girard, Myriam Rignol na viola da gamba e Thomas Dunford no alaúde. Era um repertório de câmara, com árias e trechos de cantatas, de Campra, Couperin, Bernier, Campra... Com alguns números instrumentais. As violinistas começaram mal, mas depois da primeira peça concordaram em tocar na mesma tonalidade. Embora fosse um recital de câmara, havia movimentação cênica dos cantores, e muito bem lograda. Destacou-se, porém, Mauillon, que eu já tinha visto ao vivo num dia infeliz para ele (era inverno, ele estava resfriado, praticamente se refugiou atrás dos outros cantores na Selva Moral e Espiritual de Monteverdi). Ele é um artista até a ponta dos pés; quando cantou, reclinado perto da plateia, o trecho de Les femmes de Campra, "Fils de la nuit et du silence", a noite e o silêncio fizeram-se ouvir. Sua voz é pequena, mas, neste repertório, isso é uma vantagem. No entanto, quem mais me impressionou foi Thomas Dunford, jovem estrela do alaúde que eu nunca tinha ouvido, e que gerou tantas sonoridades diferentes em "Les voix humaines", de Marin Marais, que, de seus dedos, uma comunidade parecia nascer. Até William Christie pareceu comovido.

13 de novembro: O contratenor Phillipe Jaroussky e o Ensemble Artaserse na Sala São Paulo. A voz de Jaroussky é uma das maiores fontes de beleza vocal de hoje, especialmente no piano e no pianíssimo. O repertório foi todo dedicado a Vivaldi, o que ocorre também no seu último disco, "Pietá", o terceiro de seus discos solo em que somente interpretou esse "grande compositor", como lembrou o músico. Marcou-me o moteto "Longe, mala, umbrae terrores"; essa peça exige a agilidade que esse contratenor possui, e um tipo de veemência que ele encontra mais nos acentos do que na força. Vejam como ele interpretou de forma inteligente esta ária de Vivaldi; ele impressiona porque não precisa de muita potência para expressar afetos mais intensos. Seria interessante fazer um estudo de retórica da interpretação desse cantor, que é do raro tipo que faz da delicadeza seu argumento mais irrefutável. Ele sabe espanhol (ouçam esta entrevista que concedeu pouco antes na Argentina) e ousou dizer algumas frases em português. Depois do concerto, mais uma fila quilométrica para pegar autógrafos.

21 de novembro: André Mehmari e Gabriel Mirabassi no SESC. Mehmari no piano e Mirabassi no clarinete, tocaram principalmente músicas do brasileiro. Os dois haviam se conhecido por meio de Guinga e já haviam gravado juntos o disco Miramari. Lançavam nessa ocasião o DVD. Neste ano, vi Mehmari tanto sozinho quanto com  Hamilton de Holanda, mas quero escrever um pouco aqui somente sobre esta apresentação, um tanto atípica. Além da excelência dos dois, havia a nota curiosa de Mirabassi, um dos maiores clarinetistas do mundo, volta e meia sublinhar que Mehmari não era normal, de tão prodigioso. Ele está certo, claro. Vejo esse prodígio na beleza de certas canções (o lirismo de "Quando em Gubbio", por exemplo) e no pensamento musical (o uso da citação e da memória no cruzamento de linguagens musicais). Mehmari, de fato, é genial, e a forma como ele faz o que chama de mestiçagem, uma fusão de diferentes linguagens musicais, vai muito além do crossover e deixa bem longe tentativas semelhantes de certos músicos do jazz. Eu o vi, neste ano, acho que no Itaú, falar que foi desafiado em 2013, na plateia, a improvisar como se fosse Chiquinha Gonzaga a tocar uma ária de Mozart. Ele fez algo fenomenal com "Voi che sapete", uma das árias do personagem Cherubino, da ópera As bodas de Fígaro, de Mozart. Pois bem: essa criação entrou no recente disco "Ouro sobre azul", dedicado a Ernesto Nazareth, logo na primeira faixa. Nesse disco, apenas a tentativa de enxertar Tristão e Isolda não me parece funcionar - Wagner soa como um invasor na casa musical de Nazareth, que não era exatamente Bayreuth. No entanto, exceto isso, o disco é esplêndido, e vê-se que é um compositor revisitando outro - a execução é uma conversa entre criadores. Entendo que essa facilidade de atravessar fronteiras gere ressentimentos, especialmente dos "compositores clássicos" contemporâneos brasileiros (uma espécie humana que, em geral, adora fronteiras e fiscais de imigração entre gêneros). Vi que alguns o veem como um invasor que vem de outra área (a música popular), por mais que seu estúdio se chame Monteverdi, e, pior ainda, um invasor que recebe encomendas da Osesp e de músicos estrangeiros, como Andrea Lucchesini, que trabalhou com Berio e agora interpreta com Mirabassi as Scarlattianas de Mehmari. Ele se incomoda com as críticas dos fiscais de imigração, mas acho que elas são um sinal de sucesso. Callas dizia que, quando parassem de assobiar para ela (assobio, em ópera, equivale a vaia), saberia que estava acabada.

30 de novembro: Madame Butterfly, de Puccini, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Eu somente tinha visto essa ópera nos anos 1990, nesse mesmo palco, com Leila Guimarães no papel título. A atual montagem era de Carla Camurati (que deixa em 2015 este Teatro para se ocupar das atrações culturais das Olimpíadas) e havia sido originalmente encenada em 1999 no Alfa Real. Era muito delicada na ênfase de elementos de papel, como borboletas de origami, até o final, quando o pressuposto político tornava-se evidente: era uma ópera de denúncia contra o imperialismo dos EUA: a esposa de Pinkerton simplesmente rouba a criança. No final, Camurati foi vaiada por uma pequena claque e aplaudida por quase todo o público. Talvez a claque fosse composta por pessoas simpáticas a outro(s) encenador(es) que queira(m) dirigir o Teatro. O maestro Isaac Karabtchevsky não estava exatamente na praia dele; as oportunidades de lirismo dessa ópera passaram meio em branco na orquestra. Mahler, certamente, o inspira mais. Os cantores, felizmente, estavam mais afinados com esse repertório, como Hiromi Omura, que dominava cada gesto, vocal e cênico, do exigente papel, que mantém a cantora em cena praticamente todo o tempo, desde sua entrada. É uma ópera tão sopranocêntrica quanto a Traviata. Os tenores estavam muito bem: o Pinkerton era Fernando Portari. Assisti à estreia desse tenor no Teatro Municipal em um papel comprimário da ópera Manon Lescaut, também de Puccini. Ao longo desses anos de carreira, ele ganhou em volume vocal sem perder o agudo e a mezza di voce. Sua segurança musical continua inatacável. Sérgio Weintraub confirmou sua desenvoltura cênica nesses papéis cínicos; vocalmente, ele foi um Goro que poderia, sem problema algum, ter cantado o Pinkerton. Seu filho, David Weintraub, interpretou o filho de Butterfly (e poderia ter confirmado as suspeitas de Sharpless - bem cantado por Rodolfo Giugliani - sobre a infidelidade da japonesa...) Quando as borboletas de origami desceram e oscilaram sobre o palco, ele brincou com elas com naturalidade.

Em dezembro, vi no cinema uma apresentação do Metropolitan Opera House da ópera Os mestres cantores de Nurembergue, de Wagner, regida por James Levine. Acho que chorei meia hora, no fim do segundo ato, e do quinteto até Sachs abrir o prêmio no terceiro ato. É muito comovente como Wagner, que ficaria tão reacionário, inclui o povo na história, e como é o povo que acaba por decidir o prêmio, função que era reservada aos Mestres. Creio, porém, que não devo incluir mais nenhuma consideração aqui sobre os Meistersinger, já que assisti à apresentação via cinema...


Agora, quatro entradas para um evento excepcional, que teve sua primeira edição em 2014. Queria ter visto várias coisas do primeiro (espero que continue!) Festival SESC de Música de Câmara. Uma iniciativa do SESC-SP, cuja programação cultural é a melhor do país - e a preços muito acessíveis (doze reais). Queria ter visto vários músicos (inclusive o Brasil Guitar Duo), mas o trabalho e os ensaios não me permitiram. Consegui, porém, ver estes:

27 de novembro: Anonymous 4 no Festival SESC de Música de Câmara. Esse conjunto vocal feminino é simplesmente o melhor do mundo no seu repertório. No concerto, as cantoras privilegiaram o repertório medieval, com obras de autores anônimos, Hildegard von Bingen ("O quam mirabilis est" e "O rubor sanguinis", talvez o ponto mais alto do concerto), com algumas contemporâneas. Cada uma das cantoras teve um solo, exceto a contralto, e se ouvia o porquê: ela cantou com pouquíssima voz; às vezes, parecia ausentar-se completamente e, quando tinha que cantar mais forte, o vibrato soava sem controle. Contudo, o grupo continuava excepcional em termos de homogeneidade de som e de prática de conjunto. Provavelmente foi a última chance de ouvi-las no Brasil, pois encerrarão a carreira em 2015.

28 de novembro: Quarteto Lutoslawski no Festival SESC de Música de Câmara. Esse quarteto de cordas é um grupo novo, fundado em 2007, que eu não conhecia. No entanto, logo me chamou a atenção, quando vi a programação do Festival, em razão do repertório: além do compositor que lhe dá nome, interpretariam Schulhoff! E Penderecki (o primeiro quarteto, ainda da fase interessante desse compositor) e Marcin Markowicz, que é o segundo violino do grupo. O programa foi alterado, deixaram as Cinco Peças para Quarteto de Cordas de Schulhoff, que tem tanta vivacidade rítmica, para o fim. Antes dele, a peça de Markowicz, seu terceiro quarteto, que começava com uma frase - uma oitava descendente - que sofria diversas variações. Uma revelação. Achei que esse jovem compositor tinha pleno direito de ser tocado com os outros nomes do programa; no bis, tocaram uma breve peça que ele escreveu em homenagem a Chostakovich. O mais difícil, em termos de conjunto, era o Lutoslawski, que eles tocaram em primeiro lugar. Um desafio em termos de entrada e de variedades de ataques que a peça exige dos músicos. Mas o grupo, que estreava no Brasil, estava à altura das dificuldades. A lamentar apenas o público que não veio (o teatro estava meio vazio) e o apresentador do SESC que achou que o Quarteto era um grupo de Direito em inglês.

5 de dezembro: Kronos Quartet no Festival SESC de Música de Câmara. Trata-se de um quarteto de cordas que se distingue por seu repertório exclusivamente contemporâneo; mas, ao contrário de um grupo como o Arditti, tem um queda para o pop - talvez por isso o concerto estivesse mais cheio do que os outros que vi do Festival. Ao contrário do Arditti, ele não tem uma técnica lá muito espetacular - já a primeira peça, de Terry Rilley, "G Song", revelou dificuldades do segundo violino. No concerto, que incluiu peças que soavam como má música de filme (apenas ilustrativas ou revoltantemente açucaradas), a que talvez me tenha convencido mais foi a mais nova, de Mary Kouyoumdjian, escrita para o Kronos: "Bombas de Beirute", com música pré-gravada que evocava sons de guerra.

7 de dezembro: Os Músicos de Capella e Luis Otávio Santos no Festival SESC de Música de Câmara. O programa era integralmente dedicado a Bach - lembro que a gravação das sonatas para violino na integral Bach da Brilliant Classics são justamente a desse importante violinista (e maestro) brasileiro. As Ouvertures BWV 1067 e 1068, tão famosas, ganham muito em serem ouvidas em formações de câmara - pena que nem tudo estava perfeito em termos instrumentais (o oboé não estava em um bom dia). Foi linda a ornamentação da famosa Ária; pena que não achei nenhum vídeo com ele interpretando essa peça para indicar aqui. Na Cantata de Casamento a solista foi a soprano brasileira (também com carreira internacional) Marília Vargas, e provavelmente o Brasil não tem nenhuma outra cantora que possa fazer tão bem esse repertório. O público ficou aplaudindo entre os movimentos, mas isso não parece ter atrapalhado muito os músicos. Vejam um trecho de outra cantata, Ich habe genug, com ela, Luís Otávio Santos, e outros músicos (há um errinho a 5'54'', mas benigno).

Estou lendo agora a coletânea de ensaios de Virginia Woolf, O valor do riso, organizada e traduzida por Leonardo Fróes, que a CosacNaify lançou há pouco. O primeiro deles, "Músicos de rua", traz um elogio do ritmo e dos músicos que, nas ruas, não obstante imperfeições artísticas, revelam verdadeira devoção à música: "não é disparatado supor que os homens e mulheres que arranham harmonias que jamais vêm, enquanto o trânsito vai estrondando ao lado, sejam tão fortemente possuídos, embora fadados a nunca transmitir isso, quanto os mestres cuja eloquência fácil encanta milhares a ouvi-los." Pode haver beleza em uma execução imperfeita, quando a intenção é forte o suficiente.
Contudo, é sempre possível ouvir boas interpretações nas ruas, e uma das que pude presenciar (em outubro, mais de uma vez) foi diante de uma estação de metrô, Santa Cecília, com a flauta de Ivan Melillo e o cavaquinho de Jefferson Dias Rocha. Vendiam seu disco independente (em que tocam também Bruno Vinci, Tigará Macedo, Bruno Bertolino e o próprio Melillo), "Choro marginal", composto na maioria de clássicos, como "Atraente", de Chiquinha Gonzaga, e "Tico-tico no fubá", de Zequinha de Abreu.
De um lado, é terrível que esse repertório possa hoje ser chamado de "choro marginal". Por outro, é político que ele se faça a partir das margens. Ouvir as margens é uma função política, além de estética.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Desarquivando o Brasil LXXXIV: Zé Celso, o RoboGolpe, a RoboCopa

Em abril, mês dos cinquenta anos do golpe de 1964, houve diversos eventos e atos sobre a efeméride. Vi apenas dois que me pareceram lamentáveis: o primeiro, palestra de um professor de filosofia de uma faculdade do interior de São Paulo que achava que Ministros do STF haviam sido cassados em 1964, que não sabia quando havia ocorrido o AI-5, e que pensava que na República de Platão tínhamos um grande modelo da nossa democracia.
Vi um Ministro do STF, Toffoli, em uma hora e quarenta minutos, gastar menos de cinco minutos com o tema da palestra e do seminário em que ela ocorria, que era o da ditadura militar, para explicar que não poderia julgar (tendo em vista a ética da magistratura!) se havia ocorrido um golpe ou uma "revolução" (tal é sua concepção de trabalho intelectual: uma função do poder político!), e que não abordaria o período porque certamente no seminário já se havia muito ouvido a respeito...
Pude assistir, no entanto, a eventos bem interessantes, o que mostra que ocorre de fato uma construção social da justiça de transição. Em termos artísticos, o que presenciei de mais impressionante, de longe, foi a peça Walmor y Cacilda 64 - O RoboGolpe, de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, no Teatro Oficina. O espetáculo tem pouco mais de duas horas e meia (curto para os padrões do Oficina) e ficará em cartaz até 29 de junho: http://www.teatroficina.com.br/menus/45/posts/791
Várias apresentações estão disponíveis no canal da companhia. No entanto, nada se compara a experimentar o Oficina ao vivo dentro do seu próprio teatro, dançar e cantar com os artistas, e participar da celebração final. 
A peça, depois da recepção do público com música indígena (o que faz todo sentido nessa abordagem antropofágica da história brasileira, e aponta para o final da peça), inicia-se com os últimos dias de Getúlio Vargas. A tradicional família brasileira aparece, bem como o embaixador dos EUA, a FIESP e outros agentes do golpe, na conspiração contra João Goulart. Temos um desfile carnavalesco-antropofágico da história brasileira, até que irrompe o RoboGolpe, simultaneamente engraçado e terrível.
A apresentação, como ocorre no Oficina, inclui música, vídeo, poesia e dança, bem como diversas alusões ao teatro, especialmente Tennessee Williams (a iguana desse autor é personificada na peça) e, em razão do monólogo final de A Tempestade, Shakespeare. Zé Celso, no poema primal que apresenta perto do fim da peça, recusa a renúncia da magia, feita pelo personagem da última peça de Shakespeare, e decide unir Próspero a Eros.

A peça não tem como foco o Teatro Oficina dos anos 1960, embora ele (parte essencial da história do teatro brasileiro) seja nela referido; como se sabe, foi um dos grupos mais perseguidos pela ditadura militar, e Zé Celso teve que sair do Brasil. O centro é, novamente, Cacilda Becker (interpretada por Sylvia Prado), desta vez na sua forte atuação de resistência contra a ditadura que se iniciava.
A cena fulcral da peça é a ida da atriz com sua colega Maria Della Costa (por Juliane Elting) ao DOPS, comandado pelo Delegado Bonchristiano (há nomes que são destino - vejam esta entrevista que o torturador deu para a Agência Pública; interpreta-o Acauã Sol), para prestar declarações, pois Cleyde Iáconis (personagem de Letícia Coura) estava lá presa.
Essa militância teatral contra a repressão política, que se dirigia contra as ideias, os livros, as peças - era tipificada oficialmente como parte do que se convencionou chamar, na doutrina de segurança nacional, de guerra psicológica, isto é, de ações contra a ideologia e os valores do regime político.
Pode-se notar que o arrazoado autoritário não mudou tanto assim, da ditadura para cá. A Federação Anarquista Gaúcha, em 2013, foi invadida pela polícia e teve livros apreendidos. Há pouco, ativistas foram presos em Goiânia, numa antecipação do que se prepara para a Copa; eles tinham panfletos contra a Copa, o que comprovaria o que o juiz Oscar de Oliveira Sá Neto escreveu sobre "poder e ascensão intelectual dos incitadores de práticas criminosas sobre os participantes de movimentos de reivindicação, ou seja, a hierarquia dos autores intelectuais". A criminalização dos movimentos sociais passa, em geral, pela criminalização da inteligência.
Essa criminalização atinge a arte, mais diretamente a arte com propósitos críticos ou emancipatórios, o que sempre foi o caso do Teatro Oficina. Nessa outra época de perseguição aos movimentos sociais, a da ditadura militar, lembro de uma das prisões de Zé Celso, em 1974.
Ele estava trabalhando para finalizar o filme O Rei da Vela, a partir da peça de Oswald de Andrade, que ele havia montado pioneiramente em 1967. Essa prisão interrompeu os trabalhos e ele acabou indo para Portugal e ficou do país, executando vários projetos (inclusive um filme sobre a independência de Moçambique para a RTP, que tenho curiosidade de ver) até 1978.
O curioso e sucinto "relatório" assinado pelo delegado Magnotti em primeiro de julho de 1974, nos autos do inquérito contra o diretor de teatro e dramaturgo, a autoridade coatora é bem clara sobre a arbitrariedade cometida.  Mantenho os erros de concordância e de pontuação do original:
A prisão do indiciado ocorreu em virtude de ter sido encontrado em sua residência, livros que fazem apologia do comunismo, livros esse estrangeiros e que deram entrada no país através do próprio indiciado.

Essa prisão de 1974 foi logo noticiada, o que gerou clamor que ultrapassou a chamada "classe teatral" e causou a irritação das autoridades policiais, que preferiam trabalhar na obscuridade, ambiente mais propício para a ilegalidade.
Veja-se, no documento ao lado, a insatisfação daquele mesmo delegado com a notícia da prisão. A publicidade sempre atrapalhava as práticas ilegais e oficializadas de tortura e desaparecimentos forçados, ou seja, o que é caracterizado no eufemismo "os serviços de investigação de interesse da segurança nacional".
Voltando à peça, sem nunca ter saído de seu assunto, destaco a total pertinência em RoboGolpe de representar carnavalescamente o golpe por uma máquina policial. O governo do Estado do Rio de Janeiro, assumindo o  seu ridículo autoritário, de fato robocopizou sua polícia: https://twitter.com/elizondogabriel/status/468807263940255744
Essa é a RoboCopa, marca dos dias de hoje, em que até palavras cotidianas da língua viraram propriedade intelectual da FIFA.
No passado recente, na época do RoboGolpe, a cultura era uma das matérias preferidas da polícia. Na peça, temos um antológico confronto dos personagens de Cacilda Becker e Maria Della Costa com o delegado, no fim do qual elas obtêm a abertura dos teatros.
Mateus Araújo, em crítica da peça, destaca que ela faz referência aos protestos contra a Copa do Mundo. Com efeito, Zé Celso sempre dialoga com as questões do presente. Se ele fosse voltar a Hamlet hoje, certamente a Copa estaria entre as coisas podres do reino da Dinamarca. Por vezes, os paralelos são gritantes, na medida em que as forças reacionárias de hoje evocam o passado ditatorial. Vejam o que o Oficina faz com as Marchas da Família (as de ontem e as de hoje) e suas músicas a partir dos 58 minutos: https://www.youtube.com/watch?v=kqJHVXqJurE


Zé Celso não escreveu uma peça sobre sua própria trajetória nesses anos, e não sei se isso lhe interessa. Se o fizesse, estaria cheia de momentos robogólpicos. Em 1978, Zé Celso voltou ao Brasil e teve que retornar ao DOPS/SP para que esclarecesse o que havia feito no exterior.
Entre outras informações, queriam saber com que artistas mantivera contato no estrangeiro, e lhe perguntaram se eles faziam campanha contra o Brasil (novamente, a tal da guerra psicológica, que visaria atingir a imagem do país).
É curioso ver como as autoridades policiais, de fato, estavam completamente afastadas desses aspectos da cultura brasileira (que eles, não por acaso, reprimiam) e não foram capazes de escrever corretamente nem o nome de Augusto Boal.
A resposta de Zé Celso foi brilhante: "Não vi campanha contra o Brasil, esses artistas ao contrário à [sic] imagem mais linda que o Brasil pode mostrar."
Hoje, além do Teatro Oficina, os que estão criando uma bela imagem do Brasil, por meio de sua ação política, são pessoas como Sonia Guajajara, da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), na Mobilização Nacional Indígena. Em Brasília, ontem, essa Mobilização foi atacada, fazendo o Estado sujar ainda mais a imagem do nosso país. Vejam as fotos:

Montagem de Rugendas com foto de Lunaé Parracho: https://twitter.com/joaofellet/status/471719961275404288
No El País: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/05/28/politica/1401233708_863738.html
Na Servindi: http://servindi.org/actualidad/105914
Há mais! https://www.facebook.com/idelber.avelar/posts/10152253495382713

Zé Celso, sempre antenado com o presente, inclui os índios desde o início da peça. Para ele, e isso é explicitado no "poema primal" que lê perto do final da peça (levanta-se nesse momento; é impactante, pois estava em cadeira de rodas até então), o núcleo do golpe é o "direito absoluto de propriedade": em nome dele, e contra as reformas da base, foi dado o golpe, em nome dele os índios são espoliados de suas terras, e o próprio Oficina está sendo ameaçado (há décadas) pelo grupo de Silvio Santos.
Já no início da peça (no vídeo, depois dos 28 minutos), os atores declamaram "Sem reintegração de posse/ A terra é de Oxóssi". Contra os "assassinos da mata selvagem, nossa mãe geratriz".
Zé Celso, o Prosperos, movido pelo Eros do teatro, conduz a peça à celebração final: o público com os autores saem para abraçar o Oficina cantando a música que Surubim Feliciano da Paixão compôs para O Rei da Vela, "Tupi or not Tupi":  http://www.teatroficina.com.br/headlines/12. Ela pode ser ouvida na Rádio Oficina: http://www.teatroficina.com.br/radio_uzonas
Isso me tocou especialmente, tendo em vista a conjuntura, como os governos reforçaram as forças da especulação imobiliária com os grandes eventos esportivos; no 19 de abril deste ano, dia da passeata Índio é nós em São Paulo, o único grupo de teatro que participou foi exatamente o Oficina, e foi genial: os artistas animaram a caminhada com cantos antropofágicos e o "Tupi or not Tupi", que recebeu mais uma estrofe, escrita especialmente para a ocasião por Fabio Weintraub: "Que nós é índio/ na cidade ou na floresta/ que demarquem nossas terras/ é o que vamos exigir." Letícia Coura, com sua potente voz, tocou (com outros músicos do Oficina) e puxou o coro por quatro horas.
Na plataforma Índio é nós ainda não se escreveu um texto sobre esse dia, mas podemos ver que Zé Celso assistiu ao lançamento da campanha e ainda se pronunciou, inesperadamente, nela, a partir da fala de Maria Rita Kehl: http://www.indio-eh-nos.eco.br/2014/05/03/os-videos-do-lancamento-paulista-de-indio-e-nos/
No dia 19, a passeata terminou no Oficina, e nele se cantaram o Choros 10 de Villa-Lobos e a música de Surubim Feliciano da Paixão, abraçando a terra do Teatro Oficina, um tekoha do teatro e de São Paulo. Zé Celso revelou que tinha acabado de receber uma ação de reintegração de posse do Grupo Silvio Santos. Falei-lhe que os índios Guarani da Terra Indígena do Jaraguá também haviam, fazia poucos dias, sido citados por causa de uma ação do mesmo tipo.
Trata-se da questão oswaldiana da posse contra a propriedade, tão urgente mas tão pouco estudada nesses termos antropofágicos (Alexandre Nodari é uma exceção). Creio que a academia, ao menos no Direito (que é a que conheço melhor), não está à altura de espetáculos como este, que conseguem operar essas sínteses entre o passado e o presente, na relação entre o Golpe e a Copa, e de ações como da Mobilização Nacional Indígena com os sem-teto, ambos alvo da repressão robocópica:  http://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2014/05/28/comite-popular-da-copa-e-mobilizacao-nacional-indigena-denunciam-violencia-policial/.

P.S.: RoboGolpe e RoboCopa, por alguma razão que me escapa, evocam-me a ideia de roubo... E não é que a filha e neta de nomes poderosos das forças RoboCópicas disse que o que havia para ser roubado já o foi? Vejo nisso mais uma confirmação do gênio de Zé Celso, uma das "antenas da raça", e também uma estratégia de despistamento feita por essas forças. A questão é mesmo a grande política, como Elaine Tavares escreveu: "a Copa é um assunto político. E o governo está fazendo política com a Copa, exatamente como os trabalhadores, os sem-teto, os indígenas. Todos estão a fazer política. Então, é preciso que a opinião pública saiba disso, e desde aí, do conhecimento, se posicione. O que não dá é para jogar um manto protetor sobre a Copa, como se fosse apenas uma linda e alegre festa popular, a qual alguns “malfeitores” estão querendo estragar." (http://eteia.blogspot.com.br/2014/05/a-copa-e-espaco-da-politica.html)

P.S. 2: Acabo de ver que foi publicado um vídeo de João Baptista Lago, filmado no Teatro Oficina no dia 19 de abril: https://www.youtube.com/watch?v=9MAnqDrIIpM

P.S. 3: O vídeo do grande sucesso #DesarquivandoBr e #NaoVaiTerCopa do Oficina, "Axé do Robocop (RoboGolpe RoboCopa)", pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=_a75ZaOCSNM