O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

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quarta-feira, 26 de junho de 2013

Universos paralelos da educação XI: Ficções em torno de trabalhos de conclusão de curso


"- É um absurdo jovem de 16 anos poder votar e não poder ir pra cadeia.
- E a Constituição, permite isso?
-  Se a gente pesquisar, a gente vai ver que tem gente que diz que sim e tem gente que diz que não. Mas, no meu entender, não faz sentido um jovem de 16 anos votar pra senador e não poder ser preso. E é melhor estar preso do que estar aqui fora, aqui."


"Na lei é o contrário? É? Mas estou seguindo minha religião."


"A vida é atemporal. Você não sabe onde começa, onde vai nem onde termina. No meu entender, o anencéfalo não traz risco de vida à mãe."


"- Mas esta discussão está superada por uma lei de 2011.
- É?"


"No meu entender, acho que sim."


"Foucault, em Vigiar e Punir, defende que não é a severidade da pena, mas a certeza da punição que vai fazer o indivíduo se afastar desse caminho criminoso."


"Prezado orientando, qual é mesmo o seu nome e o título de seu trabalho?"


"- Tem muito preconceito contra a religião.
- Não entendi sobre o que você escreveu, não percebi o foco de seu trabalho. Você fez algum estudo de caso?
- Sim. Escrevi que tem muito preconceito contra a Religião Protestante e contra a Religião Afro-brasileira. A Constituição diz que o Estado é laico. No meu entender, acho que é assim."


"Defendi que o júri ao longo da história foi tendo alterações. E que pra ser jurado, acho que tem que ser no mínimo baxaréu em direito. Tem que ter conhecimento."


"O código diz isto: .............. Depois, diz isto:............. E mais isto: ........................... Concluí que é assim mesmo."


"Prezada orientanda, qual é mesmo o seu nome e o título de seu trabalho?"


"- Mas esta lei que serviu de base para o seu trabalho foi revogada.
- Quando?"


"- Mas professor [diz a funcionária], não podia fazer pergunta não. É pra acabar tudo em 10 minuto."

...............................................................................................................

"Esse aluno que é a favor dos presos? Dou meio."

"Imagina se tem infiltrados nestas arruaças! Claro que não, é baderna mesmo."

"- E a aluna...?
- Qual é essa mesmo?
- A aluna que fala grosso? Dá o mínimo."

"Já demos as notas destes aqui. Agora, vamos chamar o próximo rodízio de alunos!"

domingo, 12 de maio de 2013

Universos paralelos da educação X: Ficções amnésicas do aprendizado

I

- Gente! Vocês não vão acreditar!
- O quê?
- Acho que a gente vai ter que ler mesmo o livro da matéria.
- Não pode ser.
- Por quê?
- O pessoal que faz dependência me contou. Tem que ler.
- E agora?
- Tem que ler, senão não vai passar.
- Como é que se faz isso?
- Sei lá.
-  Qual é mesmo a matéria?
- É uma que tem ciência no nome.
- Ah... Será que tem algum livro assim na biblioteca?
- E agora?
- Vou ter que trancar a matéria!
- Tu é muito burra, quer assustar a gente. Não foi o pessoal da dependência que falou? É gente burra, como é que tu vai acreditar neles?
- Mas eles disseram que tem que ler o livro da matéria.
- Só pode ser por isso que ficaram reprovado. Vai conversando com essa gente, vai, espertinha. Má companhia só traz mau conselho.



II

Professores vão a uma reunião. Esperando serem chamados, chega uma aluna muito nervosa que se dirige à funcionária da seção.
- Quero apresentar queixa contra uma professora.
- Certo. Tome o formulário.
A aluna fica paralisada. Momentos depois, a funcionária indaga se a aluna quer caneta.
- Não. É que não lembro do nome da professora.
- E ela dá aula de quê?
Novo silêncio.
Os professores entram para a reunião. Ela ocorre. Eles saem, e a aluna continua parada diante do papel em branco. Certamente não permaneceu por muito mais dias na posição, pois se tratava da última semana, posterior ao exame final.



III

- Você sabe de algum lugar para fazer residência? E rápido? Não tenho muito tempo, só posso gastar poucas horas na semana.
- Tem um colega que deve saber, ele vem aqui no mesmo horário.
- Valeu, vou falar com ele. Mas quem é?
- Não lembro. Não vejo muito esse cara por aqui.
Tinham que sair, já era a hora da aula. Deixaram os dois a sala de professores.


IV

- O aluno escreveu que Aristóteles era filósofo contemporâneo!
- E daí?
- E daí que a prova tinha consulta! Em nenhuma parte do livro está escrito que Aristóteles é contemporâneo!
- Ah, e não é? Não sei.
- Não, não é... E seus alunos, eles estão indo bem?
- Muito bem. Aproveitei que na prova vieram todos e convidei para o lançamento de meu livro novo, "Ética sintetizada para todos". Você também vem? Estou esperando!



V


- Idiota! Não se faz mais sala para todas as turmas, ninguém mais faz gestão de recursos educacionais assim! Educação a distância é isto mesmo de dinheiro virtual, sala virtual, aprendizado virtual! Idiota! No dia da prova com comparecimento físico, cada grupo de vinte turmas tem que ser numa semana diferente! Não quero mais reclamação de aluno fresco só porque teve de fazer prova no corredor! Ainda vou acabar de vez com os corredores, não vão poder mais falar disso... E não esqueça de planejar direito: aula com comparecimento físico, enquanto não acabamos de convencer o ministério a acabar com essa velharia, só uma vez por semana! Já acabamos com aquela rubrica de gastos, os professores, agora é tudo tutor! Ninguém reclama, eles ganham com o número de tutelados que trazem para nós. Estamos crescendo, estamos crescendo. Temos que seguir os lemas da gestão educacional: "Solidariedade é um valor corporativo: as turmas revezando salas estão curtindo a solidariedade!" Não é isso? Então era "Nossa universidade está nas redes: vamos nos ver no ar"? Ou "Nossa universidade é sustentável, uma turma recicla a sala que a outra usou"? Vocês não lembram? Ai, esqueci o que o marketing resolveu adotar como linha de gestão acadêmica. Chamem o pró-reitor de pesquisa, ele vai lembrar, foi ele que recebeu o ofício do marketing.