Repercutiu internacionalmente mais uma prova do assassinato de Pablo Neruda pela ditadura de Pinochet. Não se tratava de algo inesperado, como se sabe: sua morte súbita, dias depois do golpe militar, suscitou suspeitas desde o início: ele mesmo suspeitou de que algo havia sido inoculado nele na clínica em que estava internado.
Esta morte de poeta chileno em seu próprio país não foi investigada pelas comissões da verdade brasileiras. No entanto, ela repercutiu muito no Brasil na época, assim como outras mortes e os exílios causados pelo golpe no Chile e, por essa razão, não deixou de ser lembrada em depoimentos. Em 2013, na audiência da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" sobre Norberto Nehring, um dos mortos políticos da ditadura, a filha, Marta Nehring, ao tratar do contexto geopolítico da época, mencionou o poeta e diplomata chileno:
Se a gente pensa na escala do que estava em jogo naquele momento, não é, considerando que hoje já estão sendo exumados os cadáveres de dois presidentes do Brasil, Juscelino e Jango, de que na época, não foi só a ditadura no Brasil, foi ditadura no Cone Sul inteiro, que provavelmente o Pablo Neruda foi um dos que foram mortos logo depois do golpe do Chile, envenenado, apesar de que ele estava doente, ele não morreu da doença dele, isso está sendo provado agora.
Norberto Nehring foi assassinado em 1970. Três anos depois, em setembro de 1973, eclodiria, com apoio dos EUA e colaboração do Brasil, o golpe no Chile: era a época, na Guerra Fria, da multiplicação das ditaduras de segurança nacional na América Latina. Em novembro do mesmo ano, ironicamente, começariam os trabalhos do II Tribunal Bertrand Russell, que foi instituído para julgar essas mesmas ditaduras. Neruda havia concordado em participar do julgamento: a morte impediu-o e o Chile acabou fornecendo vários casos para o exame; entre eles, o saque que as autoridades fizeram à casa do poeta, bem como a apreensão de suas obras: "Os livros de Pablo Neruda, normalmente, suscitam a ira dos guardas de fronteira e, frequentemente, são sequestrados." (cito a edição brasileira das atas do Tribunal, organizada por Giuseppe Tosi e Lúcia de Fátima Guerra Ferreira para a UFPB).
Em 1970, a ditadura militar no Brasil preocupava-se com os exilados brasileiros que estavam no Chile, então sob o governo eleito de Salvador Allende, da Unidade Popular. Nesta informação do Centro de Informações da Marinha, destacava-se a criação do Comitê Chileno de Solidariedade aos Torturados Brasileiros, "encabeçado pelo poeta comunista PABLO NERUDA":
Outro documento que está no Arquivo Nacional. Entre as hienas vorazes, roedores, depredadores infernais, os sátrapas, cujas leis eram a tortura e a fome açoitada do povo, está Garrastazu, o ditador brasileiro de então, o general Médici. No entanto, o poema não é completamente de Neruda: trata-se de uma parte do Canto Geral, cujos primeiros versos foram atualizados para nomear os novos tiranos. No original, eram nomeados Trujillo, Somoza, Carías, "com Moríñigo (ou Natalicio)/ no Paraguai".
Natán (Popik) Ofek, falecido em 2006, era colaborador do jornal argentino Nueva Sion e nele publicou essa "atualização" como se fosse um poema novo de Neruda. O poeta nem mesmo soube da publicação, mas Pinochet, sim, e achou que fosse um original do autor. Os estudantes da UEG também devem ter acreditado nisso, mas tinham razões: até o The New York Times publicou-o logo após a morte de Neruda como se fosse um original dele.
Já em 1974, Efraín Huerta havia esclarecido a questão e criticado a viúva, que simplesmente tinha negado que Neruda tivesse escrito sobre a Junta militar, mas sem perceber (ou sem querer dizê-lo) que se tratava de um trecho do Canto Geral com o início reformulado. O triste é que bastava alterar os nomes: todo o resto não necessitava de atualização.