O respeito, que é preciso guardar aos Ministros de Justiça, nos tem obrigado a omitir as repetidas comunicações, que do Brasil temos recebido, sobre o escandaloso procedimento de muitos Magistrados. E contudo convém dizer alguma cousa sobre a administração da justiça em geral.
O mal não provém deste ou daquele indivíduo, mas do sistema em geral; em uma vez que se introduz a corrupção, por mais que se mudem os ministros, continua a opressão.
Temos sempre declamado, contra a jurisdição arbitrária dos Governadores militares; e era de supor, que lhes serviria de freio a administração da justiça pelos ministros letrados; mas a corrupção destes fá-los dependentes dos Governadores, e assim todos de mãos dadas contribuem para a opressão.
Texto II:
Em suas recomendações, a Comissão focalizou as dificuldades da justiça brasileira em cumprir o compromisso de proporcionar à sua população garantias judiciais e o devido processo. O Presidente do Brasil confirmou sua preocupação quanto a esse fato numa exposição que fez perante a Ordem dos Advogados do Brasil, em que reclamou a reforma do sistema judicial a fim de enfrentar sua corrupção administrativa e sua lentidão. (nota: Uma investigação parlamentar concluiu que grande parte dos US$300.000.000 de custos excedentes de construção de edifícios para tribunais (ainda não terminados) em São Paulo passou ao pecúlio privado de um alto magistrado judicial e de um senador. Durante anos, os promotores foram incapazes de descobrir as provas obtidas pela Comissão Parlamentar. New York Times, 22 de novembro de 1999.)
O primeiro texto já é do século XIX (atualizei a ortografia, mas não a pontuação), embora ainda não do Brasil independente. Trata-se de "Administração da Justiça no Brasil", publicado em dezembro de 1818, de Hipólito José da Costa, que sozinho escreveu o primeiro jornal brasileiro, Correio Braziliense ou Armazem Literario. O jornal, devido à tradição autoritária lusa, era impresso em Londres.
O segundo, ainda referente ao século XX, é o Informe Anual da Comissão Interamericana sobre Direitos Humanos relativo ao ano 2000, que citei mais extensamente na minha tese:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=86855
Deve-se notar que as duas críticas ao Judiciário no Brasil foram realizadas no exterior: no primeiro caso, a censura portuguesa contrastava com a liberdade de imprensa na Inglaterra. No segundo, temos um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) no exercício cotidiano de suas funções: não substituir os governos e magistrados locais (ao contrário do que os ignorantes e mal-intencionados dizem), e sim identificar suas falhas e contribuir para remediá-las. Papel pequeno? Não, pois, na ausência dele, a opressão sofre menos denúncias e pode crescer imperturbada.
Papel pequeno? Não, pois incomoda os poderosos locais, que querem combatê-lo reclamando da ingerência em assuntos internos (o ensino jurídico no Brasil, geralmente de pendores marcadamente provincianos, contribui também nisso para a opressão).
Quando se lembra de que a imprensa brasileira nasceu no exilio, entende-se como a suposta defesa da soberania se tornou uma das bandeiras mais levantadas por aqueles que desejam fazer da opressão, coisa julgada e, da coisa julgada, a opressão.