Neste ano, quero lembrar de palavras que vi na cena pública em cartazes, nas paredes, nas ruas, e que fotografei. Boa parte delas se refere a remoções físicas, de favelas, por exemplo, ou de imigrantes, e a "remoção" de direitos, como os das mulheres, dos povos indígenas e dos quilombolas. Outras, dizem respeito a ocupações, que são, diferentemente das invasões, um instrumento de resistência e de garantia de direitos humanos. Neste ponto, destaquei as ações de estudantes e de índios.
Entre remoções e ocupações, estão a violência e a repressão.
"3,50 é roubo. Passe livre já"
Na cidade de São Paulo, o ano contou novamente com manifestações do Movimento Passe Livre (MPL). Não foram gigantes como as de 2013, mas aconteceram bastante na periferia.
O aumento foi mantido.
Não participei dessas manifestações, mas vi seus rastros em vários lugares, entre eles o da foto, perto do Teatro Municipal.
Esta foi a última postagem da luta de 2015 contra o aumento: http://saopaulo.mpl.org.br/2015/02/15/bloco-pula-a-catraca-pular-carnaval-pular-a-catraca-contra-a-tarifa/
Em nota curiosa a este desenlace, a editora Boitempo, que combina a edição de livros de esquerda com práticas que parecem ter outra inspiração, organizou um seminário sobre "cidades rebeldes" em que chamou aqueles que reprimiram os movimentos de 2013 (afinal, continuam no poder) e não o MPL.
Para enfatizar a fundamental indignidade disso tudo, a editora chamou as Mães de Maio para cobrir uma ausência da programação. As Mães deram uma resposta que foi um dos pontos altos de 2015, enquanto a esquerda (ex-querda) governista, que tem na Boitempo um braço editorial, passava vergonha exalando elitismo e preconceito contra os movimentos sociais, adotando o ponto de vista da repressão contra o dos movimentos sociais, o da bala e da bomba contra a democracia.
"Vladimir Herzog 40 anos. Lembrar, respeitar, cantar é preciso"
Quarenta anos após o assassinato de Vladimir Herzog no DOI-Codi/SP, em 25 de outubro fez-se novo culto inter-religioso na Catedral da Sé, em São Paulo, com apresentações musicais, especialmente do Coro Luther King, regido por Martinho Lutero.
Ao coro e aos solistas, respondeu o coro informal do público.
Havia muita gente na Igreja. A entrada (a que não assisti) e a saída do público ocorreram ao som de "Para não dizer que não falei de flores", de Geraldo Vandré.
O culto em 1975, na mesma catedral, ocorreu apesar de o governo ter desviado as linhas de ônibus e ter feito tudo para impedir o acesso ao centro da cidade. A cerimônia foi vigiada e controlada.
Em 2015, o acesso foi fácil. Faltou mais destaque, porém, à divulgação do relatório da Comissão da Verdade "Vladimir Herzog", da Câmara dos Vereadores de São Paulo, presidida por Gilberto Natalini. O estudo dos relatórios das diversas comissões da verdade que se formaram no Brasil deveria estar sendo feito por todos os movimentos sociais, pois há muito neles o que aprender sobre as continuidades das violações de direitos humanos e sobre a possibilidade de fundamentar reivindicações atuais.
O relatório final da Comissão que recebeu o nome do jornalista assassinado em 1975 pode ser lido nesta ligação. Ele não é comparável ao da Comissão Nacional da Verdade; entre as 25 recomendações, no capítulo 21, temos esta, mais modesta do que a da CNV: "13 – Prosseguir na penosa discussão, à luz da Lei da Anistia, sobre a responsabilidade criminal dos agentes que prenderam pessoas ilegalmente, durante a ditadura, para a prática de torturas e assassinatos, com frequência ocultando ou desfazendo os corpos de vítimas."
No entanto, a Comissão "Vladimir Herzog" soube se opor à CNV neste ponto fundamental: "25 – Sugere-se o reconhecimento oficial de que o presidente Juscelino Kubitschek não morreu em acidente de trânsito na viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro, mas foi vítima de atentado."
A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", que entregou seu relatório final em 12 de março de 2015, foi no mesmo sentido e dedicou quase mil páginas às análises e aos documentos que demonstram que JK foi assassinado e que a CNV se recusou a pesquisar a questão: http://verdadeaberta.org/relatorio/tomo-iv/downloads/IV_Tomo_Relatorio-sobre-a-morte-de-juscelino-kubitschek.pdf
No entanto, os dois grandes jornais diários de São Paulo acabaram ocultando o relatório final da Comissão da Verdade do Estado e não o noticiaram. Segundo um jornalista que seria demitido de um deles poucos meses depois numa das ondas de demissões coletivas de jornalistas de 2015, a ordem era priorizar as manifestações de 15 de março contra o governo. Como se sabe, uma parte dos manifestantes queria uma nova ditadura militar, o que deve explicar por que essa imprensa não quis divulgar a existência de mais um documento oficial que prova que o golpe de 1964 deu origem a um regime criminoso.