O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Nota para Leonardo Marona e o antifascismo na poesia brasileira

Somente ontem, depois da nota que fiz sobre "comunista FDP", li o romance novo do mesmo autor, Leonardo Marona, "Não vale morrer", que saiu pela Macondo em 2021. O título, curiosamente, lembra "Não adianta morrer", o segundo romance de Francisco Maciel, obra de título drummondiano que também se passa no Rio de Janeiro, porém de muito maior envergadura.

Escrevo esta nota porque alguns dos poemas de "comunista FDP" aparecem no romance de Marona como obra do personagem principal, Leon. Nele, com vários personagens à clef, os poemas aparecem em geral apenas como comentário ou ilustração da narrativa.

Talvez o romance sirva mais para ajudar na leitura dos poemas do que o oposto. Dito isso, a primeira parte (as 180 primeiras páginas) é interessante, no caminho de um improvável Murger no Rio do século XXI, tempos de ideologia do empreendedorismo.

Cito o romance de Marona, que não cai nesta armadilha: "Olho para os escritores e, com raríssimas exceções, vejo gente interessada em vencer. Nada muito diferente de quando se olha para um cirurgião plástico ou empreendedor."

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Leonardo Marona e o antifascismo na poesia brasileira



Um livro antifascista que evoca, em certos momentos, o Carlos Drummond de Andrade de Andrade anterior a "Claro enigma". Eis "comunista FDP", último livro de Leonardo Marona (garupa e kza1, 2021), que me parece confirmar e aprofundar características que as obras anteriores apresentavam.

Italo Diblasi, na orelha de "Uma baronesa às quatro da madrugada", obra que Marona publicou em 2018, afirma que esse autor seria o "único herói possível" na "guerra" como "estado permanente e semiconsciente". 

A consciência do conflito, de fato, é importante naquele livro; mas haveria mesmo um herói? Talvez, mas em uma tonalidade menor. Adelaide Ivánova, no posfácio do livro de 2018, ao destacar que Marina não conversa sobre, mas conversa COM Maura Lopes Cançado nesse livro, parece-me realmente tratar de um dado fundamental desta poética.

Em "comunista FDP", trata-se de conversar e marchar no sentido de uma comunidade; o poema que dedica a Ivánova, "o júbilo da marcha", sintetiza esta ambição:


amor eu não sei dizer,

mas faço, perdido faço.

e marcho sem as botas,

e marcho, porque vejo:

ali tremem mãos e pés,

na direção do comum.


Neste livro mais recente, novamente Marona quer conversar, seja com seus pares na poesia brasileira contemporânea, seja com nomes como Pasolini, seja com... todos, oferecendo o poema como um abraço depois da derrota ("wagner tiso no dia da eleição" abre o conjunto com esse espírito) e um convite para reunir forças para a possível vitória futura. O livro é dedicado a Lula.

A circunstância histórica é bem demarcada no livro: um momento de pandemia e ascensão da extrema-direita, em que os fascistas estão contentes, que deve ser aproveitado para procurar e reunir opositores a esses extremistas. Na poesia brasileira, Drummond é um dos autores que melhor falou de horas como esta, e Marona parece ter lembrado deste autor em versos como estes:


cada um de nós andará sozinho

com cada um de nós no bolso.

inventamos novos códigos,

talvez o fascismo ainda tenha

algo incrível a nos ensinar. ("pastoral")


Drummond foi comunista, rompeu com o PCB numa história lamentável desse partido. O curioso título de "comunista FDP", no entanto, parece apontar antes para o insulto que os fascistas de hoje empregam para quem lhes faça oposição, mesmo que sejam dessa espécie mais rara de liberais, os não fascistas, e para (alertou-me um jovem livreiro na Travessa da rua do Ouvidor) o partido liberal alemão (Freie Demokratische Partei), de centro-direita, o que aumenta a ironia.

O livro frequenta a ternura ("porque um abraço agora vale uma volta ao mundo", fim de "fruta luminosa") e a bomba ("você carrega livros impossíveis dentro da cabeça/ e uma granada sem pino no centro da sua máscara", de "à espera de um milagre"), unindo nesses dois polos as dimensões individual e coletiva. 

O poema "trinta e sete" é exemplar desses movimentos, considerando tanto a morte pessoal quanto a da humanidade e vinculando a memória da mãe falecida à de povos originários:


estaria ainda roendo

as unhas enquanto

o câncer não lhe

roía as entranhas?


estaria vibrando

em silêncio bruto

com os mapuche,

os índios urbanos

à linha do equador?



Há muitos indígenas urbanos no Brasil também. Mas a referência chilena (viva o Chile, por sinal, com sua constituinte e o presidente eleito Gabriel Boric) condiz com o espírito deste livro, que se encerra com este abraço animado por um cosmopolitismo do Sul:


explodir feito o barril antidiplomático

que permite definir sermos pobres

latino-americanos indígenas operários. ("barrilete cósmico")


Alguém poderia lembrar aqui do coração de Drummond explodindo. Creio, porém, que se trata de outra coisa: Marona fixa aí a imagem de sua própria poética (com um caráter quase sacrificial, talvez o que Diblasi chama de heroico neste autor), que ele encontra também no assassinato de Pasolini:


mas há mil controvérsias,

só o que temos é um corpo

espancado, ensanguentado 

e um coração que explodiu. ("padre pasolini")





sábado, 18 de dezembro de 2021

Jukebox, de Manuel de Freitas, publicado no Brasil

Foi publicado mais um livro no Brasil do poeta português Manuel de Freitas, Jukebox, desta vez pela Corsário-Satã. O autor me pediu uma orelha, que transcrevo abaixo.



Um dos maiores poetas vivos da língua portuguesa tem mais um livro publicado no Brasil. Este seria um motivo suficiente para recomendar Jukebox, porém há outros. Um deles é o tema: os poemas tratam de música ou de músicos de estilos tão diversos quanto Amália Rodrigues, Lou Reed, Jordi Savall e Dolores Duran. Não é comum poetas ouvirem com tanta acuidade.
Na poesia portuguesa, Arte da música, de Jorge de Sena, talvez possa ser visto como um precedente. Estes poemas de Manuel de Freitas, no entanto, distinguem-se por serem tolhidos de qualquer didatismo e se formarem a partir de uma dialética entre esquecimento e memória, típica deste autor, enunciada no poema dedicado à dupla Milva/Piazzolla: “Muitos anos depois,/ encontrei o disco e assustou-me/ a perfeição, a certeza/ de ter ganhado tudo aquilo que perdi.”
O disco é um registro da música; nele, algo se perde da execução. O poema sobre o disco corresponde a novo registro, a representar aquela perda e acrescentar-lhe outra. Este é o seu ganho, uma consciência aguda da despossessão: “perceber que a luz esmorece/ e que não há ninguém na sala, no abandonado castelo/ onde o corpo foi apenas uma hipótese de ruína.” (“1992, Von Magnet”).
O poema, ou a luz que esmorece para dar a ver que nada havia.
A geografia íntima de certa vida noturna de Lisboa, presente em outras obras de Manuel de Freitas, também ressoa neste espaço: “só ressuscitei,/ muitas tequilas depois, num bar exíguo/ que confundi com o amor”, diz em “Ron Athey”, que se revela, no final, outro poema sobre a morte.
No entanto, Jukebox ecoa um senso de júbilo; afinal, “Nada deveria ser tão triste,/ até porque nada deveria ser.” (“1988, Chet Baker”).


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Teresa, novo livro de Diego Callazans

Diego Callazans, depois do romance Urinol, lançou a novela Teresa. 2021 foi um ano produtivo para o escritor. Também neste caso, tive a honra de escrever a orelha, que transcrevo abaixo.



A arquejante Teresa, de Castro Alves; a de Manuel Bandeira, capaz de inspirar a criação do mundo; a Tereza Batista, de Jorge Amado; a mais recente, e ironicamente santificada, de Micheliny Verunschk; são muitas na literatura brasileira. A essa galeria, Diego Callazans vem trazer a protagonista deste livro. Desde 2013, o autor publicou duas reuniões de poesia, um volume de contos e um romance, além de vários textos em revistas e portais. Surge agora esta Teresa, sua primeira novela. A jovem sai do interior de Santa Catarina e muda-se para a capital; essa dualidade torna-se o princípio gerador da história. A protagonista divide-se entre a imagem e o trabalho de prostituta, para o qual adota o nome Laura; o personagem do político divide-se entre a imagem respeitável e suas práticas de gângster. O conflito entre as imagens sociais e o mundo às sombras prossegue na revelação gradativa da verdade sobre seus pais: primeiro, sobre a mãe, depois sobre o pai, que havia se suicidado.

De forma parecida com o que ocorre em Urinol, o amor entre mulheres é um elemento importante na história. O leitor dos outros livros de prosa de ficção de Diego Callazans reconhecerá outras características dessa escrita, como o uso do narrador em terceira pessoa curiosamente distanciado, que se interessa em informar friamente o destino dos personagens após a trama.

No entanto, neste livro a resolução do jogo de duplos no campo familiar e privado se encontra com o desvelamento que ocorre no plano público. Nesse sentido, Teresa reflete certos processos políticos da atualidade e é uma mulher (e um livro) bem de nosso tempo.


terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Desarquivando o Brasil CLXXX: Apresentação da adaptação teatral de K. Relato de uma busca, de Bernardo Kucinski



Em 14 de dezembro de 2021, às 19 horas, no canal do YouTube do Narrativas da Ditadura Brasileira, será transmitida a apresentação da adaptação teatral do primeiro romance de Bernardo Kucinski, um dos grandes marcos no campo da literatura e memória da ditadura militar no Brasil, com debate com o grupo Militantes em Cena.

Kucinski estará presente, bem como o diretor Jitman Vibranoski e os atores do espetáculo, que encenarão a primeira parte da peça. 

Trata-se de uma atividade do grupo de pesquisa Poéticas e políticas da memória na literatura brasileira contemporânea, coordenado pelas professoras Rejane Pivetta e Luciana Coronel, e de que sou um dos integrantes.


Ligação para a transmissão:

https://www.youtube.com/watch?v=oOwRQCMQqzs


Nota: O debate ocorre em outra ligação: https://www.youtube.com/watch?v=wN7n985P_nw

Ligação para o perfil do grupo teatral no facebook: https://www.facebook.com/militantesemcena/

Desarquivando o Brasil CLXXIX: Jornada Internacional Direitos humanos e resistência à ditadura militar na OEA

Esta Jornada começará hoje e tratará de um tema que foi pouco investigado pelas comissões da verdade no Brasil: as denúncias contra o Estado brasileiro apresentadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos durante a ditadura militar. 

Transcrevo a mensagem que me foi enviada pela historiadora Janaína de Almeida Teles:


Jornada Internacional Direitos humanos e resistência à ditadura militar na OEA




Entre 14 e 16 de dezembro, às 18 horas, acontecerá a Jornada Internacional sobre Direitos humanos e resistência à ditadura militar na OEA, organizada pelo Núcleo de Estudos História do Tempo Presente.

Os eventos serão transmitidos ao vivo pelo canal do YouTube História UEMG Passos.

Será imperdível.

Confira a programação e participe deste debate tão importante.

*Com emissão de certificado*


Link do canal: 

https://youtube.com/channel/UCcqFY6HK9SSiVcrrlhbq0Mw