Um livro antifascista que evoca, em certos momentos, o Carlos Drummond de Andrade de Andrade anterior a "Claro enigma". Eis "comunista FDP", último livro de Leonardo Marona (garupa e kza1, 2021), que me parece confirmar e aprofundar características que as obras anteriores apresentavam.
Italo Diblasi, na orelha de "Uma baronesa às quatro da madrugada", obra que Marona publicou em 2018, afirma que esse autor seria o "único herói possível" na "guerra" como "estado permanente e semiconsciente".
A consciência do conflito, de fato, é importante naquele livro; mas haveria mesmo um herói? Talvez, mas em uma tonalidade menor. Adelaide Ivánova, no posfácio do livro de 2018, ao destacar que Marina não conversa sobre, mas conversa COM Maura Lopes Cançado nesse livro, parece-me realmente tratar de um dado fundamental desta poética.
Em "comunista FDP", trata-se de conversar e marchar no sentido de uma comunidade; o poema que dedica a Ivánova, "o júbilo da marcha", sintetiza esta ambição:
amor eu não sei dizer,
mas faço, perdido faço.
e marcho sem as botas,
e marcho, porque vejo:
ali tremem mãos e pés,
na direção do comum.
Neste livro mais recente, novamente Marona quer conversar, seja com seus pares na poesia brasileira contemporânea, seja com nomes como Pasolini, seja com... todos, oferecendo o poema como um abraço depois da derrota ("wagner tiso no dia da eleição" abre o conjunto com esse espírito) e um convite para reunir forças para a possível vitória futura. O livro é dedicado a Lula.
A circunstância histórica é bem demarcada no livro: um momento de pandemia e ascensão da extrema-direita, em que os fascistas estão contentes, que deve ser aproveitado para procurar e reunir opositores a esses extremistas. Na poesia brasileira, Drummond é um dos autores que melhor falou de horas como esta, e Marona parece ter lembrado deste autor em versos como estes:
cada um de nós andará sozinho
com cada um de nós no bolso.
inventamos novos códigos,
talvez o fascismo ainda tenha
algo incrível a nos ensinar. ("pastoral")
Drummond foi comunista, rompeu com o PCB numa história lamentável desse partido. O curioso título de "comunista FDP", no entanto, parece apontar antes para o insulto que os fascistas de hoje empregam para quem lhes faça oposição, mesmo que sejam dessa espécie mais rara de liberais, os não fascistas, e para (alertou-me um jovem livreiro na Travessa da rua do Ouvidor) o partido liberal alemão (Freie Demokratische Partei), de centro-direita, o que aumenta a ironia.
O livro frequenta a ternura ("porque um abraço agora vale uma volta ao mundo", fim de "fruta luminosa") e a bomba ("você carrega livros impossíveis dentro da cabeça/ e uma granada sem pino no centro da sua máscara", de "à espera de um milagre"), unindo nesses dois polos as dimensões individual e coletiva.
O poema "trinta e sete" é exemplar desses movimentos, considerando tanto a morte pessoal quanto a da humanidade e vinculando a memória da mãe falecida à de povos originários:
estaria ainda roendo
as unhas enquanto
o câncer não lhe
roía as entranhas?
estaria vibrando
em silêncio bruto
com os mapuche,
os índios urbanos
à linha do equador?
Há muitos indígenas urbanos no Brasil também. Mas a referência chilena (viva o Chile, por sinal, com sua constituinte e o presidente eleito Gabriel Boric) condiz com o espírito deste livro, que se encerra com este abraço animado por um cosmopolitismo do Sul:
explodir feito o barril antidiplomático
que permite definir sermos pobres
latino-americanos indígenas operários. ("barrilete cósmico")
Alguém poderia lembrar aqui do coração de Drummond explodindo. Creio, porém, que se trata de outra coisa: Marona fixa aí a imagem de sua própria poética (com um caráter quase sacrificial, talvez o que Diblasi chama de heroico neste autor), que ele encontra também no assassinato de Pasolini:
mas há mil controvérsias,
só o que temos é um corpo
espancado, ensanguentado
e um coração que explodiu. ("padre pasolini")