O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Miguel Reale e a democracia social na visão de Médici

Miguel Reale, se vivo fora, teria feito cem anos. Não sou um especialista em nada, muito menos em integralismo, por isso não pude escrever sobre o pensamento desse grande jurista brasileiro nos anos 1930 e 1940.
Outros também não puderam fazê-lo. Enviaram-me notícia de evento universitário a propósito da efeméride: julgaram relevante tratar dele como pai - Sérgio Buarque de Holanda teria adorado ver isso - mas não acharam ninguém para tratar da contribuição de Reale para o integralismo, tampouco para a ditadura militar (tempo em que o jurista e professor do Largo de São Francisco chegou a ser reitor da USP).
Sei, no entanto, que aqueles anos de formação foram determinantes para o Reale maduro: em 1969, na paródia de constituinte encenada às portas fechadas (esfera pública versão burocrático-militar) por Costa e Silva (que desejava substituir a Carta de 1967) com Pedro Aleixo, Gama e Silva e outros "notáveis", Reale propôs a criação da representação corporativa, típica do fascismo. Costa e Silva não aceitou, achando que a proposta era ousada demais.
Aludi a esse episódio no Sopro número 9: http://culturaebarbarie.org/sopro/n9.pdf
Sobre Reale, escrevi há uns anos este pequeno artigo, "A cultura jurídica brasileira e a chibata: Miguel Reale e a história como fonte do Direito": http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=93400515 ou http://www4.uninove.br/ojs/index.php/prisma/article/view/613
Nele, podem-se ler coisas mais ou menos conhecidas e bastante silenciadas, como alguns dos ataques de Pontes de Miranda à democracia, os elogios de Levi Carneiro a Hitler, e a caracterização que Reale fez de Médici como o criador/pensador da "democracia social" no Brasil.
Refiro-me aos ataques que o grande jurista fez à soberania popular e à possibilidade de instauração de uma assembleia constituinte no Brasil em dois momentos, nos anos 1960, no início da ditadura militar, e nos anos 1980, crepúsculo da ditadura (mas não do poder militar no Brasil, como Jorge Zaverucha bem analisa).
É inolvidável ler a análise realiana de que Médici teria feito o Brasil superar as liberdades dos EUA e os direitos sociais da URSS. Cito a original análise jurídico-política no artigo.
A identidade de pensamento do jurista com o general-estadista-pensador é tamanha que passou um pequeno erro na revisão, e acho que ninguém o notou até hoje: na página 246, a última citação é de Médici, não de Reale. São indiscerníveis em sua análise da democracia.

2 comentários:

  1. Reale, quem sabe pela carolice ou pelo nacionalismo, delirou o integralismo - excentricidade entre excentricidades, fruto daquela época e, ao mesmo tempo, coisa tão brasileira. O Reale pós-integralismo é um hegeliano de direita vulgar, confuso, que se alinhou com a Ditadura Militar - junto com o velho Chico Ciência e os Buzaids da vida, que assim puderam dar vazão ao que reprimiram por décadas -, o que lhe gabaritou como colaborador perpétuo de la derecha. O fato desse sujeito ainda ser lembrado pelos nossos cursos de Direito é das coisas mais sintomáticas entre sintomas tão óbvios, mas tão óbvios, que acabam ignorados.

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  2. Prezado Hugo Albuquerque,
    discordo do que escreveu: pelo contrário, é preciso falar dele, e também nos cursos de Direito, para que se saiba a marca que deixou na cultura jurídica nacional.
    O problema é o oposto do que você imagina: ele não é, de fato, lembrado, pois é muito pouco lido (exceto pelo manual das Lições preliminares de Direito). Com isso, o papel dele como intelectual da direita é providencialmente ignorado. Abraços, Pádua.

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