A afixação de divisórias para a criação de salas de aula nos espaços que eram de corredores e rampas de cadeirantes mostra como o conhecimento se multiplica mesmo sem janelas.
A ideia de dotar as salas de aula de projetores, acionados através do sistema de informática, e afirmar que deverão ser ligados e desligados para que a entrada e a saída do professor em sala fiquem registradas eletronicamente confere uma esplêndida oportunidade de ensinar Foucault e explicar como as salas de aula cada vez mais se parecem com prisões.
A estratégia de obrigar o professor a ter (ou comprar) e a usar os próprios equipamentos para ligar os projetores da sala de aula representa uma tática formal de comprometer o docente com a instituição, compensada dialeticamente pela possibilidade informal de acesso aos dados pessoais dos docentes armazenados nesses aparelhos.
A orientação de fazer todas as avaliações em múltipla escolha (de quatro opções, pois uma quinta já se avizinharia do infinito), entre outras vantagens, apresenta a mais sublime: a de que o aluno somente precisará reconhecer as quatro primeiras letras do alfabeto, o que é possível aprender em cinco anos de faculdade (uma letra por ano, o último é para revisão do que foi aprendido).
A projeção em sala da prova de múltipla escolha, reduzindo drasticamente as despesas de papel, induzirá a uma cooperação mais estreita entre os alunos e permitirá que terminem a avaliação ao mesmo tempo, acabando com a figura traumatizada do retardatário.
A avaliação dos professores por meio do número de páginas viradas pelos alunos no material de ensino à distância significa atualizar os critérios de mérito acadêmico e reforçar a tese de que hoje a atividade de pesquisa foi racionalizada para o clique em setinhas virtuais.
A avaliação dos professores por meio da análise estatística da média de suas turmas, que não deve ser inferior à média do alunos do curso, explica por que nossa filosofia integra qualidade e equidade.
Permitir que alunos que ficaram com média zero em certa disciplina sejam aprovados pela média das outras significa aprender a realocar recursos, o que é importante para um futuro gestor.
Permitir que alunos que ficaram com média zero em certa disciplina sejam aprovados fazendo uma prova suplementar com um quarto dos tópicos da disciplina significa saber dividir o conhecimento.
A presença de coordenadores disfarçados nas reuniões dos professores com fiscalizadores externos é medida terapêutica que acaba com a ilusão neurótica da neutralidade das avaliações.
O envio de dados criativamente superestimados sobre os professores para os órgãos de fiscalização coaduna-se com a relação entre a(s) verdade(s) e a(s) nova(s) ontologia(s).
A estratégia de alterar a data de começo do semestre letivo na semana anterior ao início previsto e de só divulgar os horários de aula semanas depois de as aulas já estarem ocorrendo obrigará pedagogicamente a comunidade acadêmica a cultivar o valor da atenção.
A estratégia de, poucas semanas antes, antecipar o fim do semestre letivo acaba com as expectativas paranoicas da possibilidade do planejamento e da existência do futuro.
Ocupar diariamente os coordenadores com telefonemas aos alunos ausentes para que evitem a evasão satisfaz a diretriz acadêmica de que, sem aluno, não há mensalidade; sem mensalidade, os gestores não ganham viagem a Miami.
Não novas competências, tampouco novas habilidades, e sim novos manuais de gestão para a velha dominação.
A prática pedagógica de substituir as aulas por projeções de autoajuda e fotos com gatinhos em cima do Código Penal assegura a motivação dos alunos e condiz com a máxima categórica de que educação é amor.
É instigante a criação do concurso da professora mais bem vestida, com o prêmio (para os alunos) de pontos nas provas da elegante docente. Além do reforço de estereótipos de gênero (estratégia fundamental para manter a clientela discente), abre-se outra perspectiva do que significa o mérito acadêmico.
Tornar uma competição jurídica em oportunidade para os professores se fantasiarem e dançarem músicas de apresentadoras de programas infantis traduz a maneira performática de ilustrar o estado do debate do direito nacional.
A apresentação de fotos como trabalho jurídico de fim de curso, ou a ideia de que uma imagem vale por mil leis, ao menos quando as leis nada valem.
Aproveitar a apresentação de trabalhos de fim de curso para demitir professores simboliza a plena consciência do lugar do conhecimento nesta arquitetura de praça de alimentação.
A progressiva substituição de professores por pós-graduandos da própria instituição, além da adequação aos princípios da retroalimentação e da reciclagem, mostra os caminhos possíveis da empregabilidade dos profissionais nela formados.
A progressiva substituição de professores por vídeos e instrutores de ensino, comprova, por meio dos valores reduzidos recebidos pelos instrutores, que o professor é valorizado pela instituição.
O treinamento docente convertido em curso de como segurar microfones e olhar para a câmara em vídeos representa a generosa preocupação da instituição com a reorientação profissional que os professores necessitarão após as periódicas reestruturações administrativas e corte de excedentes.
Em razão de tudo acima elencado, a educação está demitida de nossas instituições. Desejamos-lhe sorte em seus novos horizontes profissionais: nas ruas, nos buracos das ruas, nas pedras no fundo dos buracos das ruas, no lixo que compartilha com as pedras o fundo dos buracos das ruas, acolhendo os tiros e explosões oficiais (ela sempre foi desrespeitosa com as autoridades) no seu corpo generoso e descontente.