os rios sem água,
que vida resiste
nos rios mortos,
para onde correm
os rios imóveis,
seria milagre
andar na superfície
dos rios sem água,
dos rios mortos,
que milagre ou desastre
percorreria
os rios imóveis
sem medo de molhar-se
ou afundar no nada,
haveria outro milagre
senão o desastre
nesses rios que não mais
perguntando incessantes
sem a resposta da foz?
– Os índios não existem mais, Ministra?
– Não existem e invadem nossas plantações no meio da floresta.
–O latifúndio acabou no país, Ministro?
– Claro. Agora só temos empreendedores que resistem contra a opressão de camponeses e leis ambientais.
Há algo sólido
no rio tomado
por ferro e rejeitos,
mais sólido que o ferro;
há algo tóxico
no rio naufragado
na correnteza de minérios,
mais tóxico que os rejeitos;
sólido e flui
nas veias do país,
tóxico e alimenta
o corpo do país,
cuida dos pacientesnos hospitais sem água,
encarrega-se da sede
nas escolas fechadas,
entrega às escolas
o arsênio e o mercúrio
que inundam as salas
sem lições de química,
arsênio e mercúrio
ensinam política
e ela vive
da morte dos rios.
– Como ficarão os licenciamentos ambientais, Governador?
– Licenciamento é uma coisa autoritária. A presidenta já explicou que o meio ambiente ameaça a sustentabilidade. O ambiente é que tem que pedir licença para se implantar nos empreendimentos, mas não para a Secretaria do Verde, a Secretaria do Progresso é que vai examinar, e assim vamos criando o equilíbrio entre os sapos e as escavadoras.
– Que plano o governo tem para o fim do abastecimento de água?
– As Forças de Segurança já estão sendo treinadas.
Onde desaguam
os rios sem água
ainda é uma foz,
ou fossa que se abre
garganta da política?
Ela se abre
Ela se abre
dos jornais até o lamaçal,
das mineradoras até o parlamento,
dos dentes afiados até a cárie dos minérios,
do riso das balas
até os rios de sedentos,
as fossas da política abrem-se
e no seu sorriso imenso
os tolos pensariam caber
toda a morte do oceano,
no seu discurso os tolos
confundiriam o continente
com o espaço do desastre,
na sua mordida o desastre
faz sangrar o querosene
entregue ao continente
como se fora vinho.
na sua mordida o desastre
faz sangrar o querosene
entregue ao continente
como se fora vinho.
– Vou explicar a pergunta: que plano existe para o fim do abastecimento de água, já que a barragem da mineradora explodiu e os rios morreram daqui do interior até o litoral?
– Ah, entendi. As Forças de Segurança receberão água durante o trabalho. Não ganharão o vinho que estamos tomando aqui na sede da mineradora, esta mordomia é para as coletivas de imprensa, rá, rá, mas os soldados não deixarão de trabalhar por causa da sede.
– E se a crise continuar?
– A sede é subversiva. As Forças de Segurança estão bem treinadas.
Manganês e alumínio
abririam as bocas dos jornais?
Alimentam-se reciprocamente.
imitam o rio,
arrastam-se
para morrer)
(os peixes
imitam o rio,
imóveis
afogam-se)
(as pedras
imitam o rio
ou o contrário,
impossível saber)
(o rio
imita o oceano,
torna-se deserto,
cada onda
ergue-se
procurando seus semelhantes,
os ossos)
O que resta de sólido,
os rios sem água
desaguam na vida
que resiste.
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